Filme 'Soul’ discute sobre propósitos; psicóloga alerta para cuidado com busca pelo sonho perfeito
Lançado nos últimos dias de dezembro, longa é do streaming Disney+ e foi produzido pela Pixar
Muito do que somos é composto pelos nossos desejos, sonhos, oportunidades de vida. Ou pelo menos é nesse contexto pelo qual a grande maioria da sociedade tem se guiado nos últimos anos, quando os objetivos formados ao longo de nossas existências têm sido cada vez mais discutidos e presentes no dia a dia.
E quando a arte consegue trazer reflexões como esta para produtos aparentemente simples ou ingênuos, também é possível analisar ao se entreter. Tudo isso para dizer que é exatamente essa a questão principal do filme “Soul”, lançado pelo serviço de streaming Disney+ no último 25 de dezembro.
Desenvolvida pela Pixar Animation Studios, a história do longa segue Joe Gardner, um músico apaixonado pelo Jazz que, no entanto, se encontra preso em uma busca incansável para finalmente tocar como um profissional do ramo. Nessa caminhada, ele descobre a fragilidade do plano terreno e das peculiaridades do “viver”.
De pano de fundo, além disso, a trama envolvendo o protagonista pode ser vista de uma forma ainda mais complexa: leva a pensar sobre de onde surgem as nossas paixões, nossos sonhos e interesses. Afinal de contas, eles fazem parte de nós ou moldam exatamente como podemos existir nesse mundo?
Já entre os principais cotados para a cerimônia do Oscar por vir, que deve reunir os melhores de 2020, ‘Soul’ rapidamente se tornou o assunto em comum de milhares de usuários das redes sociais. Nessa onda, questionamentos sobre qual o real propósito da vida e quais as formas de buscá-lo surgiram atreladas ao filme nas últimas semanas.
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Entretanto, de acordo com a psicóloga Maria Camila Moura, o entendimento do assunto tem contornos bastante profundos.
“Para entender o sentido do propósito acaba sendo necessário também entender o sentido da vida. Quando falamos dele, citamos a questão que sai do presente e vai para o futuro”, pontua a profissional, de pronto, ao começar a análise de como a palavra em si possui contextos diferentes, seja para indivíduos específicos ou para a sociedade.
Segundo ela, é comum que as palavras se “esvaziem” no decorrer do tempo e ganhem um significado diferente do que realmente deveriam ter.
Mudança
Exatamente por isso, Maria Camila explica, a história pode contar como os objetivos de vida mudam constantemente com o passar dos anos. “Em cada época se entende essa questão do propósito de uma forma diferente. Na Idade Média, por exemplo, onde havia o auge da religião, os contextos eram um pouco fundamentalistas e o propósito maior existente para a sociedade como um todo era o de salvação, todas as ações eram completamente voltadas para isso”, comenta.
No entanto, também cita, vivemos em uma realidade completamente distinta atualmente. Com a mudança nas configurações de um mundo globalizado, no qual dinheiro e aquisições são extremamente valorizados, as perspectivas de quase todos os seres humanos ganharam novos vieses.
“Somos imersos na questão da produtividade, de alta performance, da necessidade do utilitarismo, com as pessoas precisando sentir essa utilidade”, inicia Camila.
“As pessoas perseguem um propósito baseado nesses pontos, alinhando com a profissão, com o desejo de se mostrarem ativas”, complementa.
Problemas
Reclusos no sentido desse propósito, Maria Camila observa que a obstinação por se realizar profissionalmente eclipsa toda e qualquer felicidade. “Nessa busca, o que acaba acontecendo é que as pessoas deixam de viver, como acontece com Joe ao longo do filme, que se sente perdido quando não encontra a sensação desejada, quando não alcança o ápice do sonho”, declara.
Trazendo para realidade, o que acontece, de fato, é a vida no cansaço. “Nesse excesso de produtividade, muitas pessoas perdem a vitalidade ou a vontade de viver nesse caminho”, diz ao retratar os casos em que as pessoas se sentem envergonhadas de sair da rotina, de estarem na praia durante a semana, de compartilhar o lazer ou os detalhes pequenos do cotidiano.
Se no fim Joe enxerga a beleza dos dias, na vida real tudo é mais complexo. “Acredito que essa é a mensagem do filme e algo que é importante reforçar. O propósito da vida é viver simplesmente. Se você cumpre isso, não existe a necessidade desse objetivo imposto. Claro, há a possibilidade de encontrar um trabalho ou ocupação que complete este sentido, que sirva como motivador, mas não como sendo algo que cegue”.
Além disso, ela propõe, é necessário analisar como o bem-estar mental é fundamental na jornada. “Geralmente, quando as pessoas procuram terapia elas já sabem que existe algo errado, mas ainda não conseguem nomear”, finaliza.