Pesquisadoras cearenses registram a literatura de nosso Estado sob diferentes perspectivas

Aíla Sampaio e Carla Castro lançam livros que compreendem desde a catalogação de movimentos e atividades no setor até a presença feminina na autoria de obras

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Raio de alcance de ambas as pesquisas é abrangente e oferece vasto panorama de nossas letras
Foto: Arte: Louise Dutra

A sistematização da produção literária de um lugar materializa práticas, tendências e movimentos que, por vezes, passam despercebidos na dinâmica cotidiana. É um processo rico e essencial, capaz de compreender que tão importante quanto fomentar a escrita é catalogá-la, oferecendo um panorama concreto do que está sendo feito na área, tanto para os tempos de agora quanto para os futuros.

Duas pesquisadoras cearenses, Aíla Sampaio e Carla Castro, apostaram recentemente nesse recorte de trabalho com vistas a abranger distintas perspectivas de nossa literatura. Professora da Universidade de Fortaleza e da Secretaria da Educação do Ceará, Aíla é autora de "Literatura no Ceará", obra que registra todo o movimento em torno das letras locais.

"Não é um livro de crítica literária, tampouco sobre os escritores cearenses", explica a estudiosa. "Falo sucintamente do início, com os Oiteiros, seguindo com uma síntese dos grupos posteriores: Padaria Espiritual, Centro Literário, Clã, Siriará e SIN, tendo em vista que o professor Sânzio de Azevedo já produziu um boa bibliografia sobre eles", completa.

A autora focou nos movimentos a partir dos anos 1980 até os nossos dias, registrando as bienais, academias que congregam escritores, prêmios, jornais e revistas literárias, inclusive catalogando blogs e publicações em redes sociais. Em suma, um extensivo apanhado de feitos.

Percepções

Publicada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas sobre o Desenvolvimento do Estado do Ceará (Inesp), órgão da Assembleia Legislativa, a obra não será vendida. A tiragem é pequena e a circulação está sendo feita pela internet. Basta entrar na página do Inesp, e ela estará lá para consulta.

De acordo com a autora, a pesquisa aconteceu durante três anos e, apesar do fôlego da publicação, ela sabe que muita coisa pode ter ficado de fora. "É difícil dar conta de tudo o que acontece, sobretudo no interior do Estado. Li muito, fiz pesquisas na internet, vasculhei redes sociais, conversei com pessoas ligadas à literatura em diferentes períodos. O Ceará é muito rico em produções literárias, há muita coisa boa sendo feita".

Legenda: Professora e pesquisa Aíla Sampaio faz robusto apanhado das produções assinadas por cearenses

Dentre aquilo que mais chamou a atenção de Aíla, está a quantidade de encontros, de saraus e de coletâneas gestadas por aqui, o que mostra que o trabalho coletivo continua dando resultados.

"Nossa literatura é, como disse o poeta Batista de Lima, de mutirão, ou seja, os escritores formam grupos, associações, academias, criam saraus, revistas e assim se fortalecem. Desde os Oiteiros, no século XIX, até hoje essa prática é comum", observa.

Tendo em vista que o objeto de estudo é orgânico e tem vivenciado uma profícua fase na contemporaneidade, a pesquisadora assegura continuar atenta e tomando nota. "Peço sempre aos amigos escritores que me repassem informações. Por mais que acompanhe, não há como dar conta. Quem sabe no próximo ano eu complemente e faça outra edição?".

Escrita de mulheres

"Resquícios de memórias: Dicionário Bibliográfico de Escritoras e Ilustres Cearenses do Século XIX", por sua vez, é a publicação de Carla Castro, professora, pesquisadora, escritora e mestranda em Literatura Comparada na Universidade Federal do Ceará.

O livro resgata a biografia de 71 mulheres que nasceram no século XIX, autoras cearenses que contribuíram decisivamente para o setor.

Robusto, o estudo foi desenvolvido ao longo dos últimos 16 anos, a partir de consultas em diversas bibliotecas, como a Governador Menezes Pimentel e Dolor Barreira, até equipamentos como Casa de Juvenal Galeno e instituições de ensino superior.

"Visitei duas vezes a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e realizei pesquisas em jornais e revistas da época. Pela dificuldade em encontrar referências sobre as escritoras cearenses do século XIX, precisei adquirir mais de uma centena de livros, por meio de sebos do eixo Rio/São Paulo, para resgatar uma imagem, esclarecer um fato e identificar nomes até então desconhecidos e inexistentes nos estudos sobre a literatura cearense que me antecederam".

Legenda: Escritoras do século XIX são o foco do estudo da professora e pesquisadora Carla Castro

Além do verbete com a biografia da escritora, a publicação - vendida nas livrarias Art & Ciência, Lamarca e Acadêmica, na Estante Virtual e com a própria autora - também inclui fotos e textos, num esmerado e completo levantamento.

Quando indagada sobre quais as impressões alimentadas com a pesquisa, Carla afirma perceber que durante muito tempo ela permanecerá se debruçando sobre o século XIX, haja vista que muitas obras ainda precisam ser reeditadas e pesquisas serem feitas para que o trabalho daquelas mulheres sejam exaltados e o público tenha acesso a ele.

"Existia uma falsa e errada impressão pelos historiadores de que não havia muitas escritoras no século XIX. Isso precisa ser reavaliado. Uma nova historiografia necessita ser escrita, que dê voz a elas que precisaram superar diversos obstáculos, censuras, críticas e perseguições para que pudessem publicar seus textos e editar suas obras", defende.

Dimensão

Entre os nomes que a pesquisadora elenca como aqueles que desenvolveram vasta produção e sequer são conhecidos de teóricos, estão Ana Facó, Maria Dolores Furtado e Anahid Paula Pessoa de Andrade que, em sua opinião, "publicou o belíssimo romance 'Terra de Contrastes'".

"Aqui tivemos a Sociedade das Cearenses Libertadoras e a Liga Feminista Cearense, movimentos significativos para a época e completamente esquecidos pelos estudiosos. Movimentos que demonstram a força, bravura e pioneirismo da mulher cearense", observa.

Carla, com a obra, ainda faz correções históricas, como o título do livro de Abgail Sampaio - divulgado erroneamente como "Luar de Pátria", quando, na verdade, é "Luar de Prata" - e o nome da escritora Antônia Sampaio Fontes, popularizado como Antonieta Sampaio Fontes.

"A ideia era fazer o mapeamento de todas as escritoras cearenses durante os séculos XIX, XX e XI. Entretanto, encontrei farto material de pesquisa a ser publicado ainda sobre o século XIX, o qual pretendo revelar, deixando o mapeamento das contemporâneas para outras pesquisadoras".

Literatura no Ceará
Aíla Sampaio
Edições Inesp
2019, 156 páginas
Distribuição gratuita e disponível na internet no site do Inesp

Resquícios de memórias: Dicionário Bibliográfico de escritoras e ilustres cearenses do século dezenove
Carla Castro
Independente
2019, 372 páginas
R$ 50

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