Em dois anos, o Ceará contabilizou 626 mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes. O número disponibilizado nessa terça-feira (28) no anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica média de um assassinato, por dia, de vítimas com até 17 anos e coloca o Estado no ranking dos locais mais violentos para menores de idade.
Conforme levantamento do Fórum, foram 354 Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) desta faixa etária, no ano de 2020, e outros 272 casos em 2021. Somados os dois últimos anos, o Ceará fica como o segundo estado do Brasil com mais mortes de crianças e adolescentes. Em primeiro lugar está a Bahia.
Das 626 mortes, 602 foram de vítimas de 12 a 17 anos e 24 de 0 a 11 anos. Um dos casos de maior repercussão dentro do período analisado é o que vitimou Mizael Fernandes da Silva, de 13 anos. O menino foi morto na casa dos tios, em Chorozinho, enquanto dormia. A morte de Mizael completa dois anos nesta sexta-feira (1º) e o processo segue em andamento na Justiça, com três policiais militares acusados pelo crime.
VEJA RANKING
Bahia
2020: 374
2021: 347
Ceará
2020: 354
2021: 272
Pernambuco
2020: 258
2021: 232
Por nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) disse que o Ceará registrou uma redução de 22,7% nas mortes provocadas por crimes violentos, com as vítimas de idade de 0 a 17 anos, quando comparados os anos de 2020 e 2021. "Importante dizer que entre Bahia (1º), Pernambuco (3º) e Rio de Janeiro (4º), essa redução de 22% registrada pelo Ceará foi a maior entre os referidos estados", destaca a Pasta.
"A SSPDS reforça também que este ano de 2022 vem sendo registrada diminuição no mesmo indicador, quando comparados janeiro a maio com igual período do ano passado. Foram 119 CVLIs contra 97 de 2022, com uma queda de 18,5%, conforme dados gerados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública do Estado do Ceará (Supesp)"
CASO MIZAEL
A morte de Mizael foi tratada como caso de intervenção policial. Após idas e vindas com entendimentos diversos das autoridades, só neste mês de junho, os PMs
Enemias Barros da Silva, Luiz Antônio de Oliveira Jucá e João Paulo de Assis Silva se tornaram réus no processo.
Enemias é sargento e foi denunciado pelos crimes de homicídio e fraude processual. Já os outros policiais Luiz Antônio de Oliveira Jucá e João Paulo de Assis Silva foram acusados por fraude processual. O trio teria interferido na cena do crime, com possível objetivo de dificultar o trabalho das autoridades na elucidação do crime.
A família do menino se diz satisfeita por "ter ficado desmentida a versão dos policiais" e que "confia na justiça divina". Os parentes disseram ainda ter entrado com ação de indenização contra o Estado, e ainda aguarda um "pedido de desculpas oficial pela ação dos policiais durante serviço".
"Nós temos a consciência limpa. Nós conseguimos provar a inocência do Mizael. Agora cabe ao júri"
A reportagem apurou que ainda não há data marcada para as audiências dos réus. O Juízo da Vara Única de Chorozinho determinou, no último dia 6, a expedição de cartas precatórias para a citação dos acusados e aguarda a devolução das cartas, que permanecem dentro do prazo de cumprimento. As audiências devem ser agendadas após o recebimento das manifestações da defesa dos réus.
PERFIL DAS VÍTIMAS
O Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência afirma que o perfil da maior parte dos adolescentes assassinados no Ceará se mantém como: meninos, negros e moradores da periferia. Thiago de Holanda, sociólogo e coordenador técnico do Comitê destaca que desde 2016 é percebido um aumento preocupante dos casos, o que aponta para a necessidade de novas estratégias com foco na prevenção.
"Os homicidios afetam muito os jovens, mas tambem percebemos um aumento nas mortes de crianças. São crianças que estão foram da escola há mais de seis meses, em sua maioria, e ficam em territórios marginalizados. Nas ruas, a exposição à violência comunitária aumenta", afirma o especialista.
Para o Comitê, é preciso falar quem são os mortos e mostrar que a vulnerabilidade é um marcador da violência.
Thiago de Holanda destaca que não se pode falar que todos os casos estão ligados à facções, "porque em muitos deles ninguém foi responsabilizado". Para o sociólogo, "colocar as mortes na conta das facções é fugir de uma responsabilidade, apesar de os grupos marcarem o contexto de violência do território".
A Secretaria da Segurança Pública destaca como ação de prevenção a posse de 490 policiais civis e informa que a parte investigativa de crimes contra a vida será reforçada, "especialmente o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que hoje detém 12 delegacias".
"Em paralelo a isso, há ainda as ações preventivas do Programa Estadual de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger), com 36 bases instaladas em Fortaleza e Região Metropolitana. O programa agora está integrado ao Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), inaugurado nesta quarta-feira (29)", disse a Pasta.
"Os meninos estão chamando as facções de família e isso quer dizer muita coisa pra gente. Estão indo pro front de guerra e colocando suas vidas em risco. O que o Estado apresenta para essa juventude?"
Ainda de acordo com a SSPDS, em conjunto ao trabalho da segurança pública, há ainda outras iniciativas promovidas pelo Governo do Ceará. "Hoje, o Estado possui 392 escolas que atendem em tempo integral. Desse número, 261 são de Ensino Médio, que se somam às 131 escolas estaduais de educação profissional, que ofertam, ao mesmo tempo, ensino médio e cursos técnicos. Outra medida importante é a instalação de equipamentos públicos, que proporcionem lazer e esporte às crianças e adolescentes, respeitando o que está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É o caso das 193 brinquedopraças existentes no Estado e as 278 areninhas (campos de grama sintética) construídas em todo o território cearense", informaram.
12 evidências encontradas na pesquisa do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência
- Vulnerabilidade de quem cuida
- Falta de atendimento à rede de amigos e familiares dos adolescentes assassinados
- Territórios vulneráveis aos homicídios
- Abandono escolar
- Experimentação precoce de drogas
- Vida comunitária conflituosa
- Insuficiência do atendimento educativo
- Falta de oportunidade de trabalho formal/renda
- Interação violenta com a Polícia
- Violência armada
- Cultura da violência em programas policiais
- Sensação de injustiça