Trajetória de Miúcha é lembrada por amigos; cearense Lúcia Menezes recorda parceria e amizade

Após o falecimento na quinta-feira (27), a cantora carioca imortaliza-se nas lembranças de amigos como a cearense Lúcia Menezes

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@diariodonordeste.com.br

O ano era 2005. Lúcia Menezes concluía seu disco homônimo, na Cia dos Técnicos, no Rio de Janeiro, quando soube que Miúcha também estava frequentando o local. Nas andanças a trabalho por lá, a carioca tinha ouvido a gravação de "A violeira", de Chico e Tom, na voz da colega cearense; e, noutro dia, pediu para ouvir de novo, dessa vez na sua frente.

"Ela conversou comigo, gostou muito, fez vários elogios. Fiquei superemocionada. Daí pra frente ficamos amigas, trocamos telefones e sempre nos falávamos. Antes de ontem liguei pra ela, mas não pude falar...", emociona-se Lúcia do outro lado da linha.

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A notícia da partida deixou-lhe muda num primeiro instante. Ainda que soubesse do estado de saúde de Miúcha, não estava preparada para a despedida de sua "Deusinha" aos 81 anos. Era assim que a via, "uma Deusa, porque diva dá a impressão daquela cantora distante". Havia deixado uma lembrança de Natal em sua casa no começo da semana, mas há algum tempo não conseguia falar diretamente com ela.

"Eu mandava presentes significativos: sabonetes, flores... Ela gostava muito desses simbolismos. E a última vez que nos falamos foi quando Chico ganhou o Grammy Latino, em novembro", recorda.

Por fim, a secretária da família avisou a Lucinha que a amiga escolhera passar os últimos dias num hotel, de frente para o mar, ciente de que estava perdendo a luta de um ano contra o câncer. Os convites para os shows não tinham parado, mas, aos poucos, ela mesma decidiu desacelerar.

"Esse tempo doente, recebeu chamados de todo canto, de fora do País, e não podia mais ir", conta a cearense, certa de que, mesmo sempre associada a Chico Buarque (irmão), João Gilberto (ex-marido) e Bebel Gilberto (filha), a amiga havia conseguido seu espaço, sendo feliz na carreira musical.

Parceria

Entre as características mais marcantes de Miúcha, Lúcia destaca uma em especial: "a força que ela tem de valorizar a outra pessoa", afirma, no tempo presente, porque ainda é difícil falar no passado. A cearense foi uma das que sentiu essa energia desde o primeiro contato com a intérprete. E, anos mais tarde, quando resolveu convidar Miúcha e o irmão para gravar cada qual uma canção para seu disco, comprovou a generosidade de Miúcha.

"Pra mim, era um sonho, mas eu não tinha coragem de convidar, só tinha vontade, desde 2008. Nesse meu último disco (Lúcia, 2017), eu fui gravar num dia, e no outro, de manhã, eu disse pra mim mesma que não ia mais esperar pra convidar Miúcha. Liguei e ela me respondeu que sim, muito entusiasmada. E ainda me incentivou para falar com o Chico: 'Por que ele não aceitaria?'", recorda. Aceitou.

Com Chico, ela fez "Desencontro" (dele e Toquinho), e a canção "Sonho de Marinheiro", de João Donato e Fausto Nilo, foi a escolhida pelas duas amigas com a proposta de carregar desde a composição um pouco desse encontro entre o Rio de Janeiro e o Ceará.

Nós começamos a aprender, depois ela veio à minha casa pra gente ensaiar, tirar o tom... Escolhemos um tom que desse certo pra nós duas, porque a voz dela é mais grave do que a minha. Foi tão divertido nesse dia, foi tão bonito, a gente cantando em 2016...

Conta Lucinha que, se um dia quisesse imitar alguém cantando, seria Miúcha. É que a amiga, segundo ela, "cantava o sentimento, cada palavra da música, cada nota musical da melodia. Ela era completamente musical e parecia estar cantando sempre".

Por pouco, os cearenses não se despediram dela no dia 9 de dezembro. É que, por ocasião do lançamento do disco de Lúcia no Cineteatro São Luiz, a amiga estava programando-se para vir e dividir o palco, não fosse o agravamento da doença.

"Ela era louca pelo Ceará, adorava Fortaleza, estava feliz demais de vir. Agora, estamos muito tristes, é mais uma diva, uma coisa linda da MPB que se vai. Mas vamos perpetuar Miúcha, e nunca esquecer, nunca esquecer a importância dela na nossa música", finaliza Lucinha emocionada.

 

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O álbum "Live in Rio de Janeiro" (1997) traz uma das canções preferidas da cearense: "Saia do Caminho", na voz de Miúcha e Tom Jobim