Fernando Meirelles participa do projeto ‘Lives do Conhecimento’, da Universidade de Fortaleza

Diretor de "Cidade de Deus", "Dois Papas" e "Ensaio sobre a cegueira" vai falar, entre outros temas, da experiência internacional, mercado de cinema no Brasil, meio ambiente e como a pandemia afeta o setor audiovisual. Conversa com o cineasta será transmitida pelas redes sociais da instituição

Escrito por Redação , verso@svm.com.br
O clima em escala global é uma das questões que mais aflige o diretor nos últimos anos. Filme mais recente de Fernando Meirelles é “Dois Papas”, de 2019.
Legenda: O clima em escala global é uma das questões que mais aflige o diretor nos últimos anos. Filme mais recente de Fernando Meirelles é “Dois Papas”, de 2019.
Foto: Foto: Jario Goldflus

A arte produzida por Fernando Meirelles atravessa a cultura audiovisual brasileira das últimas três décadas. O começo de carreira na TV foi marcado pelo experimentalismo. Anos depois, o reconhecimento internacional de "Cidade de Deus" (2002) permitiu que este realizador contasse outras histórias em terras estrangeiras. O mais recente êxito da filmografia é "Dois Papas" (2019), produção com relevantes indicações no Globo de Ouro e Oscar. Veio a pandemia da Covid-19 e um novo projeto que estava em andamento precisou parar.

"Filmes têm a capacidade de tocar o coração", conta Meirelles em entrevista. Nesta terça-feira (11), às 18h, o cineasta participa do projeto "Lives do Conhecimento". O bate-papo virtual será mediado pelo professor e cineasta cearense Glauber Filho. A iniciativa oferta um espaço de discussão para grandes temas da atualidade e será exibida pelas redes sociais da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz.

Estes encontros já reuniram personalidades como Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), Contardo Calligaris (escritor e psicanalista), Domenico De Masi (sociólogo), Leandro Karnal (historiador e escritor) e Marcelo Gleiser (físico e astrônomo). Meirelles vai compartilhar momentos da carreira e dialogar sobre como o contexto da pandemia afeta a produção cinematográfica internacional.

Outro tema a ser desenvolvido é a recente expansão do mercado de cinema brasileiro. Vários estados lutam para se inserir mais efetivamente nessa indústria, como é o caso do Ceará. "É sempre bom conhecer novos polos de formação e produção no Brasil. O audiovisual ainda é muito centrado no eixo Rio-São Paulo. Está mudando e espero que a mudança se acelere", reflete.

Com a força de trabalho parada, o setor audiovisual ainda calcula os prejuízos ou transformações que deverá enfrentar com essa nova realidade. O diretor tece algumas considerações em torno do dilema.

"Provavelmente surgirão muitas histórias onde a pandemia faz parte, assim como as mudanças na vida que aconteceram neste período parado, o que é normal. Imagino que o streaming, que já vinha crescendo, agora passe a ser a janela principal do cinema. A pandemia catalisou um processo que já estava em curso. O crescimento das plataformas é a prova disso".

Depois da jornada singular de "Dois Papas", as lentes do brasileiro apontaram para o tema da crise climática. O planejamento das filmagens foi comprometido. Meirelles prefere adiantar pouco da futura empreitada, porém divide que o filme conta algumas histórias ao redor do mundo. "É uma ficção sobre como os adolescentes estão percebendo que seu futuro lhes está sendo roubado por nós, adultos", completa.

"Neste primeiro semestre eu estava preparado para trabalhar num roteiro sobre a crise do clima e pude fazer isso. Fui menos produtivo do que imaginei que seria, mas por um acaso o que fiz até agora não é muito diferente do que planejei fazer, que é tentar gastar o maior tempo possível em casa pensando na história". O isolamento social permitiu que Meirelles também explorasse outras ideias.

"Fiz também com amigos uns curtinhas engraçados chamados de Sala de Roteiro, que estão no YouTube. Pura diversão. Rodamos já um terceiro episódio", comenta. A websérie dirigida conta com texto de Antonio Prata e reúne um elenco com Andréa Beltrão, Mariana Lima, Henrique Diaz, Marcos Palmeira e William Costa.

Com bom humor e acidez, a trama envolve cinco roteiristas de uma série de TV. Via videoconferência, por conta do isolamento, o grupo batalha para escrever o roteiro da última temporada. Vale conferir.

Trajetória

Natural de São Paulo, o convidado da Live do Conhecimento dessa terça-feira guarda toda uma relevância em inúmeros trabalhos voltados para o audiovisual. Meirelles estudou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Em paralelo, desenvolvia o interesse em fazer filmes. Durante a graduação tornou-se cineclubista e criou filmes em Super 8, animações e criações voltadas à videoarte. Um campo de total experimentação.

Com o grupo de amigos que desenvolvia estas peças, formou uma pequena empresa independente chamada Olhar Eletrônico (1983-1987). Desse esforço conjunto nascem programas como "Antenas" (1983) e "Ernesto Varela" (1983-1987), protagonizado por Marcelo Tas. Com o fim da produtora, o diretor se voltou à criação de um clássico da TV brasileira, o infantil "Rá Tim Bum".

No início dos anos 1990, junto com Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro, abre a produtora O2 Filmes. A empresa se tornou uma das maiores do Brasil, desenvolvendo diferentes etapas criativas de uma produção audiovisual, incluindo trabalhos de direção, roteiro e produção de comerciais, séries, programas políticos, filmes de curta e longa-metragem.

Telonas

A estreia de Meirelles nos cinemas acontece em 1998, com "Menino Maluquinho 2: A Aventura". O compromisso seguinte foi "Domésticas: O Filme" (2001). Um livro publicado em 1997 orbitava a mente do diretor. O best-seller era "Cidade de Deus", escrito por Paulo Lins.

Com o roteiro escrito por Bráulio Mantovani em mãos, Meirelles organizou uma equipe misturada com técnicos profissionais e atores inexperientes, escolhidos entre jovens moradores de comunidades do Rio de Janeiro. O filme foi sucesso no Brasil e com a exibição no Festival de Cannes de 2002 ganhou o Mundo.

A ideia de unir atores não profissionais na obra foi de suma relevância para a construção "crua" daquele universo. Somos apresentados às histórias de Buscapé (Alexandre Rodrigues) e da figura conhecida como Zé Pequeno (Leandro Firmino). Ambos trilham caminhos distintos, enquanto suas vidas são influenciadas pelo abandono e violência na favela Cidade de Deus.

Um filme que discute muitos dos problemas que até hoje assolam populações carentes."Cidade de Deus" ganhou mais de 50 prêmios em festivais de cinema, além de quatro indicações ao Oscar de 2004, incluindo "Melhor Diretor".

Desde então, Meirelles divide o tempo entre longas internacionais e séries de TV no Brasil. "O Jardineiro Fiel" (2005), estrelado por Ralph Fiennes e Rachel Weisz foi outra empreitada bem-sucedida. Teve quatro indicações da Academia e Weisz foi premiada com o Oscar de Melhor Atriz.

O desafio logo na sequência foi outra adaptação literária. Entrava em cena o famoso romance de José Saramago (1922-2010). "Ensaio Sobre a Cegueira" (2008) uniu nomes como Julianne Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover, Alice Braga, Sandra Oh e Gael García Bernal. Outra assinatura em longas foi "360" (2011).

No mesmo período, dirigiu várias séries para TV Globo e HBO no Brasil. "Cidade dos Homens" (2002-2005) "Brazukas" (2011), "Felizes para Sempre?" (2015), "Os Experientes" (2015) estão entre as criações. A coprodução da TV Globo, "O Som e a Fúria" (2009), venceu o prêmio de Melhor Série pela Associação Paulista de Críticos de Arte (Apca).

Além do cinema, Meirelles dirigiu a montagem de "Os Pescadores de Pérolas", de Georges Bizet (autor de "Carmem") e foi um dos diretores da cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Em 2019, veio a parceria com a Netflix que rendeu o elogiado "Dois Papas".

Grande parte das obras realizadas por Meirelles guarda a força da discussão no social. O entrevistado detalha se uma peça audiovisual possui a capacidade de provocar reflexão. Como comentou no início da reportagem, o universo cinematográfico tem a capacidade de falar ao coração.

"Tenho a impressão de que só aprendemos realmente, a ponto de nos transformarmos, quando a informação vem embrulhada numa carga emocional. Ao falar sobre exclusão ou outros temas dentro de uma história emocional, acho que a mensagem pode tocar mais fundo o espectador a ponto de ser transformadora. Não resolve, mas ajuda a pessoa a se mobilizar", finaliza.

A Live do Conhecimento reserva reflexões sobre as ligações entre arte, entretenimento, tecnologia, autoconhecimento e perspectivas para o pós-pandemia. A transmissão é aberta para alunos e professores da Universidade de Fortaleza, assim como para o público em geral. Acontece nas mídias sociais da instituição (Facebook, Instagram e YouTube). A premissa é agrupar, em ambientes virtuais, especialistas que discutam assuntos de relevância no atual momento de pandemia.

O futuro ainda é um dilema diante das questões propiciadas pela Covid-19. O encontro dessa terça-feira é uma chance de ouvir personagens comprometidos com a difusão do conhecimento. Em tempos tão sombrios, é um alento poder contar com a reflexão de mentes tão generosas.

Serviço

“Lives do Conhecimento”, com Fernando Meirelles. Mediação de Glauber Filho. Terça-feira (11), às 18h 
Transmissão pelas redes sociais da Unifor (Instagram, Facebook e YouTube).
Aberto ao público 

 

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