Pode faltar arroz no Ceará com enchente no Rio Grande do Sul? Entenda impactos

Estado é um dos principais produtores agropecuários do Brasil, mas especialistas defendem que pressão no abastecimento nacional deve ser mínima

A produção agropecuária no Rio Grande do Sul, um dos principais geradores de alimentos do Brasil, já sofre os efeitos das fortes chuvas no Estado, cujos impactos já afetam o setor alimentício cearense. Apesar de o cenário adverso, especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam não haver motivo dos consumidores se alarmarem e buscarem estocar alimentos no Ceará, sobretudo o arroz.

Presente na cesta básica e integrante da base alimentar dos brasileiros, o arroz produzido no Brasil vem principalmente do Rio Grande do Sul. Cerca de 70% da safra nacional é colhida no Estado, e existe preocupação de governantes e população sobre o aumento no preço do produto em decorrência das enchentes.

O Governo Federal já admitiu que deve importar arroz. A declaração é do Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, na última terça-feira (7), de que 1 milhão de toneladas do alimento deve ser comprada de outros países.

Inicialmente serão 200 mil toneladas, que virão de nações da América do Sul, como Argentina e Uruguai, em transação a ser realizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

O objetivo da importação é justamente para evitar desabastecimento do alimento.

Dados do Governo Federal dão conta de que o Brasil produz 10,5 milhões de toneladas anualmente, mas consome 12 milhões, e a compra do grão de outros países já é realizada todos os anos para atender à demanda. 

Especialistas, no entanto, minimizam o impacto das enchentes no Rio Grande do Sul. Mais de 80% da safra já havia sido colhida, e a menor parte ainda estava próxima de ser processada. Embora seja considerado que haverá prejuízos, inicialmente eles são analisados como menor do que o esperado.

Evitar a 'profecia autocumprida'

O que rege todo e qualquer mercado é o conceito da oferta e da demanda. A importação de arroz pelo Governo Federal é justamente para equilibrar uma disparada no preço do arroz, que mesmo antes da tragédia no Rio Grande do Sul, já acumulava sucessivos aumentos.

As inseguranças de consumidores e o assunto em alta pode levar ao conceito de profecia autocumprida, como define Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Quando você a enuncia, já está provocando o efeito que ela anuncia. Exemplo: lê-se no jornal que vai faltar água, primeira coisa que a pessoa vai fazer vai ser estocar água. Todo mundo vai estocar água. Isso vai aumentar tremendamente a demanda, e isso vai aumentar os preços porque vivemos em uma economia de mercado.
Mauro Rochlin
Coordenador de MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da FGV

"A gente tem que avaliar direito qual foi o impacto real desse dilúvio sobre a produção de cada um dos produtos. Pode haver diferenças entre eles. De qualquer maneira, quero dizer que os economistas em geral não esperam um impacto muito grande. Pode isso acontecer pontualmente, acontecer de, em um determinado momento, um produto ter o pouco um preço um pouco maior, mas não é o caso da gente estimar um impacto relevante na cesta básica, por exemplo", resume.

Estoque garantido

Os preços, que já vinham em uma tendência de alta, subiram um pouco mais no início de maio no Ceará, sendo encontrado acima dos R$ 8 em alguns estabelecimentos. Entidades governamentais e até mesmo supermercadistas já garantiram haver estoque suficiente para evitar o desabastecimento e elevações nos preços.

"Esse movimento de comprar mais arroz pode se generalizar muito rápido, muito mais rápido do que a política de racionamento do arroz. (…) Não que a gente vai ver agora um efeito de alta generalizada, no frigir dos ovos, o aumento da inflação é muito menor do que 1%", projeta Mauro Rochlin.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de março deste ano, última divulgação disponível, aponta que a inflação acumulada nos três primeiros meses de 2024 em Fortaleza foi de 1,81%. O principal peso é do setor de alimentação e bebidas, que soma variação de 3,83%.

Estocar aumenta inflação

Se com medo da alta nos preços do arroz e demais alimentos, como frango, suínos e carne bovina, com produção expressiva no Rio Grande do Sul, os consumidores passarem a estocar produtos, a pressão nos preços pode antecipar os problemas, como explica João Mário de França, professor de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (Caen/UFC).

"Esse efeito de estocar produtos como uma estratégia de antecipação por parte dos consumidores com receio de falta deses itens, acaba produzindo uma escassez maior e mais rápida na oferta e consequente aumento de preços", pontua.

O professor também classifica que os mecanismos utilizados pelo Governo Federal, como importação acima da habitual do arroz, podem ajudar a controlar os preços e minimizar a escalada de preços.

"É importante o Governo indicar, como já fez, de que já está antecipando essa situação e via Conab importar esses alimentos para evitar qualquer risco de desabastecimento e pressão nos preços com impactos na inflação e no poder aquisitivo da população", destaca.

Sem pânico

De acordo com o economista Alex Araújo, o impacto no preço, de fato, pode até existir, mas não será significativo e deve atingir minimamente o arroz produzido no Brasil, o que não justifica a corrida para as prateleiras dos supermercados em busca de comprar o alimento além do necessário. 

"Essa demanda excessiva não é positiva para os preços e os fará aumentar. Para quem compra antecipadamente é importante estar atendo à capacidade de estocagem para não estragar o produto", reflete o especialista.

O problema de fornecimento deve ficar restrito aos produtos agrícolas do estado do RS e, neste momento, não se vê o risco de desabastecimento generalizado. É importante acompanhar os desdobramentos e torcer para que a situação do estado gaúcho se equacione rapidamente. 
Alex Araújo
Economista

A economista e professora de MBA da FGV, Carla Beni, volta a ressaltar que a relevância do Rio Grande do Sul na produção de alimentos no Brasil e pelo fato de o Estado vivenciar atualmente uma emergência climática "não significa necessariamente que vá implicar em uma escassez de produtos".

"Se você começar a abrir um pânico generalizado, começar a divulgar que vai faltar produto, o setor supermercadista começar a estimular que vai haver falta de produto e se todo mundo resolver e comprar mais do que precisa, aí, sim, pode ter escassez e aumento de preço sem necessidade. No momento atual, não há nenhuma falta de produto e não há nenhuma necessidade de estocagem, porque a estocagem, sim, pode levar a um problema de falta de alimentos", disse.

Em entrevista ao Diário do Nordeste na última quarta-feira (8), o presidente da Associação Cearense de Supermercados (Acesu), Nidovando Pinheiro, informou que acredita que o abastecimento de arroz está normal no Estado. 

A Rede Uniforça, que conta com 33 redes de supermercados associados, destaca em nota que as lojas associadas estão "abastecidas", mas que vai monitorar a venda do alimento "somente para aqueles que querem se apropriar da situação para ter proveitos".

"Com a crise climática que o Rio Grande do Sul enfrenta nos últimos dias, diversos consumidores preocupam-se com o abastecimento de arroz e a quantidade de itens que podem ser comprados individualmente. A Rede Uniforça informa que neste momento está abastecida e que irá monitorar a venda somente para aqueles que querem se apropriar da situação para ter proveitos", declara.