Auxílio Brasil vai melhorar qualidade de vida de famílias vulneráveis, mas gera preocupação fiscal

Especialistas consultados afirmam haver necessidade de aumentar o valor do benefício. No entanto, reação do mercado pode comprometer efeitos positivos

Escrito por Carolina Mesquita ,
Governo Federal anunciou que vai pagar a partir de novembro o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família
Legenda: Governo Federal anunciou que vai pagar a partir de novembro o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família
Foto: Shutterstock

O Auxílio Brasil, anunciado oficialmente na tarde desta quarta-feira (20), deve pagar pelo menos R$ 400 aos beneficiários até o fim de 2022. O aumento do valor, necessidade que é consenso entre especialistas, no entanto, ainda gera preocupação em relação à origem dos recursos e ao equilíbrio fiscal.

O Auxílio Brasil chega para substituir o Bolsa Família, que tem atualmente mais de 1,1 milhão de famílias cearenses beneficiadas. O número pode aumentar, segundo as regras do novo benefício.

Conforme o Ministério da Cidadania, de janeiro a setembro, foram repassados ao Ceará cerca de R$ 1,2 bilhão para o pagamento do Bolsa Família. Em média, as famílias receberam mensalmente R$ 76,18 até setembro deste ano.

Aumento do valor x reação do mercado

O diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mario França, ressalta que o aumento no valor irá gerar uma melhora na qualidade de vida significativa nas famílias mais vulneráveis, especialmente no que diz respeito à segurança alimentar.

No entanto, ele reforça que os efeitos só terão validade caso o governo convença o mercado que o novo valor é sustentável do ponto de vista fiscal.

França aponta que, caso o governo perca credibilidade relativa à responsabilidade fiscal, o mercado irá reagir com inflação, alta nos juros, elevação do câmbio, fatores que irão corroer o ganho gerado pelo aumento do benefício.

"A sustentabilidade do programa é importante, do ponto de vista fiscal. Não adianta colocar um valor que gera desequilíbrio, que fere o teto, a responsabilidade fiscal, porque pode gerar o efeito reverso", alerta.

Do ponto de vista social, ele indica que caso o valor definido fosse R$ 300, já seria o suficiente para melhorar o combate à pobreza no País.

"O auxílio emergencial, principalmente o valor inicial de R$ 600, deixou bem evidente o impacto que esses valores têm na pobreza e escancarou o valor baixo pago pelo Bolsa Família. Então, há essa necessidade de elevação e também de um redesenho do programa, dando maior peso às famílias com crianças de até 6 anos"
João Mario França
Diretor geral do Ipece

Caráter político

O coordenador do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, avalia que a promessa do programa tem caráter político e não possui ainda uma origem clara de recursos.

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Ele também pontua que o benefício será uma espécie de continuação do auxílio emergencial, por ter uma estimativa para acabar e vigorar enquanto os índices de desemprego e pobreza continuam em ascensão.

"Suficiente, não será nunca, dará apenas uma sensação de alívio, mas será insignificante ainda. O Dieese estima que a renda mínima para uma família formada por dois adultos e duas crianças é de cinco a seis vezes o salário mínimo. Então, esses R$ 400 seriam apenas 8% do necessário para o básico estabelecido na Constituição", afirma.

Para Oliveira, esses esforços para lançar o Auxílio Brasil são apenas uma tentativa de reverter a baixa popularidade do presidente Jair Bolsonaro e angariar votos para as eleições de 2022.

"Em nenhum momento, nem a equipe econômica, nem o presidente, nem o Planalto não apresentaram alternativa para financiar o programa. A expectativa (do governo) é que a medida renda 'ibope' suficiente para se reeleger"
Aécio Alves de Oliveira
Coordenador do curso de Economia Ecológica da UFC

O docente acrescenta que o Bolsa Família tinha de virar um programa de renda mínima pago aos mais carentes, independentemente de estarem desempregados ou não, a exemplo do que discutem os países europeus.

Déficit público

O conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon), Ricardo Eleutério, reconhece a necessidade de uma rede de amparo social para uma parcela significativa da população, mas lembra o desequilíbrio fiscal na outra ponta.

O desajuste nas contas iniciou ainda no governo da ex-presidenta Dilma e vem se agravando desde então, configurando hoje um dos grandes problemas da economia nacional.

Diante desse cenário, Eleutério aponta que cria-se um dilema: manter ou ampliar programas sociais em meio a enorme restrição fiscal do País.

"Tanto que ontem, quando se anunciou o auxílio de R$ 400 quando estava previsto o valor de R$ 300 meio que sem combinar com o Ministério (da Economia), o mercado reagiu negativamente, a bolsa caiu 3,28%, o dólar subiu, porque quando há aumento do déficit, a incerteza aumenta", explica.

Ele detalha que uma das maneiras de financiar a dívida pública é a compra de dinheiro da sociedade através dos títulos do Tesouro.

Com um déficit maior, o governo precisaria vender mais títulos públicos, o que iria aumentar o endividamento e forçaria a elevação da taxa de juros para atrair investidores.

"O desequilíbrio projeta para o longo prazo mais inflação, mais juros, mais dívida e déficit público, é uma bola de neve. Essa reação adversa do mercado acontece porque é uma situação que perdura a muitos anos"
Ricardo Eleutério
Conselheiro do Corecon

Além disso, ele reforça a tese de que o programa esteja sendo usado como ferramenta de campanha antecipada.

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Com pagamentos de R$ 400 mensais, o benefício será destinado a 17 milhões de famílias a partir de novembro, segundo anúncio do ministro da Cidadania, João Roma.

O cronograma de pagamentos começará após o fim do auxílio emergencial, que pagará neste mês de outubro sua última parcela. 

O ministro afirmou que será criado um "benefício transitório" para que as famílias recebam, até o fim de 2022, pelo menos R$ 400 por mês. Esse benefício, segundo João Roma, foi uma determinação do presidente. 

Durante pronunciamento à imprensa, João Roma não detalhou de onde virá o dinheiro. O novo valor representa um reajuste de 20% em relação ao benefício pago atualmente no Bolsa Família.

Em discurso durante visita a Russas, no Interior do Estado, Bolsonaro afirmou que o governo decidiu a extensão do benefício nessa terça-feira (19) e garantiu que a medida não irá furar o teto de gastos, mas não detalhou a origem dos recursos.

"Temos a responsabilidade de fazer com que esses recursos venham do próprio orçamento da União. Ninguém vai furar teto, ninguém vai fazer nenhuma estripulia no orçamento. Mas seria extremamente injusto deixar aproximadamente 17 milhões de pessoas com um valor tão pouco no Bolsa Família", ressaltou.

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