Projeto reflete sobre feminismo com o trabalho de 12 artistas cearenses exposto em galeria digital

“Por onde se vê” apresenta a mescla de fotografia, ilustração, poesia e outros rastros

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
Performers da Brecha Coletiva se abraçam
Legenda: As ilustrações do projeto “Por onde se vë” foram feitas pelas ilustradoras Renata Froan (@rfroan) e Xeyletix (@xeyletix)
Foto: Anaya Ökùn

“Você… Você se importa? Você me vê? Será que ao menos você me escuta? Será que você escuta as mulheres perto de você?”. A partir de questionamentos como esse, doze artistas cearenses transmitem, em uma galeria digital recém-lançada, inquietações comuns, ainda que vivenciadas em contextos diferentes. O projeto artístico “Por onde se vê”, da Brecha Coletiva, nasce assim, no seio da diversidade.

“Mulheres negras, brancas, algumas vindas de áreas periféricas, do centro da cidade ou da região metropolitana; mulheres que nasceram no interior ou em outro estado e que hoje moram em Fortaleza; mulheres vindas das artes urbanas, contemporâneas, artes visuais. Neste encontro, tecemos olhares plurais, sensíveis e atravessados por nossas vivências”, refletem sobre a formação do grupo.

Abeju, Kênia Pinheiro, Luísa Viana, Marília Pedroza, Miky Vitorino, Mylena Braga, Rebeca Duarte, Sarah Escudeiro e Vanessa Jovino estão juntas desde 2018,  no contexto formativo do Curso Técnico em Dança do Porto Iracema das Artes. Para este novo trabalho, porém, elas se juntaram às artistas visuais Renata Froan e Xeyletix e a multiartista Anaya Ökùn, responsável pelas fotografias do novo projeto.

Performers Brecha Coletiva
Foto: Anaya Ökùn

“‘O processo e a plataforma ‘Por onde se vê’ instigam olhares sobre a cidade e as possibilidades de ação dos corpos femininos. Buscam pôr em questão lugares estereotipados que se impõem ao corpo da mulher, ao mesmo tempo dar margem a formas de expressão, que materializem as referências de potência que cada uma carrega em si e coletivamente”, explicam.

Neste projeto, segundo detalham, performers, fotógrafa e ilustradoras, dão margem a criações de diferentes “corpas”: “monstruosas, coletivas, em deriva ou em encontro; corpas que se fortalecem, se sustentam, se deslocam. Um processo onde a dança se encontra como coluna vertebral para pensar relação, movimento, deslocamento, ação e permanência”.

Pandemia

Com o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 desde março passado no Brasil, as artistas passaram a se reunir virtualmente, estudando e revisitando obras como “O que move a alcatéia”, criada pelo grupo ainda no Curso Técnico em Dança. Em paralelo, também promoveram encontros on-line com criadoras locais a fim de dialogar sobre as trajetórias de cada uma na arte. 

“‘Por onde se vê’ se apresenta como uma etapa amadurecida das experimentações em formato virtual, onde pensamos em um eixo de relação entre a ação em dança, a construção de obras em artes visuais e a mediação por uma plataforma de exibição virtual, buscando novos olhares e fazeres sobre esta criação”, contextualizam.

A construção dramatúrgica do site-galeria, elas afirmam, é pensada a partir dos materiais gerados no processo de imersão ao longo do projeto. Por meio da ocupação dos espaços pelas performers e seus registros fotográficos, as ilustradoras dão vida a “corpas abstratas”, compostas por traços da trajetória de cada performer. 

“A ilustração entra em jogo como agente ativo de encontro de corpos, gerando possibilidades de abraços, sobreposição de corpos e aglomerações, ações tão delicadas de serem realizadas no período que vivemos. O que reflete na disposição do material no site-galeria, pensado em uma dramaturgia onde fotografia e ilustração se atravessam, se complementam, geram movimento ou estranhamento”, conceituam.

mãos entrelaçadas por uma cobra coral
Foto: Anaya Ökùn

As ruínas da Vila Militar da Base Aérea de Fortaleza, o muro próximo ao Restaurante Universitário da UFC na Avenida da Universidade, a rua 24 de Maio, a Praça José de Alencar,  a Praça dos Mártires e o mercado da rua José Avelino foram os lugares escolhidos para dar margem à composição em fotografia e ilustração, e à relação que pode ser construída, a partir do olhar e vivência de cada pessoa, entre a imagem e estes espaços.

“O processo de ocupação da cidade, mesmo que num recorte tão pequeno, por oito mulheres, formando as imagens para os registros fotográficos, desenvolvendo ações de deriva, permanência e fortalecimento feminino, gera ruídos no espaço urbano, provocando formas outras de olhar”, acreditam.

Projeções

A virtualidade do trabalho, ainda que tenha sido o maior desafio, foi também um experimento social para os novos tempos. “Buscamos com esta iniciativa, tanto criar espaço de produção colaborativa entre mulheres artistas de diversas linguagens, como também pensar em como a plataforma ‘Por onde se vê’ pode ser um lugar de mediação entre a produção de obras híbridas e interatividade com os fruidores, tendo em vista a incerteza das programações presenciais nos espaços culturais nos próximos meses”, projetam.

Performers da Brecha Coletiva
Legenda: As performers fotografadas são integrantes da Brecha Coletiva
Foto: Anaya Ökùn

Contempladas com o recurso da Lei Aldir Blanc via Secultfor, as artistas enxergam o fomento não apenas como um subsídio emergencial, mas também como uma oportunidade de dar o pontapé em uma iniciativa que pode se desdobrar e construir novos caminhos.  

“Muitos grupos e artistas que nunca tinham executado um projeto cultural puderam ter essa experiência, como é o caso da Brecha. Somos um agrupamento novo, ainda trilhando caminhos enquanto criadoras e por meio da Aldir conseguimos projetar uma ideia e executá-la. Nos alegra muito esse processo todo. Mesmo com os prazos apertados e a inexperiência para lidar com alguns assuntos burocráticos, acreditamos ter realizado um processo interessante”, acreditam.

Neste ano, elas seguem com a perspectiva de fomentar o protagonismo feminino e tecer relações de trabalho híbridas entre linguagens, criando algumas fissuras, pensando o trabalho de dança a partir da performatividade da linguagem do vídeo. 

“Temos o intuito de colocar o ‘Por onde se vê’ para frente a partir de outros desdobramentos, buscando nos relacionar com outros territórios e artistas que venham a colaborar conosco. Para 2021, queremos circular com as obras já produzidas nesta primeira edição do projeto e investir nessa possível segunda edição”, finalizam.

Serviço

Mostra “Por Onde Se Vê”
Disponível no site-galeria da Brecha Coletiva

Assuntos Relacionados