Em meio ao puerpério, o sonho de viver do próprio negócio e dar uma vida melhor para o filho
Neste especial de Dia das Mães, você conhece a história de Helena de Sousa, empreendedora que após a maternidade sente ainda mais força para fazer crescer o seu negócio
Empreender é, dentre muitas coisas, a oportunidade de poder mudar a própria história. Foi a essa chance que a contadora e artesã Maria Helena de Sousa, de 42 anos, se agarrou quando tinha 19 anos, em um momento em que a maternidade e o ensino superior sequer tinham cruzado o seu caminho. O plano era que o filho, Kylwanje, hoje com pouco mais de dois meses, viesse apenas quando a vida estivesse mais estabilizada.
Nesta série de reportagens “Mães Empreendedoras”, você já conheceu a história da Priscila Nóbrega e da Karolaine de Lima.
Veja também
É manhã de uma sexta-feira em um shopping de Fortaleza, no Bairro Benfica, em Fortaleza, onde Helena dentro da loja colaborativa Casa de Xicas aguarda o horário da entrevista. Mesmo antes de adentrar o espaço, é impossível não notar a mulher alta, imponente e com o fruto de seu trabalho a mostra: os colares e pulseiras chamam a atenção e compõem uma imagem feminina e forte.
Essa imagem vai sendo construída e despida ao longo de alguns minutos de conversa. Entre o empreendedorismo e a maternidade que atravessaram a vida de Helena, há uma série de percalços, conquistas e lembranças que emocionam a ela e a quem a escuta. Difícil seria não se emocionar.
Há 23 anos, Helena dava o pontapé inicial no empreendedorismo. Com R$ 200 a partir de um cartão de crédito que pegou emprestado de uma amiga, comprou os materiais necessários para que pudesse produzir bijuterias para expor e vender em uma conferência do gênero.
“No primeiro dia de feira, vendi tudo que eu tinha produzido e paguei a minha amiga que havia emprestado o cartão”, lembra.
A técnica para produzir as peças veio do trabalho que desenvolveu em um ateliê, onde conseguiu trabalho após ficar desempregada. Helena é natural do Piauí e veio para Fortaleza trabalhar como empregada doméstica, assim como a mãe.
Eu fui para o empreendedorismo mesmo quando eu me vi desempregada, porque era o que eu sabia fazer e eu não queria voltar para casa de família. Então eu sabia fazer duas coisas: ou eu ia ser doméstica, ou eu ia empreender”.
Ao lembrar dessa fase, ela rebusca as raízes. “O empreendedorismo surgiu desde os tempos de outrora, quando fomos obrigados a sair de nossa terra natal (diz, se referindo ao continente africano), para vir para uma terra desconhecida. Nos deram a liberdade, isso é fato, mas que liberdade? Nos deixaram presos, porque não tinha como o povo preto comer, viver. Então aí vem o empreendedorismo”, explica Helena.
O começo em um ateliê
Ao se ver desempregada como doméstica e diante da oportunidade de ter uma renda em uma atividade nova, Helena foi aprendendo no ateliê a se relacionar com as miçangas, se envolvendo cada vez mais enquanto enfileirava miçangas em arames, dava nós, combinava cores e fazia amizade com o alicate de artesanato, seu parceiro de ofício.
Após o grande encontro com essa paixão e com o empreendedorismo, sentiu que era hora de descobrir outras - e que precisava de uma fonte de renda que não aquela das bijuterias, que era pouca. Queria “mudar a história”, como ela mesmo descreve.
“Eu comecei como doméstica, como muitas mulheres, principalmente pretas, que saem de suas cidades de origem para encontrar melhorias. Minha mãe até hoje é doméstica, mas eu não quis repetir essa mesma função, nada contra, mas eu quis mudar um pouco a história, então eu sou formada em Contabilidade e antes eu trabalhei no ateliê de bijuterias, que foi onde eu desenvolvi a arte”, recorda Helena.
Entre as continhas, que são as miçangas com as quais lidava, e as contas que fazia como contadora, arranjou um emprego como assistente financeira. Hoje, é o que paga os boletos principais da casa onde mora, com o marido e o filho - esses últimos dois são algumas de suas mais recentes paixões descobertas, sem dúvidas as maiores.
Helena sempre sonhou ser mãe, mas revela que a sua trajetória de vida lhe impôs em relação à maternidade uma cautela ainda maior. Filha de mãe solo e crescida em um contexto financeiro difícil, Helena diz que queria que seu filho nascesse com mais conforto. E com um pai. “Eu sempre tive vontade de ter filho, mas eu sempre tive muito medo de ser mãe solo”, diz.
“Eu tinha muito esse medo porque minha mãe ficou viúva e eu acho importante o filho ter pai, mesmo que não continue a relação, mas que a responsabilidade e a orientação sejam dos dois. Me fez falta isso, então eu não queria que meu filho sentisse isso. No meu caso foi o destino que quis assim, mas a gente sabe que muitas mulheres são abandonadas”, pondera Helena.
A chegada do filho
A decisão dela e do marido de que era hora de ter Kylwanje veio em um momento em que as finanças ainda não estavam tão confortáveis como Helena deseja que um dia fiquem, mas a vontade seguia cada vez mais forte e o relógio biológico também dava seus sinais. O bebê crescerá com o negócio, enquanto Helena tenta se equilibrar entre suas várias facetas.
Em meio a tantas demandas, há ainda os altos e baixos do puerpério, período após o nascimento da criança em que a mãe está se adaptando às mudanças provocadas pela maternidade e enfrenta uma verdadeira montanha-russa hormonal. Apesar de estar de licença-maternidade do emprego CLT, ela relata a exaustão.
“Esse sonho de depender só da minha marca já vem de muito tempo, enquanto isso não acontece, ela vai crescendo junto comigo e com o bebê. Por enquanto, não dá para desligar de CLT. Eu estou cansada, mas eu preciso produzir. Se antes eu precisava produzir, agora eu preciso muito mais. Porque tem muito mais gasto, essa renda extra então tem que ficar mais extra ainda”, revela Helena.
Em meio ao cansaço do puerpério, as demandas da marca são feitas nos momentos em que o Kylwanje dorme. Inclusive, dormia em seus braços no momento da entrevista. “Enquanto ele dorme, eu tiro um tempo para dormir, porém, meia hora, no máximo uma hora. Quando eu acordo, vou cuidar das coisas dele, da casa, aí eu dou de mamar, ele dorme de novo e nesse período da tarde que ele dorme é quando eu vou produzir”, conta.
Casa de Xicas
Não seria possível, porém, fazer as peças se não fosse a rede de apoio da qual ela se orgulha: uma amiga e o irmão, Marcos, que acompanham a entrevista para dar apoio com o bebê. A conversa ocorre na loja colaborativa Casa de Xicas, espaço erguido a partir de um edital do qual Helena participou com sua sócia, Neide Rodrigues.
A proposta da casa é acolher empreendedores pretos, LGBTQIA+, mães empreendedoras e outros que estão nessa jornada, mas precisam de um apoio para mostrar seu trabalho e de um norte para seguir trabalhando no próprio sonho.
Mesmo sabendo que não é possível caminhar sozinha, Helena lamenta a dependência provocada pela maternidade, ao passo que agradece por ter essa rede. Ela reconhece que a solidão é a realidade de muitas mães brasileiras.
“Eu tenho sofrido muito, às vezes eu choro. O choro é por ter que estar dependendo de alguém, sempre muito desenrolada, fazendo minhas coisas sem depender de ninguém. E agora eu tenho que estar sempre dependendo de alguém, eu tenho que seguir os horários do Kylwanje”, se emociona Helena.
O choro parece estar engasgado de tantos sofrimentos ao longo da vida, mas sobretudo em relação às frustrações inerentes à maternidade, desde a gestação até onde a vista se perde.
Helena teve diabetes gestacional, o que dificultou a reta final da gravidez, e precisou abdicar do sonhado parto normal por algumas razões médicas. Além disso, conta que chegou a se sentir “menos mãe” por não estar conseguindo suprir apenas com o leite do peito as necessidades do seu filho, recorrendo à fórmula infantil.
A emoção também é porque Helena sabe que os riscos que antes corria sem tanto receio, agora repensa duas vezes antes de encarar.
“Já aconteceu de eu ir com o dinheiro da ida e se eu não vendesse, como eu ia voltar? Eu fui pra trabalhar na recepção do evento e vender minhas peças. Se eu tivesse ido só com as bijuterias, teria que ter ficado só em Salvador para depois voltar para casa, porque eu vendi só R$ 15”.
Pergunto se hoje, como mãe, Helena se vê fazendo algo parecido. “Hoje é muito mais difícil. Se eu não estiver segura, não quero arriscar. Se eu tiver só o da ida, eu não vou”.
Nem tudo são flores. Mas também não são só dores. Por isso, Helena lembra que hoje é Kylwanje quem mantém ainda mais vivo o sonho de um dia viver apenas do empreendedorismo. “Eu me sinto cansada o tempo inteiro, mas quando eu lembro que vou precisar disso, o cansaço fica ali de lado e aí eu digo que quando der eu durmo”.