A arte do comando e o exercício do futuro
O tema estratégia é bastante amplo e abrangente. Diversos autores a definiram. Originalmente a palavra vem do grego antigo e significa a arte de liderar uma tropa, de comandar.
"A estratégia torna as escolhas sobre o que não fazer tão importantes quanto as escolhas sobre o que fazer". A definição é de Michael Eugene Porter, americano, autor de diversos livros sobre estratégias de competitividade. A evolução dos tempos se encarregou de adicionar outros significados à palavra, que nasceu no contexto militar para só depois cair como uma luva em outro mundo: o empresarial. Nesse sentido, o escritor e futurista americano Alvin Tofler, considera que "uma empresa sem estratégia é como um avião voando em plena tempestade, jogando para cima e para baixo, açoitado pelos ventos, perdido entre relâmpagos".
De forma definitiva, nos tempos atuais, a estratégia ganha importância no mundo dos negócios e assume um papel determinante não só nas organizações, mas no dia a dia, tornando-se uma palavra bastante presente na vida das empresas e das pessoas, empregada para representar um meio ou ideia com objetivos a serem atingidos.
Para o americano Gary Hamel, considerado o guru da estratégia "o problema fundamental das empresas atualmente é o fato de não distinguirem entre planejar e 'estrategizar'". Para ele, "planejar tem a ver com programar, não com descobrir. Planejar é para tecnocratas, não para sonhadores. Dar aos planejadores a responsabilidade de criar a estratégia é como pedir a um pedreiro que crie a Pietá de Michelangelo". Foi longe, e preciso, na colocação.
Como o tema é muito rico, Marketing aproveitou por aqui a oportunidade de explorá-lo um pouco mais e conversou com o brasileiro professor David Kallás, mineiro, que atua desde 1994 com gestão de empresas, trabalhando com estratégia, avaliação de desempenho e processos em empresas de todos os portes. Prof. David leciona em diversas universidades brasileiras e esteve em Fortaleza como professor convidado da Unifor e gentilmente nos dá aqui uma aula obre o tema.
Se estratégia é o caminho escolhido, envolve decisão e pode implicar em algo ainda mais difícil que é a renúncia, correto?
Isso, exatamente.
Podemos dizer que a vantagem e a desvantagem competitivas resultam da estratégia?
Não só da estratégia, mas também dos recursos que a empresa é dotada. Mas, como em parte a estratégia é também como fazer o melhor uso desses recursos, isso pode ser dito. Vale lembrar que as condições externas também afetam o resultado das empresas.
O desenvolvimento da estratégia propriamente dita deve considerar o quê?
A base de qualquer estratégia são os fundamentos estratégicos (missão, valores e visão de futuro). Uma vez isso definido, devem ser consideradas as condições externas e internas. Por aspectos externos, pode-se levar em conta as condições ambientais (políticas, econômicas, tecnológicas, legais) e também setoriais (poder de barganha dos fornecedores e clientes, ameaça de novos entrantes e produtos substitutos e a intensidade da concorrência em si). Por aspectos internos, devem ser considerados os pontos fortes e fracos da organização, que podem advir dos recursos, processos, atividades e do modelo de negócio em geral da organização. As estratégias a serem desenvolvidas podem visar a aproveitar ao máximo os pontos fortes e oportunidades externas, transformar pontos fracos em fortes ou buscar evitar impactos oriundos de ameaças externas.
E o planejamento estratégico?
A estratégia normalmente se inicia com o planejamento estratégico. Mas, a estratégia executada, não é necessariamente a mesma que foi planejada, por conta de mudanças no ambiente e da adoção de estratégias emergentes.
Quanto ao plano, ele é um recurso ou um instrumento?
O plano é um documento que deve conter, além dos aspectos já acima citados (fundamentos, análise interna e externa), quais as principais ações a serem tomadas, a coerência entre tais ações, prazos e responsáveis.
O empresário Abílio Diniz diz que não se deve "deixar nada ao acaso". Podemos considerar esse pensamento como fruto de uma visão extremamente estratégica?
Em parte, sim. Não tomar nenhuma decisão é em si uma decisão. Mas ela pode ser uma péssima decisão. Portanto, deixar as coisas acontecerem ao acaso representa um risco que, em geral, não deve ser tomado.
Fazer o planejamento estratégico é algo que, talvez na maioria das empresas, seja um momento indesejado. Porque o exercício do futuro não empolga, não é algo estimulante?
Porque é difícil. Como colocado na primeira pergunta, o momento do planejamento estratégico envolve tomar decisões que representem renúncias, sem necessariamente termos em mãos todas as informações necessárias. Em parte, são apostas. Nesse sentido, existe uma certa dose de angústia no processo. Por outro lado, existem técnicas que podem ajudar aos gestores a transformar esse processo difícil em uma oportunidade de aumentar o senso de equipe, comprometimento das pessoas e alinhamento. Tais técnicas partem da premissa do envolvimento de pessoas chave no processo e uso de ferramentas simples e de fácil entendimento.
Na sua opinião, as empresas brasileiras, na sua maioria, não levam o planejamento estratégico tão a sério quanto, por exemplo, as empresas americanas levam, isso não tem nada a ver ou nos falta mesmo essa expertise?
Creio que a prática do planejamento estratégico no Brasil seja mais recente (pouco se fazia no ambiente pré-1994 com a alta volatilidade do mercado e hiperinflação) que nos EUA. Adicionalmente, o ambiente aqui continua mais volátil. Uma pesquisa feita pelo Prof. Roberto Vassolo com base em dados de quase duas décadas mostra que a média do crescimento da economia dos EUA é semelhante aos dados de países da América Latina. Quando se olha o desvio padrão, entretanto, a volatilidade dos países emergentes é muito maior. A volatilidade alta dificulta muito o processo de planejamento e gestão da estratégia.
Historicamente a estratégia tem relação direta com a sobrevivência em momentos- situações de guerra, sendo praticamente um legado dos grandes exércitos e seus comandantes para as empresas. É isso mesmo, a estratégia é fator de sucesso para a sobrevivência, tanto das pessoas quanto das empresas?
Sem dúvida. O conceito vem do meio militar e foi adaptado pela economia para abranger as empresas no final do século XIX, com o surgimento das grandes cidades e mercados americanos. Em momentos de crise, a estratégia é mais importante do que em momentos de bonança.
E nesse sentido, o poder que grandes empresas, grandes marcas globais conquistaram no mundo, se deve ao uso de estratégias acertadas?
Sem dúvida. Aliás, um dos primeiros estudos em estratégia desenvolvido é o de que possuir uma participação de mercado traz valor para as empresas. Hoje já se sabe que isso é válido para alguns contextos, mas não para outros. Portanto, além do tamanho, essas empresas também desenvolveram estratégias acertadas de posicionamento, logística e inovação, entre outros.
Que setor, no Brasil e no mundo, pensa de forma mais estratégica?
Muito difícil falar. Mas, o que já se sabe é que os setores de mais capital intensivo, ou seja, os que requerem mais investimentos, costumam fazer planejamentos de mais longo prazo. Esse é o caso de geração de energia e papel e celulose, por exemplo.
As cinco forças de Porter ainda são significativas para aplicação nas empresas atuais ou não?
Esse é um modelo desenvolvido na década de 70 e que ainda é usado em sua plenitude para a análise setorial por empresas e consultorias de negócios. Há algumas críticas sobre a ausência de uma sexta força que seria o governo. Entretanto, o próprio Porter respondeu que o governo deve ser considerado dentro das 5 forças originais.
E de que forma, na sua opinião, o marketing e o branding (a estratégia da marca) participam e podem contribuir para o desenvolvimento da estratégia do negócio?
Branding e marketing são parte integrante da estratégia e devem ser desenvolvidos de forma integrada. Eles correspondem a como a empresa vai se comunicar com o mercado. Essa parte pode ser determinante para o sucesso de uma empresa.