MP 1052 'teria de ser imediatamente rejeitada', avaliam economistas

Lauro Chaves e Firmo de Castro defenderam em live do Corecon-CE que a iniciativa que afeta fundos constitucionais reduz o papel do BNB de impulsionar o desenvolvimento regional

Escrito por Samuel Quintela , samuel.quintela@svm.com.br
Legenda: Alterações na taxa de administração do FNE impactariam principal fonte de financiamento do Banco do Nordeste (BNB)

A Medida Provisória 1052, que visa criar o Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE) e reduz de forma progressiva a taxa de administração sobre os Fundos Constitucionais (FNE, FNO e FCO), foi criticada pelos economistas cearenses.

Durante live transmitida pelas redes sociais do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), Firmo de Castro, economista e ex-professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), e Lauro Chaves, conselheiro federal de economia, afirmaram que a MP poderá ser um "tiro no pé" dos bancos públicos regionais e que ela deveria ser "imediatamente rejeitada" pela classe política. 

De acordo com Chaves, que também é professor da Universidade Estadual do Estado do Ceará (UECE) e PhD em desenvolvimento regional pela Universidade de Barcelona, a iniciativa mina o papel do Banco do Nordeste (BNB) em impulsionar políticas de redução de desigualdade econômica na Região. 

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Ele ainda ressaltou que no ano passado, 62% do crédito de longo prazo no Nordeste foi financiado pelo BNB. 

Mudanças no cenário

A discussão foi gerada pelo fato de que a MP 1052 traz uma nova redução gradual das taxas de administrações dos fundos constitucionais, que são administrados pelo BNB, Banco da Amazônia (Basa) e Banco do Brasil. 

Outro mecanismo do projeto é recriar o Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE), idealizado para viabilizar concessões e parcerias público-privadas (PPPs) para obras da União, estados e municípios, que será administrado pela Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF).

Contudo, como o Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) ainda é a principal fonte de financiamento do BNB, economistas e a Associação de Funcionários do Banco do Nordeste (AFBNB) têm defendido que a MP enfraquece o papel do Banco em impulsionar o desenvolvimento regional. 

Com menos recursos, a instituição teria de reavaliar operações e projetos de infraestrutura. Isso poderia reduzir o número de agências do BNB no Nordeste e reduzir a oferta de crédito barato na Região, considerando um possível aumento das taxas cobradas para garantir o funcionamento do Banco.

Veja o modelo de redução das taxas dos fundos constitucionais: 

  • I - 2,1% ao ano, de 1º de janeiro de 2021 a 30 de junho de 2021;
  • II - 1% ao ano, a partir de 1º julho de 2021;
  • III - 0,9% ao ano, no exercício de 2022;
  • IV - 0,8% ao ano, no exercício de 2023;
  • V - 0,7% ao ano, no exercício de 2024;
  • VI - 0,6% ao ano, no exercício de 2025; e
  • VII - 0,5% ao ano, a partir de 1º de janeiro de 2026.

Avaliação 

A perspectiva foi endossada pelo economista Firmo de Castro, que também foi deputado federal constituinte. Ele defendeu que a classe política do Nordeste deveria rejeitar imediatamente a MP 1052 e que a equiparação das taxas do BNB em relação ao mercado não faz tanto sentido quanto defendeu o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). 

Essa MP teria de ser imediatamente rejeitada e ofende drasticamente as duas instituições que gerem os fundos constitucionais no Norte e Nordeste, que são Basa e BNB. O Banco do Brasil que administra o FCO vive uma realidade diferente. Então o BNB e o Basa correm um risco de sobrevivência se essa MP seguir do jeito que está aí", disse.
Firmo de Castro
Economista e deputado federal constituinte
 

Segundo o economista, as taxas de administração cobradas pelos bancos públicos regionais (Basa e BNB) não podem ser comparadas às que são cobradas a valores relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que é operado pela Caixa Econômica Federal

Segundo Castro, o fluxo de operações e financiamentos é completamente diferente entre o FGTS e o FNE, fazendo com que o BNB necessite de uma expertise maior e maiores investimentos para lidar com a complexidade do sistema. 

Relações com Brasília 

Outra crítica feita por Firmo teve relação com a visão do Governo Federal sobre questões relacionadas ao desenvolvimento regional. Ele comentou que sempre houve resistência de políticos de fora do Nordeste ou do Norte em relação a medidas direcionadas a regiões específicas. 

Além disso, o economista afirmou que a MP 1052 parece ser uma ferramenta criada pelo Governo Federal atual para reaver recursos direcionados aos Fundos Constitucionais de volta ao caixa da União. 

"O Governo Federal, para recuperar recursos, passou por cima dos fundos constitucionais. Brasília está muito distante de entender essa questão regional e menospreza os objetivos que queremos colocar e discutir. Já tivemos uma tentativa inconstitucional para levar uma parte dos recursos do FNE para o Fies", disse Firmo. 

Há uma incompreensão administrativa para entender que esses fundos têm um papel específico e eles são importantes para isso", completou.
Firmo de Castro
Economista e deputado federal constituinte
 

Visão técnica

O ex-professor da UFC também criticou a visão que avalia ser exageradamente técnica dos representantes do Governo Federal em relação à gestão dos recursos direcionados aos projetos de desenvolvimento regional. Segundo ele, os técnicos não conseguiriam enxergar as especificidades dessas iniciativas. 

Essa MP veio de um princípio que os técnicos de Brasília não estão controlando esses recursos. A questão regional não está na agenda nacional. Eu participei de várias decisões importantes sobre o assunto e digo que é um desconhecimento técnico sobre o desenvolvimento regional por parte do Governo Federal, e falta interesse para entender", explicou.
Firmo de Castro
Economista e deputado federal constituinte

Classe política 

Firmo também questionou a participação da classe política do Nordeste em projetos voltados a reduzir as desigualdades regionais. 

"Eu diria que o atraso é autofágico. Do ponto de vista político, principalmente. Tirando poucos representantes, nós temos poucos políticos que entendem e estão dispostos a assumir uma postura de reivindicação das políticas de desenvolvimento", disse Castro. 

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