Por que ICMS de gasolina e energia são maiores em relação a outros produtos? Entenda
De acordo com tributaristas, tudo começou após a Constituição Federal de 1988. O texto deixou margem para que estados definissem a seletividade do tributo
A redução do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, da energia, comunicação e transporte deve ser votada na Câmara dos Deputados em breve.
O tema é alvo do Projeto de Lei Complementar 18/22, que trata esses itens como essenciais e entende, portanto, que eles devem ter uma alíquota máxima de 17%. Hoje, os percentuais chegam a 30%. Mas por que as alíquotas são altas atualmente?
Tributaristas consultados pela reportagem explicam que tudo começou após a Constituição Federal de 1988, que abriu uma interpretação a respeito da seletividade do ICMS.
Assim, ficou a cargo dos estados a definição das alíquotas dos produtos e serviços diante da essencialidade ou do caráter supérfluo de cada item.
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O presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará, Hamilton Sobreira, contextualiza que a Constituição Federal determinou a característica da seletividade em relação a dois tributos: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o ICMS.
“A Constituição de 1988 disse que o IPI ‘será’ seletivo e que o ICMS ‘poderia ser’ seletivo. E é aí que confusão começa, porque quando ela diz que o ICMS poderia ser seletivo, abre margem para que os estados deixem como seletivo ou não”, pontua Sobreira.
Ele pondera, porém, que a seletividade deve ser compreendida da seguinte forma: os itens mais essenciais devem ter a menor tributação.
“Quando a Constituição coloca a seletividade, ela entende que quanto mais essencial o produto ou serviço, menor a alíquota. E os supérfluos tendem a ter uma alíquota maior”, detalha.
O advogado tributarista e presidente do Instituto de Estudos Tributários do Ceará (Icet), Schubert Machado, reitera que o ICMS foi criado em 1988 para substituir o ICM, que era um imposto “com função apenas fiscal”.
“Quando houve a transformação em ICMS, o legislador constituinte permitiu que ele fosse seletivo e o tributo passou a ser um instrumento de controle da economia”.
“Esse controle parte da seletividade em função da essencialidade: os produtos e serviços essenciais devem ser tributados para diminuir a carga tributária e os não-essenciais podem ser tributados de maneira mais onerosa”
O advogado explica que, na época, os estados criaram esse grupo dos não-essenciais com alíquotas maiores para joias, bebidas alcoólicas, perfumes, maquiagens, algumas lanchas e aeronaves, por exemplo, com tributação de 25%.
“Mas aí os estados foram colocando outras coisas nessa lista, como a energia elétrica, gasolina e telecomunicações. Ora, como isso pode ser considerado não-essencial, se eles são, por natureza, essencialíssimos? Mas todos os estados colocaram esses itens no grupo dos não-essenciais”, indaga Schubert Machado.
A reportagem entrou em contato com o Conselho Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) sobre o porquê de os estados terem colocado esses itens no grupo de alíquotas mais altas, mas não recebeu resposta até a publicação desta matéria.
Discussão se acalorou nos últimos anos
Os advogados destacam que no ano passado o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a aplicação de alíquotas maiores para energia e telecomunicações por entender que se tratam de serviços essenciais.
Eles lamentam, porém, que o plenário tenha modulado os efeitos dessa decisão para 2024, o que significa que ela só deve vigorar daqui a dois anos.
“Essa ação antiga foi julgada pelo Supremo, que entendeu esses erviços como essenciais. Porém, o STF modulou os efeitos da ação para 2024. Isso é uma anomalia no sistema”, frisa Machado. Para ele, o imbróglio em torno do ICMS de itens essenciais é uma questão política. “Enquanto o consumidor briga sozinho, ele é frágil. Se os estados precisam de mais dinheiro, que sejam transparente e digam”.
Perda para os estados
Caso o Projeto de Lei Complementar 18/22 avance, a perda para os cofres cearenses em ICMS é estimada pela Sefaz em R$ 2,3 bilhões.
A governadora do Ceará, Izolda Cela, se pronunciou sobre a proposta, pedindo "responsabilidade" na análise de mudanças no ICMS. Em entrevista ao CE TV 2ª Edição, ela pontuou que qualquer medida que altere o imposto deve ser feita com responsabilidade, "porque os impostos se transformam em rodovias, construção de escolas, manutenção e construção de hospitais".