Estradas de terra, presentes e longa jornada: a rotina de cansaço e alívio dos vacinadores da Covid

No Ceará, idosos e profissionais de saúde agradecem o recebimento da vacina com entrega de flores, lágrimas de felicidade e até cartinhas escritas à mão

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
A imagem mostra a enfermeira com a agulha, para aplicar a dose da vacina contra Covid-19
Legenda: A enfermeira Larissa Dominguês faz parte do grupo dos 64 vacinadores que aplicam a imunização contra Covid-19 nos seis pontos de vacinação ativos em Fortaleza
Foto: José Leomar

O caminho percorrido para realizar a vacinação é longo. Cada amanhecer traz consigo o início de uma nova jornada. Entre estradas de terra, lama, vegetação e pedregulho, o técnico de enfermagem Francisco Júnior Sousa, 25, atravessa grandes distâncias para garantir a imunização de idosos acima de 95 anos no município de Orós, localizado há mais de 345 km de Fortaleza.

Nessa vivência, o trabalho exige dedicação, agilidade e cuidado. Apesar de nem sempre receber o “sim” para a vacinação contra a Covid-19, cada pessoa imunizada carrega consigo o sentimento de alívio, alegria e gratidão. 

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“Tem casas que a gente sente a felicidade e a gratidão no olhar, já falam logo como cura. A gente chega e de longe já sabem que é o carro da saúde. São famílias pobres, carentes. Quando a gente administra a vacina, agradecem a Deus, ficam muito alegre. É muito gratificante. Mexe mesmo no emocional”, compartilha Francisco. 

Técnico de enfermagem com seringa na mão vacina profissional da saúde contra Covid-19 no interior do Ceará
Legenda: Apesar das dificuldades enfrentadas, o técnico de enfermagem se alegra por poder participar da campanha de imunização contra a Covid-19 no município de Orós, no interior do Ceará
Foto: Arquivo Pessoal

No entanto, nem toda recepção é marcada pela felicidade. Entre desconfianças e desinformações, algumas famílias se recusam a aceitar a dose da vacina nos entes mais idosos.

“Eles veem muitas fake news, acreditam. A gente tenta reverter essa situação com conversa, mas tem paciente que não quer tomar, não aceita. É um pouco desgastante, porque a gente enfrenta 15 km de estrada de terra para receber um não”, comenta. 

Nesses casos, a reação precisa ser rápida para não perder a dose da vacina. “A gente já entra em contato com as outras equipes e remaneja o mais rápido possível. Uma dose é valiosa demais, não pode perder. E até o momento não tivemos nenhuma perda", detalha o enfermeiro. 

Ao todo, são cerca de dez frascos recebidos por sua equipe e conseguem chegar até 6 ou 7 casas por dia. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas de segunda à sexta, entre 7h às 16h30, Francisco vê esse serviço em domicílio como essencial. “São pessoas muitas vezes ‘acamadas’, mais vulneráveis e os profissionais de saúde vão paramentados para vacinar. É um serviço essencial para essas pessoas. Viva o SUS (Serviço Único de Saúde)”, acrescenta. 

Agradecimento

Como forma de retribuir a partilha em um momento marcado por tanta emoção, são diversas as maneiras de agradecer. No caso da enfermeira Larissa Dominguês, 26, o sentimento de gratidão chegou através de elogios e de olhares carregados de lágrimas. “São os agradecimentos pelo nosso trabalho, por a gente atender todo paciente de forma carinhosa e acolhedora apesar do cansaço”. 

Enfermeira vacina profissional de saúde no Centro de Eventos do Ceará com imunizante contra Covid-19
Legenda: A enfermeira recebe a possibilidade de participar da vacinação contra Covid-19 com sentimento de privilégio e honra
Foto: José Leomar

De segunda a sábado, Larissa trabalha das 9h às 20h no Centro de Eventos do Ceará (CEC), fazendo parte do grupo dos 64 vacinadores que aplicam o imunobiológico nos seis pontos de vacinação ativos em Fortaleza. Ao todo, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), até a última terça-feira (16), são 213 profissionais atuando na tarefa, sendo 149 responsáveis pela vacinação domiciliar.

“Essas equipes foram destinadas exclusivamente para campanha. Foram profissionais, enfermeiros selecionados que passaram também por um processo de capacitação pela nossa coordenação em conjunto com o Governo do Estado do Ceará e a Escola de Saúde Pública”, detalha a Secretária Municipal de Saúde, Ana Estela Leite. Larissa compartilha o sentimento de privilégio e honra, “porque querendo ou não eu estive aqui nesse momento”, relata.  

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Recados à mão

Já a enfermeira Ana Maria Lima de Albuquerque, 40, chegou a receber rosas de uma idosa de 101 anos que se imunizou em janeiro. Atuante na Assembleia Legislativa do Ceará, passou a trabalhar no Drive Thru do Shopping Iguatemi, das 8h às 18h nos sábados e domingos.

“Os vacinados se emocionam, nos emocionam e a maioria deles sempre nos presenteiam com flores, com medalhas de nossa senhora, com bombom, com chocolate, com mensagens escritas à mão”, detalha. 

Dentre um dos recados que recebeu “à moda antiga”, o de uma idosa vinda de Morada Nova ressoou com mais força em seu coração, tendo percorrido mais de 160 Km para ser imunizada. “Quando ela conseguiu, escreveu na hora, no momento, que se sentia muito agradecida e que nós éramos anjos enviados por Deus que estava fazendo nosso trabalho e o bem mundial”. 

O carinho recebido após cada vacina potencializa a força para seguir com o trabalho. “O cansaço é mascarado pela emoção, porque a cada momento, a cada carro, a cada um que passa, a gente tem vontade de fazer mais e mais e mais. Enfim, é emocionante mesmo”, finaliza Ana. 

Enfermeira insere dose da vacina contra Covid-19 na seringa de imunização
Legenda: Ana Maria prepara com cuidado cada nova dose de imunização contra Covid-19 para os idosos que chegam no Drive Thru do Shopping Iguatemi
Foto: Arquivo Pessoal

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Da mesma forma, a técnica de enfermagem Joelma Bernardo, 42 anos, também sente o impacto de estar contribuindo com a campanha de imunização apesar do ritmo mais intenso. “Não é qualquer tipo de vacinação, é ‘a’ vacinação. Eu até falei para a minha chefe que não poderia ficar de fora disso”, aponta. Mesmo vacinando pacientes diariamente no Posto de Saúde Irmã Hercília Aragão, em Fortaleza, percebeu a diferença da ação ao contribuir com a imunização no último sábado (30) de janeiro.

“Foi uma experiência muito boa mesmo. Ver as pessoas felizes. Todo mundo que ia, ia com a mesma satisfação de estar tomando a vacina”, comenta.

Durante o seu dia de trabalho, a vacinação no Centro de Eventos do Ceará (CEC) teve foco em profissionais de saúde. Ao todo, foram 120 pessoas vacinadas e todos retribuíram o gesto com agradecimentos e pedidos de fotos. “Eles queriam levar o momento de recordação”, conclui. 

 

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