Preparativos para Premium II afetaram rotina no Pecém
A queda nas vendas de estabelecimentos comerciais e mudanças no transporte público estão entre os impactos
O aviso de "acesso restrito - Petrobras", à beira de uma estrada interditada para receber o empreendimento que, prometia-se, transformaria a economia cearense, chega a ser irônico. Mais do que gerar gastos milionários ao tesouro estadual, os preparativos para a implantação da refinaria Premium II, no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), impactaram na rotina de centenas de pessoas que residem ou trabalham ao redor da área destinada à usina, que foi descartado nesta semana pela Petrobras.
A poucos quilômetros do local onde está sendo instalada a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), parte da estrada que dá acesso à comunidade de Bolso, no Pecém, foi interditada para preservar a área onde seria construída a refinaria. Como resultado, desde novembro último a retirada das paradas de ônibus e as restrições ao fluxo de veículos têm prejudicado o deslocamento dos moradores e as vendas de lojas e restaurantes.
"Já cheguei a vender aqui 600 almoços por dia. Mas hoje, por exemplo, só vendi 32", conta o empresário Graco Chaves, que há um ano e quatro meses abriu um restaurante em Bolso. Nos primeiros meses, afirma, a movimentação foi satisfatória. "Até o pessoal que participou do cercamento (da área reservada à refinaria) vinha almoçar aqui", recorda. Após a interdição da via onde o estabelecimento está localizado, contudo, o número de clientes caiu continuamente.
Natural do Maranhão, onde já possuía outro ponto comercial, o empresário apostou na ida ao Pecém devido às notícias de que a região era promissora para novos negócios. "Teve muita gente que também investiu aqui. Mas essa área tá muito complicada. Eu acabei tendo prejuízo", lamenta. Ao longo da via, na qual diversos comércios com portas fechadas podem ser notados, os moradores criticam a retirada das paradas de ônibus do local, o que os obriga a andar longas distâncias para poder usar o transporte público.
"E também tem a questão da poeira. Como interditaram a estrada, os carros vêm agora do carroçal, e a poeira entra nas casas. Você tem que limpar a casa toda hora", destaca a comerciante Sildacir Andrade. "Eu não sofro tanto com os ônibus porque tenho como me locomover, mas a gente sempre dá carona pra pessoas que a gente vê andando na estrada indo pegar um ônibus", acrescenta.
Frustração
Ainda que não tenham sido afetados diretamente pelos preparativos para a Premium II, os moradores do centro de Pecém também lamentam o anúncio de cancelamento do projeto. "Essa refinaria era uma esperança de melhoria pra gente", frisa a comerciante Maria Sampaio, proprietária de uma loja de material de construção. Ela afirma, porém, que a expectativa de vinda da usina não foi acompanhada pelas melhorias necessárias ao distrito de Pecém, em áreas como transporte e educação.
A exclusão da refinaria dos planos da Petrobras também frustrou pessoas de outros estados. Há um mês dividindo uma casa, na Praia do Icaraí, com outros sete colegas de profissão, o soldador Edvaldo Ferreira, natural do Maranhão, tem procurado uma vaga nas empresas que atuam no Pecém.
Dos sete companheiros, três conseguiram vagas no distrito, mas os quatro restantes permanecem visitando diariamente locais onde possam deixar currículo. A notícia de que as refinarias do Ceará e do Maranhão foram canceladas desanimou o soldador. "Vou ficar aqui até dia 5 (de fevereiro). Se não der certo nada, vou voltar para casa", conta Edvaldo, que deseja trazer a mulher e o filho de três anos para o Ceará caso consiga uma vaga.
Camilo quer ver Dilma na próxima semana
Na tentativa de reverter a decisão que encerrou o projeto da refinaria Premium II no Ceará, o governador Camilo Santana está agendando, para a semana que vem, uma audiência com a presidente Dilma Roussef. A data do encontro ainda depende da agenda da presidente, segundo informou a assessoria de imprensa do Governo do Estado.
Ainda no dia 28, data em que a decisão foi anunciada, o governador entrou em contato com o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Aloizio Mercadante, solicitando a audiência. O encontro com a presidente é uma das estratégias do governador para viabilizar o projeto no Estado, intenção demonstrada em nota enviada pelo Governo, na noite da última quarta-feira: "Uma vez que o Ceará cumpriu todos requisitos para a implantação da refinaria, o Governo afirma que continuará lutando e empreendendo todos os esforços para viabilizar este importante projeto".
Ainda na nota, o Governo dizia repudiar a suspensão dos investimentos no empreendimento, "um sonho do povo cearense e importante vetor de desenvolvimento local e regional". Essa atitude, segundo a nota, representa "uma quebra unilateral do compromisso firmado com o estado e configura um desrespeito da empresa com o povo cearense". A Petrobras informou, ainda na quarta-feira, que poderá retomar estes ou algum projeto de refino, daqui a dez anos. A estatal, contudo, não se comprometeu com essa responsabilidade.
'Uma das maiores fraudes contra o CE'
O senador eleito Tasso Jereissati (PSDB) protestou publicamente ontem contra a decisão da Petrobras de cancelar a implantação da Refinaria Premium II no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp). Para o tucano, "foi uma das maiores fraudes feitas contra o Governo e o povo do Estado do Ceará".
Segundo ele, "de lá para cá toda e qualquer promessa de Refinaria foi uma mentira eleitoral que se repetia a cada ano e, principalmente, a cada eleição".
O senador eleito pelo PSDB, que faz parte da bancada da oposição ao governo federal em Brasília, criticou ainda o que chamou de "falta de indignação" da bancada federal cearense.
"Os representantes do Ceará na Câmara e no Senado estão caladinhos, de cabeça baixa, humilhados e, simplesmente, sem resistência. Falta indignação e uma representação que possa realmente falar, que dê ao povo cearense o respeito e a dignidade que ele merece", declarou em nota enviada à imprensa.
Plano de negócios da estatal será redimensionado
Rio/São Paulo. A Petrobras passará por um "redimensionamento" em seu plano de negócios e gestão de 2015, informa a presidente da companhia, Graça Foster. De acordo com ela, o documento, que só deverá ser apresentado em junho, trará reduções de investimentos da companhia e uma avaliação sobre a "materialidade" de construir projetos no País ou no exterior.
Entre os redimensionamentos, Graça Foster mencionou que a produção de óleo da companhia "certamente será atenuada" nos próximos anos, em função da determinação da empresa em não buscar novos financiamentos em 2015. "O mote do Plano de Negócios para 2015 e depois é o redimensionamento da Petrobras e a combinação com a materialidade de construção no Brasil ou no exterior, de seus projetos", afirmou.
"Essa é a grande combinação. Este ano trabalhamos para não ser necessário acessar e contratar novas dívidas. Em 2016 e 2017, também buscaremos o mínimo de contratação. E isso leva, sim, a um redimensionamento do plano de negócios da Petrobras", reforçou a diretora.
Segundo Foster, até junho as variáveis do Plano de Negócios estarão mais próximas de um "ponto de equilíbrio", como a cotação do óleo Brent e a taxa de câmbio. "Queremos trabalhar no plano com o nível de materialidade maior. Isso certamente vai causar influência ao longo do ano de 2016 e 2017. A curva de produção certamente será atenuada", pontuou a executiva.
Operação Lava-jato
Graça citou que o redimensionamento decorre de variáveis como a financiabilidade da companhia e os efeitos da Operação Lava-jato. O diretor José Formigli, de exploração e produção, afirmou que a companhia "vai buscar alternativas ao que antes estava contratado e pode não ter o desenvolvimento, como aconteceu com os módulos de compressão, no Rio Grande do Sul". "Estamos trabalhando para que não aconteçam outros", frisou.
Graça Foster afirmou que o relatório financeiro relativo ao terceiro trimestre foi divulgado de madrugada, na quarta-feira (28), porque o trabalho após a reunião do conselho de administração durou até esse horário.
Após a reunião do conselho na última terça-feira, a equipe da Petrobras ficou ocupada com uma "enormidade de notas a fazer, como a carta da presidente", disse Graça. Em seguida, disse que "tudo isso toma tempo e foi terminado de madrugada".
Conteúdo local é prioridade
A Petrobras tem como prioridade cumprir a obrigação de adquirir um porcentual mínimo de bens e serviços no Brasil, apesar das limitações impostas pela Operação Lava-jato. Como um número elevado dos fornecedores é investigado, a Petrobras tem dificuldade de contratação. No entanto, diz Graça, possíveis mudanças na regra de conteúdo local não dependem só da estatal, mas também do governo.
João Moura
Repórter