Por que a Selic está em um ciclo de altas e qual o efeito na economia? Entenda

Tendo atingido a mínima histórica em 2020, a taxa básica de juros chegou aos dois dígitos nesta quarta-feira na luta contra a inflação

Escrito por Heloisa Vasconcelos , heloisa.vasconcelos@svm.com.br
Fachada do Banco Central
Legenda: Ciclo de altas da Selic deve seguir até a próxima reunião do Copom
Foto: Agência Brasil

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central realizou nesta quarta-feira (2) mais uma alta na taxa básica de juros. O aumento de 1,5 p.p., levando a Selic ao patamar de 11,75% ao ano, já era esperado pelo mercado e segue uma trajetória ascendente desde o ano passado. 

A Selic atingiu a mínima histórica em 2020, chegando a 2% ao ano após um ciclo de quedas que havia sido iniciado em 2016. Esse patamar foi mantido durante quase metade do primeiro ano da pandemia e seguiu até o início de 2021, como uma forma de incentivar o consumo diante do desaquecimento da economia. 

Juros baixos somados à escassez de matérias-primas e outros fatores como o câmbio, contudo, levaram a inflação do país a romper o teto da meta no ano passado. Principal ferramenta do Banco Central para controlar a inflação, a Selic vem subindo na tentativa de aliviar a pressão inflacionária. 

A Selic mais alta é uma má notícia para quem tem interesse em tomar crédito, tornando os juros e o custo das dívidas mais altos. Em contraponto, representa também uma maior rentabilidade para os investidores da renda fixa – menos para a poupança. 

Estímulo ao consumo 

A taxa básica de juros é a principal ferramenta do Banco Central para controlar a política monetária. Por meio dela, é possível incentivar ou desincentivar o consumo, agindo diretamente na inflação. 

Muito antes de haver uma perspectiva de pandemia, em 2016, o Copom começou a realizar cortes na Selic. O sócio e assessor da Messem Investimentos, Felipe Venturini, explica ocorrer um movimento para diminuir a dívida pública enquanto era possível manter a inflação controlada. 

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Quando chegou a pandemia, foi necessário medidas mais contundentes para manter a economia girando mesmo com os estabelecimentos de formas fechadas – e essa foi uma tendência global. 

A Covid-19 gerou um movimento de expansão monetária, de imprimir dinheiro e aumentar gasto público no mundo todo. No Brasil teve um aumento de programas de controle à pobreza e auxílio às empresas
Felipe Venturini
sócio e assessor da Messem Investimentos

Com a queda dos juros, ficou mais barato adquirir crédito. Ao mesmo tempo, o Auxílio Emergencial trouxe um aumento na renda média da população, incentivando o consumo. 

Do outro lado da balança, a produção de bens estava prejudicada por falta de matéria-prima mundialmente diante do fechamento de indústrias. Outros fatores entram nessa equação, mas maior demanda e menor oferta levaram, invariavelmente, a inflação. 

Ciclo de altas 

Depois de a Selic chegar ao menor valor já visto, a inflação fez com que o Banco Central tivesse que reverter os cortes aplicados durante 2020. A economista da XP Tatiana Nogueira destaca que esse é um movimento, também, mundial. 

“Nos dois primeiros anos de pandemia, todas as economias e os bancos centrais fizeram de tudo, a qualquer ameaça de riscos maiores, para mitigar os efeitos. Uma dessas medidas, além das medidas de restrição, foi garantir que as pessoas tivessem acesso à renda e a demanda mantivesse aquecida. Agora, no ano de 2022, a gente vê uma reversão desse movimento, as economias começam a tentar tratar os efeitos colaterais dessas medidas. O principal efeito é a inflação”, aponta. 

O ciclo de altas começou em março do ano passado, mas os primeiros efeitos em termos de inflação devem começar a ser sentidos só agora, já que os juros impactam a economia com uma defasagem de dois a três trimestres, conforme Tatiana. 

A previsão é que além da alta desta quarta, outro aumento seja feito na próxima reunião do Copom, prevista para março. A partir daí, os juros devem ficar estabilizados durante o ano e voltar a cair, talvez, no final do ano, após as eleições. 

O patamar em que a próxima alta ocorrerá ainda é divergência dentro do mercado. No comunicado do Copom, o Comitê anteviu como “mais adequada” a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros, o que significa que o próximo aumento deve ser inferior a 1,5 p.p. 

Para Tatiana, apesar de ser esperada uma trajetória de quedas a partir do fim de 2022, a Selic não deve chegar novamente aos níveis de 2020. Ela considera que a Selic neutra para o Brasil é a 7,5% a.a. 

O Banco Central pode levar os juros para baixo por algum motivo excepcional, mas levar os juros ao patamar mais baixo é um caminho muito longo que o Brasil tem que percorrer, porque nós temos uma dívida bruta muito grande. A gente só consegue enxergar juros mais baixos quando os investidores tiverem confiança na solvência dos investimentos
Tatiana Nogueira
economista da XP

Impacto na economia 

A Selic a 10,75% torna mais caro o custo de empréstimos e financiamentos. Felipe Venturini acrescenta que, para além das pessoas físicas, o próprio governo também paga mais pelas dívidas. 

“Quando tem um aumento na taxa de juros impacta o cálculo econômico tanto do governo quanto das pessoas. Se tem um aumento de 8,75p.p. na Selic [em um ano], tem um aumento no custo da sua dívida de quase 450%”, calcula. 

Tatiana projeta que a influência da Selic sobre a inflação deve começar a ser percebida, mas relacionada ainda às altas do ano passado. É esperada para 2022 uma menor pressão inflacionária, com a inflação se aproximando da meta – definida em 3,5% pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), com margem de 1,5 p.p. para cima ou para baixo. 

Aumentar os juros, segundo Venturini, também é uma forma de ajustar o câmbio. Isso porque, com a Selic mais alta, os investimentos se tornam mais atrativos, inclusive para investidores internacionais, que injetam dólares no país. 

“O aumento na taxa de juros interfere diretamente no preço mais importante da economia, que é o câmbio. O câmbio afeta todos os produtos da economia brasileira porque serve de referência para exportação, importação e toda a cadeia produtiva”, reflete. 

Apesar de a renda fixa passar a remunerar mais o investidor com o aumento da Selic, a poupança tem a rentabilidade congelada. Segundo a regra do investimento mais popular entre os brasileiros, a rentabilidade da poupança é de 70% da Selic desde que a taxa básica de juros esteja em até 8,5% - passado esse teto, o fundo passa a render 0,5% ao mês. 

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