Empresas aplicam golpe da rescisão e deixam trabalhadores demitidos sem dinheiro
Rescisões fraudulentas aumentaram com o fim da obrigatoriedade de formalizar o término do contrato perante o Ministério do Trabalho ou o sindicato
Mais de 20 casos de funcionários demitidos sem receber todos os pagamentos devidos pelas empresas foram atendidos nas últimas duas semanas apenas pelo advogado Mailson Gurgel, membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE).
Especialistas em direito trabalhista relatam um aumento de casos de rescisões fraudulentas, em que os trabalhadores não recebem todos os direitos, nos últimos anos.
"Os trabalhadores chegam frustrados, sem conhecer seus direitos e, por isso, caem nas promessas de pagamento posterior do patrão. Converso com meus colegas de profissão e a situação é a mesma, ou pior".
O principal problema na hora de entrar com ações contra a empresa, alegando fraude no recebimento dos valores da rescisão, é a dificuldade para conseguir provas.
Isso acontece, segundo o advogado, porque o trabalhador assina o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT) antes de receber o valor devido e fica, apenas, com a promessa de pagamento do patrão.
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'Procure saber seus direitos'
Esta situação aconteceu com um trabalhador cearense de 28 anos, que prefere não ser identificado nesta reportagem.
Após trabalhar cerca de três anos em um posto de gasolina, ele conta que foi comunicado sobre sua demissão imediata sem nenhuma intenção de acordo.
“Cheguei para trabalhar, disseram que era meu último dia e no outro, já estaria desempregado. Fui surpreendido pela decisão, mas prometeram pagar os proporcionais e eu assinei os papéis.”
Após assinar o TRCT, o trabalhador encerrou o serviço e aguardou o contato do patrão para receber os valores proporcionais da rescisão.
“Na hora de pagar, o patrão me deu um vale para pegar na empresa e quando recebi tomei um susto. Estava descontando aviso prévio e (a multa de) 40% do FGTS, foi quando caiu a ficha que tinha algo errado. Tirei foto e fiz vídeo para comprovar aquilo”, relata o trabalhador.
Ao perceber que poderia ter sido fraudado, o homem resolveu procurar ajuda de profissionais especializados.
“Fui na regional do trabalho e me encaminharam para um advogado que me explicou os meus direitos”, conta.
Ação na Justiça
O trabalhador conseguiu entrar com uma ação contra o posto de gasolina e espera a decisão da Justiça para receber cerca de R$ 5 mil que foram retidos pela empresa.
“Não é só pelo dinheiro, mas pelo que ele fez comigo. Era um valor que eu dependia, na hora fiquei sem chão.”
Por isso, o advogado trabalhista, Mailson Gurgel, acredita na importância de haver um intermediário durante a rescisão de um contrato de trabalho.
“Se ele tivesse assistência jurídica ou do sindicato, se ele tivesse ciência dos direitos, isso não teria acontecido. Essa é a principal importância de buscar informação sobre os direitos trabalhistas”, esclarece o advogado.
Reforma trabalhista
Em vigor desde novembro de 2017, a reforma trabalhista desobrigou que os contratos de trabalhos com mais de um ano fossem homologados perante o Ministério do Trabalho ou o sindicato, o que era exigido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Com a mudança, o empregador passou a poder pagar os valores rescisórios diretamente ao trabalhador. Isso, segundo o juiz do trabalho, Adalberto Barreira, do TRT da 7ª região, pode favorecer as fraudes, já que não há fiscalização.
A partir dessa reforma, a lei acabou com a necessidade de homologação. Antes, se o funcionário recebia qualquer valor, isso tinha que acontecer na frente do representante e era assinado um termo informando se faltou algum pagamento complementar ou não"
Ainda conforme o magistrado, por desconhecimento dos próprios direitos, os trabalhadores assinam os termos e acabam não recebendo no dia marcado.
“Depois fica muito difícil para o trabalhador provar, porque a assinatura dele tem força de recibo. No final fica a palavra dele contra o empregador, enquanto ele tem o documento assinado”, alerta.
Já o advogado Mailson Gurgel aconselha que os trabalhadores não assinem nenhum documento antes de buscar um mediador para saber o que e quanto deve receber.
“No momento em que ocorre a demissão, o patrão tem dez dias para fazer o pagamento. Nesse período, procure o sindicato, a regional do trabalho ou um advogado. Faça essa consultoria jurídica para que possa ter o controle do que deve receber e nunca assine nada antes", recomenda o advogado.
O que fazer se perceber problemas
Se o trabalhador desconfiar que pode ter tido prejuízo na rescisão, ele deve buscar um atendimento especializado e reunir provas que possam contribuir no processo.
“O trabalhador pode entrar na Justiça, com as provas que tem, seja gravação ambiental, levando outros trabalhadores que passaram pelo mesmo caso, mensagem no WhatsApp, qualquer elemento de prova.”
O que se recebe na rescisão
Veja abaixo todos os valores que devem ser pagos na rescisão após a demissão pela empresa:
- Saldo de salário: os dias que o funcionário trabalhou até receber a informação sobre a sua demissão;
- Aviso indenizado ou trabalhado: os 30 dias após a demissão, que podem ser trabalhados ou indenizados pela empresa;
- Férias vencidas;
- Férias proporcionais do período mais recente;
- 13º salário proporcional;
- Horas extras (se houver): com acréscimo de 50% para as horas trabalhadas em dias úteis e de 100% para as realizadas aos domingos e feriados;
- Multa de 40% do FGTS: referente a todos os valores já depositados pela empresa no FGTS do trabalhador.
Mailson também alerta para a checagem dos valores repassados pela empresa ao Fundo de Garantia do Trabalhador (FGTS) junto a Caixa Econômica Federal.
]“Antes de tudo, vá até a Caixa e retire o extrato do FGTS, cheque se está totalmente integralizado os valores. Somente após conferir e receber todos os valores, você deve assinar a rescisão”, explica.