Bairros periféricos de Fortaleza ficaram 3 vezes mais horas sem energia do que áreas nobres
Abastecimento na Capital permaneceu dentro da meta estabelecida, mas ainda é bastante desigual entre os bairros
O fornecimento de energia elétrica em Fortaleza mostra que a cidade tem desigualdade no abastecimento entre bairros, principalmente naqueles mais afastados da área nobre, onde a falta de energia foi 3,5 vezes mais duradoura que nas regiões mais ricas. Os dados foram disponibilizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a pedido do Diário do Nordeste.
A Capital tem 1,22 milhão de unidades consumidoras de eletricidade atendidas divididas em 19 conjuntos, conforme a Aneel. Um conjunto é uma área atendida, em geral, por uma subestação de alta tensão dentre as espalhadas no território fortalezense.
Os conjuntos Aldeota e Distrito Industrial de Fortaleza representam os dois extremos em relação à Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC) no ano passado. O índice mede o tempo médio, em horas, que uma unidade consumidora ficou sem energia durante uma interrupção.
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O indicador é estabelecido pela Aneel e tem limites diferentes para cada um dos conjuntos. Quanto mais próximo de zero, menos tempo o local passou sem energia elétrica, refletindo-se em maior qualidade do fornecimento de eletricidade.
No conjunto Aldeota, o DEC médio em 2023 foi de 1,91 horas, bem abaixo do limite estabelecido, de no máximo sete horas sem energia ao longo do ano. A subestação é localizada no bairro de mesmo nome, na Avenida Barão de Studart, e atende principalmente unidades consumidoras da área nobre da Capital.
Na outra ponta está o conjunto Distrito Industrial de Fortaleza, cuja subestação está localizada em Maracanaú. O DEC médio da região foi de 6,92 horas no ano passado, 3,5 vezes maior do que o indicador da Aldeota. Os principais bairros atendidos pelo conjunto ficam em regiões periféricas da cidade.
O limite estipulado para o conjunto foi de nove horas em 2023, número que por si só indica a disparidade no abastecimento de energia elétrica em diferentes regiões de Fortaleza, notadamente entre aquelas mais afastadas de regiões centrais e as de área nobre.
Mais longe da Aldeota, mais tempo sem energia
A diferenciação entre a qualidade do serviço ofertado, seja ou não na área nobre de Fortaleza, pode ter razões estruturais no serviço oferecido pela Enel Ceará. O professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raphael Amaral, destaca que quanto mais distante do limite estabelecido pela Aneel, melhor o serviço no conjunto das unidades consumidoras, indicando resultado "positivo" sobretudo nas subestações Aldeota e Maguary.
Sobre o DEC na subestação Distrito Industrial de Fortaleza ter um valor bem acima do conjunto Aldeota, o professor sugere que a concessionária de energia deve investir em equipamentos mais modernos na região da área nobre da cidade.
Possivelmente, a Enel investe em sistemas mais modernos, equipes que possam se locomover rapidamente para essas áreas mais nobres. Nas áreas mais periféricas ou da Região Metropolitana, os equipamentos tendem a ser mais defasados, equipes não tão próximas aos locais para que o atendimento seja feito com maior eficiência, e o resultado são esses que estão no DEC.
O professor reforça ainda que é necessário "investir" em equipamentos de ponta para minimizar os efeitos da queda de eletricidade, principalmente nas regiões mais afastadas da área nobre da capital cearense, corrigindo uma defasagem que Raphael Amaral classificou como "cultural" em relação aos serviços comumente ofertados em bairros mais ricos.
"Existe um bom investimento nas áreas nobres, mas as áreas periféricas deixam a desejar. Isso é uma coisa que parece cultural da sociedade, tanto na política pública, quanto na política privada, também, das empresas, empresas de infraestrutura, de prestação de serviço. O segredo é tentar ofertar a mesma qualidade que se oferta na Aldeota no Bom Jardim, Mondubim, Messejana", critica o professor da UFC.
Por meio de nota, a Enel Ceará limitou-se a dizer que o conjunto de unidade consumidora do Distrito Industrial de Fortaleza, assim como o do Bom Jardim, está dentro dos parâmetros estabelecidos pela Aneel sobre DEC.
"A Enel Distribuição Ceará informa que os conjuntos elétricos possuem limites diferentes dados às suas particularidades, com índices regulatórios específicos para cada área, definidos pela Aneel. Distrito Industrial, Bom Jardim estão dentro do limite regulatório de DEC", declara a concessionária.
Violar limite de DEC pode penalizar concessionária de energia
Embora não seja o caso das subestações que abastecem Fortaleza, a violação do limite de DEC pode acarretar punições à concessionária de energia.
O índice é medido juntamente com a Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (FEC), que mede a quantidade de quedas de energia em um determinado conjunto de unidade consumidora.
De um modo geral, o FEC em Fortaleza, assim como o DEC, está em conformidade com os parâmetros estabelecidos pela Aneel, com o número médio de interrupções nos 19 conjuntos que abastecem as unidades consumidoras da cidade variando entre um e dois no ano passado.
No contrato firmado pelas concessionárias, é necessário observar os limites de DEC e FEC para, além de manter a qualidade da eletricidade fornecida, buscar os reajustes necessários (lê-se aumento da tarifa de energia) ano após ano.
A Aneel, por meio de nota, detalha que caso a concessionária de energia não atinja o limite dos dois indicadores, haverá uma penalização, já presente no mecanismo regulatório e conhecida como Fator X, que "restringe o reajuste da tarifa de energia elétrica da distribuidora", ou seja, dificulta que a empresa possa ter, aprovada pela agência nacional, o aumento na conta de eletricidade solicitado.
Cada violação dos limites definidos de DEC e FEC também incidem nos chamados indicadores individuais, como moradias e estabelecimentos de comércio e serviços. Essas unidades consumidoras têm de ser ressarcidas automaticamente em, no máximo, dois meses após a ultrapassagem das metas pré-determinadas. A compensação financeira vem como desconto na conta de energia elétrica.
Veja a nota completa da Enel Ceará:
A Enel Distribuição Ceará informa que vem continuamente investindo e alcançando resultados melhores do que as metas previstas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)/ARCE para o período 2023-2026, e vem sendo acompanhada por um Plano de Resultados firmado no ano passado para todas as concessionárias de energia do país sobre os limites de duração e frequência de interrupções por conjunto elétrico.
Para se ter uma ideia, em dezembro de 2023, ou seja, no fechamento do primeiro ano do plano de resultados, a empresa mais do que dobrou o número de conjuntos elétricos dentro dos limites de duração média de interrupções (DEC) na comparação com dezembro de 2020, passando de 23 para 58 conjuntos. Com relação à frequência média das interrupções (FEC), o número de conjuntos dentro da meta saltou de 82 para 104, do total de 113 conjuntos existentes na área de concessão da empresa.
É importante ressaltar que estes resultados confirmam a trajetória de melhoria contínua dos indicadores globais de qualidade da distribuidora, ou seja, a duração e frequência de interrupções percebida pelos clientes de todo o Estado. Entre janeiro e setembro de 2023, a empresa registrou melhoria de 12,5% no DEC e de 8,5% no FEC em relação ao mesmo período de 2022.
Nos últimos cinco anos, a empresa investiu mais de R$ 5,1 bilhões em sua área de concessão, dos quais mais de R$ 1,1 bilhão apenas entre janeiro e setembro do ano passado, permitindo uma melhoria contínua da qualidade do serviço prestado à população.
Cabe destacar que a Enel Ceará tem investido fortemente na modernização da rede elétrica e na melhoria contínua do fornecimento em todo o estado, abrangendo capital e interior. Com relação à Fortaleza, a empresa esclarece que, desde junho de 2023, implementou um projeto de melhoria operacional para dar mais agilidade aos atendimentos emergenciais da cidade. Somando-se à contratação de novos profissionais, a distribuidora também passou a operar com três bases de serviço em diferentes regiões da capital, diminuindo o tempo de deslocamento das equipes e dando mais eficiência a toda a logística da operação de campo. Cabe também esclarecer que, recentemente, a distribuidora inaugurou uma nova subestação para atendimento à demanda elétrica da região do Distrito Industrial. Ao todo foram investidos mais de R$ 28,6 milhões na obra.