Entre vagas e lacunas: a verdade sobre o déficit de profissionais qualificados

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Delania Santos ds@delaniasantos.com
Legenda: Não basta ter vagas, é preciso ter preparo; não basta formar, é preciso formar com propósito e conexão com a realidade
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Como explicar um país com tanta gente buscando trabalho e, ao mesmo tempo, tantas empresas buscando profissionais?  Será que as vagas abertas exigem qualificações que muitos profissionais desempregados ainda não possuem? Ou será que ainda não está claro o que é preciso aprender para se tornar competitivo? E mais: as instituições de ensino superior estão, de fato, formando profissionais capazes de atender às demandas do mercado? Vamos discutir.

Segundo pesquisa realizada pelo ManpowerGroup em outubro de 2024, 74% dos empregadores, em perspectiva global, relatam dificuldades para encontrar os talentos qualificados de que precisam. No Brasil, esse índice sobe para 81%. O estudo ouviu mais de 40 mil empregadores em 42 países, com o trabalho de campo realizado entre 1º e 31 de outubro de 2024.

Os dados por setor são ainda mais reveladores:

  • Saúde e Ciências Biológicas lideram o ranking, com 77% de escassez;
  • Energia e Serviços Públicos, com 76%;
  • Tecnologia da Informação, também com 76%.

Corroborando esse cenário, um estudo da consultoria Rooby, especializada em atração e seleção de profissionais de tecnologia para cargos de liderança, ouviu 208 gestores de TI no Brasil (73% gerentes e 14% diretores) em fevereiro de 2025. O levantamento revelou que 56% dos entrevistados relataram dificuldades para encontrar talentos qualificados em segurança da informação, enquanto 38% enfrentam desafios na contratação de especialistas em áreas como análise de ameaças cibernéticas e proteção de aplicações na nuvem.

Por que bons profissionais podem fracassar na liderança?

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Delania Santos ds@delaniasantos.com
Legenda: A liderança exige um conjunto de habilidades completamente diferentes da performance técnica
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É comum vermos profissionais brilhantes, altamente comprometidos e tecnicamente excepcionais sendo promovidos a cargos de liderança. O raciocínio parece simples: se ele entrega mais, destaca-se e domina o que faz, por que não liderar a equipe? Será que isso realmente funciona? 

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O declínio de Anelory

Ane, como era carinhosamente chamada pelos colegas, sempre foi referência de entrega e determinação. Cumpria todas as metas — por mais desafiadoras que fossem — e era presença constante entre os campeões de vendas. Sua garra, carisma e capacidade de se conectar com os clientes chamavam a atenção da liderança.

Ingressou na empresa como assistente comercial e, com o tempo, conquistou seu espaço, tornando-se um nome forte dentro do time. Quando sua supervisora pediu demissão, a empresa precisava agir rápido. Em reunião, o nome mais óbvio surgiu sem resistência: Ane. Apesar de relutar no início, acabou sendo convencida a aceitar o novo desafio.

Ao assumir a supervisão, foi bem recebida pela equipe, mas não demorou para perceber que a nova função exigia habilidades bem diferentes daquelas que a tornaram destaque em vendas. Gestão de pessoas, planejamento, mediação de conflitos, alinhamento com outras áreas…, nada disso fazia parte da sua zona de domínio — e tampouco lhe trazia satisfação.

Aos poucos, Ane foi perdendo o brilho. A energia que antes a movia deu lugar à exaustão, e o entusiasmo cedeu espaço à frustração. Após seis meses, pediu demissão. O que deu errado?

A história de Ane não é uma exceção, isso acontece o tempo todo dentro das organizações. Essa lógica, embora bem-intencionada, costuma falhar na prática. É comum ver empresas perdendo talentos por tomadas de decisão precipitadas. Nem sempre o melhor colaborador em sua função é a indicação mais adequada para um cargo de liderança. 

A liderança exige um conjunto de habilidades completamente diferentes da performance técnica. Saber entregar resultados não é o mesmo que saber inspirar, desenvolver, ouvir, negociar, tomar decisões difíceis ou sustentar uma visão coletiva. Além disso, a vontade do colaborador deve ser levada em consideração. Ane, provavelmente, cedeu porque ficou com receio de como seria vista pelos seus superiores caso recusasse a proposta. 

Problemas mais comuns ao contratar alguém sem perfil para liderança

Quando promovemos alguém com alta performance, mas sem perfil ou preparo para liderar, os impactos são sentidos rapidamente — por ele, pela equipe e pela organização. Entre os problemas mais comuns, podemos destacar: 

  • Perda de talentos, pois profissionais que não se adaptam à liderança, dificilmente retornam aos seus cargos anteriores. É mais provável que saiam da empresa. 
  • Queda no engajamento da equipe, que passa a ser conduzida por alguém que não sabe lidar com pessoas ou não oferece direcionamento claro.
  • Microgestão e centralização de tarefas, pois o novo líder tem dificuldade em delegar e confia apenas em seu próprio método.
  • Conflitos interpessoais mal geridos, já que a escuta ativa, a empatia e o manejo de tensões não foram desenvolvidos.
  • Clima organizacional desgastado, com insegurança, ruídos na comunicação e alta rotatividade.
  • Sobrecarga emocional no próprio líder, que sente que “perdeu” aquilo que fazia bem e agora precisa navegar em um território desconhecido — muitas vezes sem apoio.

Como identificar alguém com perfil para liderar?

É fundamental que as empresas criem critérios claros e processos estruturados para identificar quem realmente tem competência para liderar e deseja isso para sua carreira profissional. Algumas ações eficazes incluem:

  • Ter clareza quanto ao perfil de liderança que a empresa precisa. Isso servirá como bússola para as tomadas de decisão. 
  • Estimular que líderes conheçam as aspirações de seus liderados, para que possam direcionar sua atuação e desenvolver sucessores intencionalmente. 
  • Avaliar comportamentos, não só resultados! Observar como o profissional se relaciona com os colegas, lida com pressões e colabora com o time.
  • Aplicar assessments de perfil e de competências socioemocionais, que ajudam a mapear o potencial de liderança.
  • Oferecer experiências de liderança informais, como coordenação de projetos ou mentoria de pares, antes de uma promoção formal.
  • Investir em programas de desenvolvimento de líderes, que combinem autoconhecimento, prática e feedback estruturado.
  • Incluir a escuta da equipe no processo — a percepção do grupo sobre quem já exerce influência e apoio pode revelar lideranças naturais.

Isso não significa que grandes talentos não possam se tornar líderes. Mas é preciso investir no desenvolvimento dessas competências antes de entregar a eles uma equipe inteira para conduzir. Promover alguém deve ser um movimento de reconhecimento, mas também de responsabilidade. O desafio está em identificar não só quem entrega mais, mas quem está preparado para liderar com consciência, consistência e humanidade.

Se você recebeu um convite para liderar e não se identifica com essa missão, seja honesto. Compreendo que algumas empresas não abrem espaço para uma conversa franca e honesta e que, por vezes, não olha com bons olhos os que negam essa ‘oportunidade’. No entanto, reflita sobre o que deseja para a sua carreira, sobre as perdas e os ganhos da sua decisão, e seja fiel e transparente. 

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Esse descompasso entre oferta e demanda revela um problema estrutural: não é apenas a quantidade de profissionais disponíveis que importa, mas a qualidade da formação, a aderência ao que o mercado exige e a velocidade com que conseguimos formar e atualizar esses talentos. O tempo entre a necessidade da empresa e a preparação do profissional é, muitas vezes, abissal.

Enquanto isso, empresas perdem produtividade, deixam de expandir projetos ou sobrecarregam equipes por não conseguirem preencher vagas estratégicas. Em setores como tecnologia e saúde, esse gargalo pode comprometer, inclusive, a inovação e a qualidade dos serviços prestados à sociedade.

Parte da responsabilidade recai, sim, sobre as instituições de ensino, que ainda operam com currículos desconectados das transformações do mundo do trabalho. Mas o desafio é mais amplo: as empresas também precisam investir em formação contínua, em programas de desenvolvimento interno e em parcerias com escolas técnicas e universidades, a fim de preparar os profissionais do futuro. Com isso, torna-se possível adotar a estratégia de Quiet hiring, que visa à realocação de talentos internos, ou seja, à valorização da seleção interna. 

E o profissional? O que ele deve fazer para se manter competitivo? 

O tempo em que um diploma garantia empregabilidade acabou. Hoje, manter-se competitivo exige uma mentalidade diferente! Sou professora de pós-graduação em MBAs de gestão e percebo a falta de engajamento dos alunos, bem como uma total desconexão com a realidade do mercado, o que resulta em posturas totalmente passivas quando o assunto é aprendizado contínuo. 

Estar atento aos movimentos do mercado, investir em atualização constante, desenvolvimento de soft skills alinhadas às tendências, letramento e domínio tecnológico e, principalmente, ter consciência de que o aprendizado é contínuo e autogerido, são os maiores desafios para o profissional que, de fato, quer estar apto ao novo mundo do trabalho.  

A equação é clara: não basta ter vagas, é preciso ter preparo; não basta formar, é preciso formar com propósito e conexão com a realidade. 

Enquanto seguimos acumulando currículos de um lado e acumulando vagas do outro, o país desperdiça tempo, compromete a produtividade e perde talentos. E o mais grave: continuamos empurrando o problema para o próximo ciclo, para a próxima geração, quando, na verdade, a mudança começa agora e precisa de movimento imediato. 

E o papel da liderança nesse contexto? 

Não podemos ignorar a importância das lideranças na transformação desse cenário. Líderes atualizados, conscientes e comprometidos com o desenvolvimento de suas equipes são catalisadores de mudança. A falta de mão de obra qualificada não se resolve apenas com novas contratações, mas com uma cultura organizacional que fomente aprendizado, dê feedbacks consistentes, promova oportunidades internas e estimule o protagonismo profissional. 

O líder, neste sentido, precisa dar exemplo e investir no seu próprio desenvolvimento. A reconstrução desse ecossistema é coletiva. E começa hoje.
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