Com reajuste médio de 5,21%, trabalhadores cearenses têm perda real de salário na pandemia
Preços dos produtos e serviços têm aumentado em ritmo mais acelerado que a correção dos ganhos
As negociações entre trabalhadores e empregadores para o reajuste anual de salários, em geral, concentradas nos primeiros meses do ano, estão sendo mais difíceis na pandemia.
Com a atividade econômica ainda baixa, muitas empresas não estão corrigindo os pagamentos nem mesmo pela inflação, provocando uma queda real dos rendimentos dos trabalhadores.
No Ceará, o reajuste médio dos 131 acordos e convenções coletivas acompanhados pelo Salariômetro, indicador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), foi de 5,21% nos três primeiros meses do ano.
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A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 7,57% em Fortaleza nos últimos 12 meses. Com a correção, o piso mediano do trabalhador cearense está em R$ 1.182.
O descompasso entre os reajustes e a inflação, no entanto, não é um problema restrito ao Ceará. Ainda segundo o Salariômetro, 64,2% das negociações fechadas em março em todo o País não repuseram a inflação do INPC.
O professor da faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Salariômetro, Hélio Zylberstajn, explica que a pandemia é parte da causa do problema, mas que o comportamento da própria inflação é a principal justificativa.
"A inflação hoje está rodando na casa dos 6% ao ano. Em março, o INPC foi de 6,94% no Brasil. Como a economia está patinando, ainda em recessão, começou a recuperar, mas ainda está muito débil, as empresas não conseguem absorver esse aumento", afirma.
Ascensão da inflação
Ele lembra que em abril do ano passado o índice nacional era de 3,3%, tendo chegado 2,1% em junho, menor patamar dos últimos 12 meses. O aumento de preços começou a disparar em novembro, quando alcançou 4,8% e desde então vem apresentando fortes altas.
"Se nós tivéssemos uma inflação menor, na casa dos 2%, com certeza as empresas poderiam conceder a recomposição total dos salários e talvez até um pouco mais", argumenta Zylberstajn.
Conforme o coordenador do Salariômetro, quando a inflação diminuir, o reajuste salarial volta a acompanhar o indicador, com possibilidades de ganho real.
"O salário do trabalhador hoje compra menos que um ano atrás. Não é uma coisa boa do ponto de vista dele. Mas é melhor ter um reajuste menor e conseguir manter o emprego. Ele pode comprar menos, mas continua comprando"
Aumento da pobreza
Apesar da baixa atividade econômica em decorrência da pandemia, o coordenador do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, critica os reajustes abaixo da inflação
Ele aponta que esse cenário provoca a perda do poder de compra e lembra que, mesmo após o reajuste, já há uma corrosão do salário entre a concessão e o recebimento dos ganhos.
"Logo que o primeiro salário depois do reajuste for pago, ele já vai estar corrido pela inflação do mês. O valor já não vai comprar a mesma coisa que no mês passado. Do ponto de vista social, significa mais empobrecimento"
Dinâmica das negociações
O supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar, explica que, apesar da maioria das data-base dos acordos e convenções vencer no primeiro semestre, algumas das categorias mais fortes e que conseguem ganhos maiores, como petroleiros, bancários e metalúrgicos, negociam os reajustes em setembro, o que equilibra um pouco mais a média das correções.
Ele ainda lembra que diversos reajustes foram adiados de 2020 para este ano devido ao contexto da pandemia. "Em abril e maio, quando o bloqueio das atividades foi mais forte, ninguém tinha ideia do impacto da pandemia. Várias categorias adiaram o reajuste, porque achavam que esse ano iriam negociar em outro patamar, mas a crise se estendeu", esclarece.
Com uma situação sanitária e econômica ainda mais desafiadora que o ano passado, a tensão nas negociações cresceu, em especial para benefícios como o vale-alimentação, tendo em vista que a inflação dos alimentos tem ficado em patamares bem superiores que a média.
"Dos componentes da inflação, alimentação está puxando os números para cima, sendo o dobro ou triplo dos reajustes. Isso força os sindicatos a pedirem um tratamento diferenciado em relação à cesta básica e ao vale-alimentação", afirma.