Do bolo 'solado' a uma confeiteira empreendedora: o poder transformador do amor materno
Priscila Nóbrega, mãe de Samuel e agora de Davi, se aventurou a fazer bolos para economizar nos aniversários do filho e se descobriu na confeitaria
Os passos cada vez mais lentos sobre a faixa de pedestres da Rua Olavo Bilac, no Bairro Presidente Kennedy, em Fortaleza, indicam o cansaço de quem carrega algo. Mas longe dessa repórter tratar esse peso como se fosse qualquer um. Priscila Nóbrega, a dona desses pés - um tanto inchados pela reta final da gravidez - carrega no ventre um dos amores de sua vida: Davi.
O momento é mais que especial, já que Davi está previsto para nascer pouco depois do Dia das Mães. Especial não só pela data em si, mas por uma série de significados que essa comemoração possui para Priscila.
Afinal, há um ano, exatamente no Dia das Mães, nascia a sua cafeteria, a concretização de uma empreitada que começou em 2017, quando Priscila sequer sabia fazer um bolo. É para essa cafeteria que os passos de Priscila seguiam naquela manhã de quinta-feira.
E a empreitada da cafeteria começou despretensiosamente, a partir do amor incondicional que Priscila tem pelo filho mais velho, Samuel, hoje com 12 anos. Mais precisamente com a paixão da empreendedora por celebrar a vida dele.
Ela conta, orgulhosa, que não tem um ano que não faça uma festinha para comemorar o aniversário do filho e isso ocorreu mesmo quando foi preciso apertar as finanças.
Aos seis anos, Samuel sofria com consecutivas alergias que afetavam o seu sistema respiratório. Em uma das crises, veio o alerta médico: uma bactéria parecia querer se instalar no organismo do garoto, o que poderia até deixá-lo sem audição. Para uma mãe, um diagnóstico preocupante e que, no caso de Priscila, a fez, com o apoio financeiro do marido e em uma decisão conjunta, deixar o emprego para cuidar do filho.
Todos os aniversários do meu filho eu comemoro. Eu sempre dizia para o meu esposo que uma coisa que eu não abriria mão seria de comemorar a vida do meu filho. Eu acho que filho é bênção e a gente tem que comemorar todos os anos, aproveitar todas as fases, celebrar com eles e ensinar sobre essa celebração”.
Até aquele momento, de 'abrir mão' do emprego de carteira assinada para cuidar do filho, ela não sabia que a receita do seu destino contava com ingredientes surpresos. Afinal, quem esperava que alguém que sequer conseguia fazer um bolo seria confeiteira e abriria a sua própria cafeteria, sendo reconhecida pelo que faz?
“Nesse período que eu fiquei desempregada, somente com a renda do meu esposo, a gente passou a ter que economizar bastante. Então, para o aniversário do Samuel, comecei a fazer os docinhos. Sem pensar em empreendedorismo. Eu não sabia fazer nem um bolo, todos os bolos que eu fazia solavam. Então eu fiz o quê? Comecei a fazer bolo fake, que na época era uma moda”, lembra Priscila.
Um bolo que não é possível comer
O bolo fake em questão era feito de EVA e ela gastou cerca de R$ 55 com o material. A proposta era ter um bolo de mentirinha, bonito para fazer as fotos, compor a mesa e bem mais barato do que seria um bolo de verdade. O que Priscila não sabia era que a criatividade cairia no gosto dos convidados, que foram em seguida fazendo encomendas de bolo fake.
O “porém” era que as pessoas começaram a comentar - e incentivar - Priscila a evoluir para os bolos de verdade dizendo que “era uma pena não poder comer algo tão bonito”.
Mas o que realmente fez com que a empreendedora corresse atrás de dar um passo maior foi um singelo e inocente pedido do filho: um bolo de chocolate bem gostoso para o próximo aniversário.
Priscila tomou o pedido do filho como um desafio a ser superado e se dedicou a aprender para satisfazer o desejo de Samuel.
Ao longo do percurso, se descobriu uma apaixonada pela confeitaria e os bolos “solados” deram lugar a massas de vários sabores, cobertas com pasta americana e chantininho (técnica de cobertura que combina, entre outros ingredientes, chantilly, leite condensado e leite em pó).
A mãe de Samuel foi desenvolvendo as técnicas e começou a receber encomendas. Também chegou ao grande dia do aniversário do filho entregando o que havia prometido em seu coração: um bolo de chocolate temático do jeitinho que filho havia pedido.
Em 2018 eu comecei a fazer os bolos para vender, já estava fazendo os cursos, estudando… meu esposo pagou também um aplicativo para eu pegar dicas dos profissionais de fora, realmente para que eu pudesse desenvolver o dom que eu comecei a perceber que eu tinha”.
E Priscila não parou mais. As encomendas foram se proliferando. Elas agora vinham não somente dos amigos e da família, mas também de outras pessoas que iam cruzando com o seu trabalho.
A casa foi ficando pequena para tantas encomendas, mas o coração seguia cheio de espaço para sonhar e se apaixonar cada vez mais pelo trabalho desenvolvido. Ela se descobriu empreendedora e soube que amava aquela vida.
A vida de empreendedora, obviamente, tem percalços. Para não "abrir mão" dos momentos com Samuel, pois a proposta inicial era sair do emprego para cuidar dele, Priscila teve que virar madrugadas confeitando.
“Eu me organizava na questão do tempo: quando ele estava na escola, era o tempo que eu ia trabalhar. Quando ele chegava, eu já tinha que ficar com ele, cuidar mais e tal, apesar de ele sempre ter sido tranquilo, muito parceiro”, diz Priscila.
Enquanto o negócio caminhava a passos cada vez mais firmes, Samuel, o grande motivo de Priscila ter encontrado o seu amor pela confeitaria, crescia. E seguia alicerçando com palavras uma mãe que já transbordava amor.
“O Samuel perguntava quando eu ia abrir a minha doceria”, diz Priscila. “Eu dizia: ‘filho, eu quero uma cafeteria, mas a mamãe não tem condições ainda”.
A fé e a tomada de decisão
Com a casa ficando pequena e o encantamento pelos doces cada vez maior, a confeiteira cogitou buscar um imóvel mais espaçoso que comportasse a sua produção, já que montar uma doceria ainda não era financeiramente viável.
Foi quando a fé, mais uma vez, se mostrou uma característica imprescindível a quem se arrisca no empreendedorismo.
“O Samuel já estava crescendo. Aí tinha um amigo meu que decidiu montar uma padaria nesse espaço que hoje é a cafeteria e ele me chamou para ajudar com sugestões, porque ele sabia que eu era do ramo”, explica Priscila. Com seis meses, após o amigo de Priscila perceber que preferia outro segmento, a padaria fechou.
“De repente eu estava pedindo a Deus um direcionamento do que eu ia fazer, eu estava procurando uma casa, algo maior para eu sair um pouco da minha casa e não misturar muito ali. Naquela manhã, o Senhor falou comigo e disse: ‘ainda nesta manhã você vai receber uma ligação com uma proposta que vai te dar muito medo, mas pode aceitar’”.
Às 10h, o amigo de Priscila liga marcando um encontro na tarde daquele mesmo dia.
No encontro, o amigo revela que tinha o interesse de passar o ponto para Priscila, já que tinha vários “toques” dela no lugar e ele “sentia que o espaço era dela”. “Esse meu amigo disse que tinham outras pessoas querendo, mas ele sentia que o lugar era meu e ele facilitou de todas as formas para que o lugar fosse meu. Eu fiquei com muito medo, mas lembrando da palavra de Deus. E o Samuel disse: ‘mãe, é seu’”.
E assim, Priscila aceitou o desafio e abriu a cafeteria no Dia das Mães de 2022. Pouco tempo depois, veio mais um presente: a descoberta de que Samuel ganharia um irmão, Davi, após três abortos sofridos por Priscila. Na final da gestação, ela se prepara para um novo momento: o de empreender com um bebê pequeno.
“Eu sei que não é fácil ser empreendedora, é um grande desafio e tinha sinais que eu pedia a Deus: primeiro era o apoio do meu esposo e do meu filho e segundo era a Iriane, que é uma amiga que eu já conhecia. Antes mesmo da cafeteria, ela chegou pra mim e disse: ‘eu já pedi minhas contas no trabalho porque eu sabia que se eu falasse para você, você não ia deixar eu pedir, inclusive já estou terminando meu aviso (prévio)’. Ela não sabia fazer bolo. Ela só sabia que queria trabalhar comigo”, conta Priscila.
Hoje, o negócio de Priscila conta com quatro prestadores de serviços, uma equipe que ela vem preparando, sobretudo nos últimos meses, para tocar o negócio durante sua ausência, no período em que vai se afastar para se adaptar à chegada de Davi.
“Quando eu descobri que estava grávida, eu fiquei muito feliz, apesar dos desafios da empresa. Fiquei muito feliz porque era um sonho nosso enquanto família, mas preocupada porque é o início de um negócio. Ao mesmo tempo, estou confiante por ter uma pessoa que me apoia aqui dentro, que é a Iriane. Eu confio na equipe”, arremata Priscila.