A aprovação da reforma tributária que tramita no Congresso pode ter impacto direto no recebimento de vale-alimentação e vale-refeição por parte de trabalhadores de empresas privadas.
No texto apresentado na Câmara dos Deputados, o deputado relator da proposta, Celso Sabino (PSDB-PA), acrescentou alterações que podem levar ao fim do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).
Criado em 1976, o PAT oferece vantagem fiscal para empresas que pagam aos funcionários benefícios ligados à alimentação.
O valor gasto com alimentação na empresa, vale-alimentação e/ou vale-refeição atualmente pode ser deduzido pelas empresas no momento da declaração de imposto de renda, com limite de 4% do imposto devido.
Benefício não é obrigatório
Com o possível fim do programa, entidades alertam que o pagamento do benefício, que não é obrigatório por lei, seja suspenso ou reduzido.
De acordo com dados de 2015 do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, 19,5 milhões de brasileiros em mais de 223 mil empresas são beneficiados pelo PAT.
No Ceará, 28,6% dos vínculos de trabalho ativos no ano eram contemplados pelo programa, representando mais de 444 mil beneficiados.
A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) calcula que, no total, o PAT beneficia direta e indiretamente cerca de 40 milhões de pessoas.
Para Débora Teixeira, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE, a extinção do PAT é uma forma de compensar a redução de arrecadação de impostos por parte das empresas de acordo com a proposta de reforma tributária.
Hoje, as empresas pagam uma alíquota de imposto de renda de 15%; a proposta é reduzir essa porcentagem para 12,5% em 2022 e para 10% a partir de 2023. Com a redução do imposto a ser pago, o governo retiraria o incentivo fiscal.
Prejuízos
“Vai haver redução da alíquota. Ela [empresa] vai ter menos um benefício fiscal, mas vai pagar menos impostos sim. O governo está tentando equilibrar as contas, mas vai ter prejudicados nisso”, afirma.
Não é possível afirmar que o simples fim do FAT irá acabar com o pagamento dos benefícios, mas Débora ressalta que muitas empresas podem abrir mão do pagamento caso a matemática não compense. Ao contrário do vale-transporte, o pagamento de vale-alimentação ou vale-refeição não é obrigatório.
Ela acrescenta que o fim do programa pode, inclusive, gerar perda de receita para o governo. “Quando o funcionário come em um restaurante, aquele valor também é tributado. O governo não tá calculando o valor que os restaurantes pagam de tributo”, diz.
A diretora-executiva da ABBT, Jéssica Srour, projeta consequências negativas caso o PAT acabe.
“A tendência no médio longo prazo pode ser uma redução no valor do crédito concedido. Pode vir a precarizar a qualidade da alimentação, é uma consequência de todo o sistema. Pode vir a ser considerado salário e ser completamente retirado, ou não ser percebido mais como benefício e sim ser incorporado”.
Ela contextualiza que o programa foi criado pensando em estimular a alimentação e melhorar a qualidade nutricional das refeições feitas por trabalhadores, levando a ganhos em saúde e mesmo na produtividade no trabalho.
Esses são pontos que podem reduzir com o fim do pagamento de benefícios alimentícios. “Existe uma grande possibilidade de a gente ver um desvio de finalidades para pagar outras coisas. Isso vai precarizar a qualidade da alimentação”, projeta.
Segundo dados da ABBT, 85% dos trabalhadores que recebem benefícios alimentícios hoje ganham até 5 salários mínimos. A perda desse ganho pode ter impacto relevante na renda de toda a família.
Impacto no setor de restaurantes
O setor de restaurantes, que já acumula perdas expressivas na pandemia, pode receber um novo golpe com o fim do PAT. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Ceará (Abrasel-CE), Taiene Righetto, se preocupa que a medida afete tanto a receita dos restaurantes como a criação de novos estabelecimentos.
“A cada 100 vouchers pagos tem um restaurante novo para superar demanda. Se a gente começa a não ter mais vouchers, além de não criar novos restaurantes, muitos deles podem parar de atender”, destaca, com base em dados nacionais da associação.
Segundo Righetto, estabelecimentos como self-services, que tem funcionários de empresas como público principal, podem ter perda de receita de até 80% com o fim do incentivo fiscal.
Ele pontua que a Abrasel nacional está trabalhando para evitar de a proposta da extinção do PAT não siga em frente, diante de uma “eminente possibilidade de quebra dos estabelecimentos”.
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Economia para questionar sobre a possível aprovação da proposta. Em nota, a pasta informou que não irá comentar o assunto.