Produção de algodão no Ceará deve gerar 4 mil empregos e R$ 60 milhões em 2022
Cultura que gerou grandes riquezas entre as décadas de 1960 e 1980 renasce no Estado com novas tecnologias
Depois de décadas de uma pausa forçada pela chegada de uma praga que dizimou as lavouras, a cultura do algodão retoma no Estado. Com cerca de 4 mil hectares plantados, o segmento deve gerar cerca de 4 mil empregos e movimentar até R$ 60 milhões em retorno financeiro aos produtores neste ano.
Os dados notórios são apontados pelo presidente da Associação dos Produtores de Algodão do Estado do Ceará (Apaece), Airton Carneiro. O empresário ainda estima que a área plantada de algodão cresça para 10 mil hectares nos próximos dois anos, o que elevaria o número de vagas para 10 mil e o faturamento para R$ 150 milhões.
O volume movimentado varia de acordo com o porte da produção. No caso da agricultura familiar, a produtividade gira em torno de 120 a 130 arrobas de algodão por hectare, gerando cerca de R$ 7,8 mil de faturamento bruto.
Já para as médias e grandes plantações, é possível alcançar, no Ceará, até 250 arrobas por hectare, o equivalente a R$ 15 mil de retorno financeiro por hectare.
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Carneiro lembra que em meados de 2015 foi criado o programa que visava proporcionar a volta do plantio do algodão no Estado, impossibilitado durante anos devido ao bicudo, inseto com alta capacidade de dizimar as colheitas, e à falta de tecnologia.
Em parceria com o Governo do Estado, a Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e outros, iniciaram pesquisas para definir as melhores sementes, extratos, defensivos, técnicas e tecnologias para propiciar um novo patamar de produtividade e a convivência com o bicudo.
Além das condições técnicas, a alta no preço do algodão nos últimos anos é um dos principais incentivadores do projeto.
Carneiro explica que os países em geral não conseguem produzir alimentos suficientes para a própria população e que as áreas de algodão passaram a dar lugar aos itens alimentícios como tentativa de suprir essa necessidade.
Dessa forma, a produção de algodão caiu no mundo, puxando os preços a patamares recordes.
"O segundo tecido mais usado no mundo é sintético, produzido com petróleo. Com a crise do petróleo e a tendência mundial de desuso de combustíveis fósseis, a busca por algodão deve continuar em uma ascendente", afirma.
Declínio da plantação
Se beneficiando das condições de solo e clima favoráveis, o Ceará foi um grande produtor de algodão entre as décadas de 1960 e 1980, conforme recorda Euvaldo Bringel, coordenador do Programa de Implantação da Cultura do Algodão no Ceará.
O grande volume plantado, que chegou a 1,2 milhão de hectares, fomentou a indústria ligada ao algodão, criando o que, até hoje, é um dos maiores polos têxteis do País. As fábricas de beneficiamento, seja para fabricação de fios ou de tecidos, era o destino de boa parte da produção local.
Diante de tudo isso, a atividade se tornou uma grande oportunidade de negócio e fonte de riqueza para os produtores. "Nós tivemos muitas famílias em Orós, Iguatu, que viveram e enriqueceram na época do algodão", lembra Bringel.
A "mina" que era o algodão, no entanto, acabou ruindo com a chegada do bicudo, inseto que dizimou os campos tendo em vista que, na época, não existia o hábito de fazer pulverização nas áreas plantadas. Além disso, o tipo de algodão plantado no Estado, que durava de três a cinco anos, era o ambiente perfeito para a praga.
Com as lavouras em decadência e os elevados custos para manter a produção convivendo com o bicudo, grande parte dos produtores acabaram abandonando o algodão.
"O polo têxtil começou a importar algodão de outros países para conseguir sobreviver. Até que veio o algodão do Centro-Oeste do Brasil, com novas tecnologias e já convivendo com o bicudo", afirma Bringel.
Passos para a retomada
Vendo esses exemplos de sucesso, nasceu o projeto que visava trazer a cultura do algodão de volta ao Ceará.
A primeira medida que permitiu a retomada que já está sendo observada foi o estabelecimento do chamado vazio sanitário, período do ano, de 1º de outubro a 31 de dezembro, em que não pode haver algodão plantado no Estado.
Com as tecnologias que temos hoje, não dá para erradicar o bicudo, nós temos que conviver com ele. E a convivência economicamente mais viável é através de uma vazio sanitário, para que a gente tenha uma redução drástica da população do bicudo"
O vazio sanitário, estabelecido em 2017, é um dos pilares do programa.
Também compõe o tripé a capacitação de grupos de produtores em diferentes polos. O primeiro deles, em Quixeramobim e Quixadá, já possui tradição no cultivo de algodão por pequenos produtores.
No Cariri, a aceitação também tem sido satisfatória, segundo Bringel, com áreas de médio porte sendo plantadas. Já no Apodi se concentram os campos maiores e mais tecnológicos, inclusive com irrigação, por exemplo.
A terceira base do programa é a transferência dessas tecnologias através da Embrapa para os produtores, abrangendo desde os melhores tipos de semente, à adubação, extratos, pesticidas, cuidados com a planta, entre outros.
"Nós juntamos as condições de sol e solo que o Ceará sempre teve e incrementou conhecimento, novas tecnologias, o advento da irrigação, que foi uma coisa que propiciou muito desenvolvimento no Ceará. Hoje, nós temos irrigação de alta complexidade, com equipamentos de Israel e da Espanha, exportando frutas e flores", pontua.
Capacitação
Auxiliando no processo de retomada e disseminação das tecnologias e técnicas, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), ligado à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), está intensificando os programas de assistência técnica.
Este ano, serão 400 turmas que devem capacitar cerca de 12 mil produtores em todo o Estado, conforme o presidente da Faec, Amilcar Silveira. Até o ano passado, o número de turmas era de apenas 183.
"O que nós vamos fazer é prestar assistência técnica aos produtores. O Senar está à disposição para ajudar com as novas tecnologias", afirma.
Segurança hídrica
Apesar do otimismo e das boas perspectivas, ainda há gargalos travando o pleno desenvolvimento do algodão. Um dos principais deles, comum à maioria das lavouras do Estado, é a segurança hídrica.
Segundo Bringel, a disponibilidade de água para irrigação ainda limita os planos de expansão. Mesmo com o bom inverno de 2022, ele revela que um dos principais reservatórios, o Açude Castanhão, segue com menos de 30% da capacidade.
A chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco deve dar uma margem para o problema.
As águas da Transposição não vamos usar pra irrigação, porque é mais cara e foi aprovada para matar a sede das pessoas e animais. Mas Fortaleza consome de 10 a 12m³ de água por segundo. Se a Transposição abastecer a Capital com 10m³, já libera mais água para irrigação"
Autossuficiência em grãos
Uma segunda vantagem no investimento no algodão é a associação com a produção de grãos. Por não ser possível replantar o algodão constantemente em função do controle do bicudo, os agricultores intercalam a produção do algodão com grãos diversos.
Se adotado em larga escala, a prática pode levar o Ceará à autossuficiência em grãos e beneficiar também atividades como a cadeia produtiva do leite, grande consumidora de grãos para alimentação dos animais.
"Na mesma fazenda que se planta algodão, depois de colher, em seguida produz soja, milho, sorgo, e volta pro algodão. Circula nessas três culturas e todas têm um grande mercado no Ceará", diz Bringel.