Laudo da UFC mostra contaminação de areia próxima ao espigão da João Cordeiro, na Praia de Iracema

A análise utilizou amostras de areia seca e molhada coletadas na manhã do dia 29 de novembro e aponta a presença da bactéria Escherichia coli, que indica a contaminação por material fecal

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Esgoto na areia da praia de iracema
Legenda: A Prefeitura realizou nova operação de limpeza nesta sexta-feira (8)
Foto: Kid Júnior

Uma semana depois de a Prefeitura de Fortaleza anunciar a limpeza do entorno do Espigão da rua João Cordeiro, o local voltou a apresentar sinais de contaminação. Já nesta sexta-feira, 8 de dezembro, a região apresentava mancha escura na areia e lixo. Os indícios de contaminação são atestados por um laudo técnico resultado de uma análise feita pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A análise, que utilizou amostras de areia seca e molhada do local coletada na manhã do dia 29 de novembro, aponta a presença da bactéria Escherichia coli, que indica a contaminação por material fecal. O laudo ainda alerta o risco à saúde das pessoas que frequentam a região. No dia 30, o secretário de Infraestrutura de Fortaleza, Samuel Dias, publicou um vídeo nas redes sociais explicando o trabalho da Prefeitura para a limpeza do trecho. Nesta sexta, o Município fez uma nova intervenção de limpeza nesse trecho da orla. 

Para o estudo do Labomar, foram coletadas amostras de areia molhada pela água acumulada na saída da galeria pluvial e areia seca localizada próximo à galeria pluvial para determinar o Número Mais Provável (NPM) de Escherichia coli. Como resultado, foram encontrados 43000 NMP/100g da bactéria na areia molhada e 7500 NMP/100g na areia seca.

Não há parâmetros ou padrões legais para enquadramento da areia como própria ou imprópria para uso, como é feito com a água. Porém, a presença dessas bactérias em quantidades elevadas aponta risco para a saúde do público que utiliza esses espaços, explica a coordenadora do laboratório, professora Oscarina Viana de Sousa, que assina o laudo.

Não temos parâmetro, mas sabemos que não deve haver presença de quantidades tão elevadas em uma areia que é usada para o lazer envolvendo contato direto do corpo.
Oscarina Viana de Sousa
Coordenadora do Laboratório de Microbiologia Ambiental e do Pescado

A professora explica que a bactéria Escherichia coli, encontrada nas amostras, tem pouca capacidade de causar doenças. Porém, sua presença indica que o ambiente está recebendo aporte constante de esgoto não tratado e que no local existem microrganismos como fungos, vírus e outras bactérias causadoras de doenças, que também são veiculados por esgoto.

Entre os problemas mais recorrentes do contato direto com essa areia estão as infecções na pele. “Além da potencial presença de parasitas que também podem causar doenças nos frequentadores de ambientes contaminados”, complementa.

Os resultados apresentados pelo laboratório fazem parte de um projeto de iniciação científica coordenado pela professora Oscarina Viana de Sousa. A iniciativa acadêmica analisa a relação entre contaminação — presença de bactérias entéricas — na água e na areia em praias da orla da Cidade.

Por meio da Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a Prefeitura informou que não tem conhecimento do laudo produzido pelo Labomar e que “aguarda o recebimento do documento”.

Esgoto na praia de iracema. Está ocorrendo uma operação de limpeza
Legenda: Nesta sexta-feira (8), a areia próxima ao Espigão da rua João Cordeiro apresentava lixo
Foto: Kid Júnior

CONTAMINAÇÃO

Conforme o Diário do Nordeste noticiou no início de novembro, a rede de drenagem, feita para escoar água das chuvas, estava contaminada, o que causou o aparecimento de uma mancha escura e malcheirosa na Praia de Iracema.

No dia 30 de novembro, o secretário da Infraestrutura de Fortaleza, Samuel Dias, publicou um vídeo no Instagram para explicar as ações da Prefeitura de Fortaleza para melhorar a qualidade da água na praia. De acordo com o gestor, a rede de drenagem contaminada foi direcionada para a rede de esgotamento sanitário.

“Isso é o que se chama de tomada de tempo seco. Uma estrutura que, durante o período que não está chovendo, que tem pouca água dentro da tubulação de drenagem e essa água está muito contaminada pelo esgoto, é direcionada totalmente para a rede de esgotamento sanitário. Com isso, a gente impede que ela continue chegando na praia. A água que hoje aparece nesse ponto de saída da rede de drenagem, é apenas a água do mar em seu fluxo e refluxo por dentro da tubulação de drenagem”, afirmou o secretário.

Em seguida, Dias afirmou que foi feito um trabalho de limpeza da região, com a remoção da areia contaminada do local para o aterro sanitário e drenagem da água empoçada por caminhões de sucção. “Somente depois disso, a área escavada foi reaterrada. Após as chuvas dos últimos dias, a Prefeitura tem reforçado os serviços de limpeza da região”, afirmou a Prefeitura, em nota.

Seis dias após a publicação do vídeo pelo secretário, o socioambientalista André Comaru, idealizador do projeto “Nossa Iracema”, denunciou, também nas redes sociais, a presença de água poluída novamente na região. Ele explica que está acompanhando essa situação desde o dia 11 de outubro e que, desde então, diariamente há acúmulo de água proveniente de esgoto na região.

“Um pedido emergencial seria para a Prefeitura interditar aquela região com fita e placa. É uma questão de saúde pública”, afirma o socioambientalista.

Nesta sexta-feira (8), uma equipe do Diário do Nordeste esteve no Espigão da rua João Cordeiro e registrou presença de lixo e de uma mancha escura na área. A reportagem presenciou o momento em que a limpeza era feita.

Areia da praia de iracema sem esgoto
Legenda: Praia de Iracema, após realização da limpeza da área nesta sexta-feira (8)
Foto: Divulgação / Secretaria Municipal de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf)

CONTAMINAÇÃO DA REDE DE DRENAGEM

Em nota, a Prefeitura de Fortaleza afirmou que, mesmo após a implantação da tomada de tempo seco, ainda é possível que ocorra alguma contaminação residual, sobretudo em época de chuva. “Afinal, a única solução definitiva é que cessem as contribuições de esgoto da rede da Cagece e das ligações clandestinas de esgoto de particulares depositadas na rede de drenagem, com o tamponamento das mesmas”, completou.

Após denúncias da poluição no trecho da Praia de Iracema, o prefeito José Sarto compartilhou imagens de uma inspeção da rede de drenagem, no dia 3 de novembro, e atribuiu à Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) a responsabilidade por ligações irregulares de esgoto à rede de drenagem. No dia 5 de novembro, a Seuma publicou um relatório em que esse posicionamento é reforçado.

À reportagem, nesta sexta-feira (8), a Cagece reiterou que as 9 ligações irregulares identificadas e retiradas pela Companhia na região da Praia de Iracema, Poço da Draga e Riacho Maceió/Papicu foram feitas por particulares, e não pela empresa. Na última segunda-feira (4), em uma coletiva de imprensa, foi divulgado um relatório de uma inspeção feita nos 22 endereços com ligações irregulares apontados pela Seuma.

O documento apresentado pela Cagece mostra o que foi encontrado em cada endereço. Dos 22 locais, a inspeção verificou:

  • 10 pontos de lançamento de águas pluviais, de piscinas ou de ar condicionado de empreendimentos privados;
  • 9 esgotos irregulares na rede de drenagem;
  • 2 redes de esgoto desativadas passando na rede de drenagem;
  • 1 rede de esgoto desativada que não foi possível remanejar, então, foi envelopada (vedada)

FISCALIZAÇÃO

Ainda em nota enviada à reportagem, a Prefeitura informou que a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) iniciou a vistoria em imóveis nas proximidades da Praia de Iracema que foram identificados com ligações irregulares na rede de drenagem. Após o prazo de 10 dias concedido para regularização, “os proprietários que não efetuarem as necessárias correções estarão sujeitos a penalidades”.

A Prefeitura destacou que é de responsabilidade dos proprietários direcionar corretamente o esgoto para a rede pública, conforme previsto na Lei Complementar nº 270 de 2019. A operação ocorre em colaboração com a Agência de Regulação, Fiscalização e Controle dos Serviços Públicos de Saneamento Ambiental de Fortaleza (Acefor) e a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf).

A Prefeitura também divulgou um balanço das fiscalizações realizadas quanto a “posturas e práticas inadequadas” de poluição hídrica e do solo.

2020

- 2.306 fiscalizações realizadas
- 148 autos de infração lavrados
- 708 notificações

2021

- 1.858 fiscalizações realizadas
- 127 autos de infração lavrados
- 468 notificações 

2022

- 2.798 fiscalizações realizadas
- 193 autos de infração lavrados
- 860 notificações 

2023

- 2.178 fiscalizações realizadas
- 144 autos de infração lavrados
- 661 notificações

Além disso, a Prefeitura informou dados sobre fiscalizações relacionadas a infrações cometidas pela Cagece. Entre 2019 e 20203, conforme a nota, foram lavrados 49 autos de infração e 6 notificações. O Diário do Nordeste questionou a Companhia sobre esses números, que estão sendo verificados, e aguarda retorno.

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