Depois de substituir carne por ossos, consumidores buscam alternativas para o leite

Composto lácteo vem ganhando espaço nas prateleiras de supermercados e atacarejos e consumidores até optam pelo produto por causa do preço, mas relatam qualidade inferior

Escrito por Ingrid Coelho ,
Legenda: Nutricionista explica que compostos lácteos podem ter aditivos que prejudiciais à saúde em um longo prazo
Foto: Arquivo Pessoal

A substituição de carnes por ossos e mais recentemente o consumo de similares se tornaram alternativa para muitas famílias por conta da alta dos preços dos alimentos. Não difere do leite que ganhou versões mais 'econômicas' e pouco nutritivas, como os compostos lácteos e em casos mais extremos o soro de leite. 

Essa situação é reflexo do descompasso entre a renda das famílias e o custo de vida cada vez mais caro no Brasil. 

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No caso do leite, cujos preços sofreram fortes elevações nos últimos meses, os valores foram alavancados por fatores como a entressafra e a guerra na Ucrânia. Em meio a esse cenário, consumidores estão dando uma chance ao composto lácteo em busca de economia.

É o caso, por exemplo, da dona de casa Leda Costa. Ela comprou o composto lácteo para integrar a alimentação do irmão, mas acabou preferindo reduzir o leite após a pediatra da criança dizer "que não faz bem".

"Estou fazendo só vitamina com o suco das frutas. E, assim, usando o mínimo possível. É viver como pode. Infelizmente a gente quer o melhor, mas tem que se adaptar com a renda familiar", explica Leda.

Raimunda Monteiro, desempregada, também trocou o leite condensado e leite por seus respectivos similares, mas acabou voltando para o leite. "Só me arrependi porque o composto lácteo não atendeu às minhas vontades e necessidades".

Ela avalia que o composto lácteo que substitui o leite condensado possui "um gosto mais adocicado e que a textura também é diferente. "O leite condensado tem bastante diferença no sabor, cor e textura".

"Foi só um teste que eu fiz e confesso que não gostei. É aquele velho ditado: o barato sai caro", lamenta Raimunda.

O que é o composto lácteo?

A nutricionista Jamile Tahim, mestre em Nutrição e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), explica que o composto lácteo é produzido pela indústria alimentícia a partir do processamento do leite, resultando da mistura de ingredientes lácteos (leite ou substâncias lácteas) a outros componentes alimentícios.

Ela detalha que, na maior parte, esses produtos se tratam de opções com qualidade nutricional inferior ao leite tradicional.

Jamile pontua que os compostos lácteos podem conter, além dos ingredientes lácteos, substâncias consideradas aditivos alimentares, como conservantes, estabilizantes, espessantes e açúcar. O composto lácteo com adição deve obrigatoriamente ter 51% de ingredientes lácteos.

"Portanto, é fundamental ler a lista de ingredientes que contém todos os itens que compõem o produto em ordem decrescente de acordo com a quantidade", destaca a nutricionista.

Há risco em trocar o leite pelo composto?

De acordo com Jamile, a troca do leite pelo composto lácteo pode gerar prejuízos ao organismo. Isso porque o composto pode ter aditivos alimentares que podem oferecer riscos à saúde diante do consumo regular e a longo prazo.

"Quando o propósito é melhorar a apresentação final do produto, o tempo de prateleira, a cor e outras características sem o propósito de nutrir, trata-se de aditivo alimentar, que são substâncias usadas pela indústria para o melhoramento de produtos industrializados e que em sua maioria oferecem riscos à saúde diante do consumo regular e a longo prazo", explica a nutricionista.

Bebidas vegetais

Jamile explica que uma alternativa com alto valor nutricional é a bebida vegetal, a exemplo das que são obtidas a partir do coco, aveia, arroz e da castanha.

"São 'leites' obtidos de alimentos de origem vegetal e podem ser produzidos em casa a partir da matéria-prima. Além de ser uma forma de variar o consumo de diversos nutrientes, são naturais, livres de aditivos alimentares e sai mais barato".

Elevação desenfreada

A dona de casa Girlane Paiva não chegou a substituir o produto, mas também avalia que tem sido cada vez mais difícil o consumo por causa dos preços elevados.

"Eu tenho uma filha de quatro anos, ela sempre pede leite, aí eu tenho que ficar comprando. Sempre procuro pelo preço mais baixo", pontua Girlane.

"Olha, é complicado, é triste. Todas as vezes que a gente vai ao supermercado, o preço está aumentando. Fica difícil para quem recebe pouco, tem que pagar as contas, tem que se virar e pegar o que for mais em conta mesmo", explica a dona de casa.

O economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, detalha os fatores internos e externos que vem pressionando os preços do leite no mercado local.

Um deles é a entressafra, mas os efeitos da guerra da Ucrânia sobre os preços de rações e fertilizantes também têm impactado substancialmente o custo de produção, o que se reflete nos preços ao consumidor final.

"Em função da guerra, os preços dos cereais têm subido de forma significativa, principalmente o milho. O milho e outros cereais que compõem a ração do gado estão subindo e, como consequencia, voce tem um repasse disso ao produtor", explica Ricardo Coimbra.

Ele também explica a relação entre os preços dos fertilizantes e o preço do leite. "Para uma boa produção da pastagem do animal, é preciso investir na melhoria do solo e como consequência você precisa ter fertilizantes para adubar esse solo e gerar uma maior produtividade".

Projeções para os próximos meses

Na avaliação do economista, os preços do leite para os próximos meses dependem de como vai ficar a situação da guerra na Ucrânia. "A guerra ainda pode afetar os preços dos fertilizantes. Mas a gente observa que já há alguns acordos para facilitar a distribuição da produção de cereais, o que pode reduzir esse custo e isso seria repassado ao produtor".

"Em setembro deve haver um nível maior de safra do leite. Supondo uma boa recarga dos açudes, temos essa possibilidade de ter uma produção maior da pastagem, então talvez os preços se estabilizem e comecem a cair entre o terceiro e o quarto trimestre deste ano", arremata Ricardo Coimbra.

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