Legislativo Judiciário Executivo

Prefeituras do Ceará suspendem implantação de loterias municipais após liminar do STF

Seis municípios cearenses foram citados em decisão do ministro Nunes Marques, mas ao menos 17 criaram leis que agora estão sem efeito.

(Atualizado às 14:35)
Foto do guichê de uma lotérica.
Legenda: Gestões queriam aumentar arrecadação com as apostas.
Foto: Lucas Moura / Arquivo SVM.

Gestões de municípios cearenses suspenderam o processo de criação de loterias próprias após uma liminar do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubar legislações e decretos que autorizavam serviços do tipo em todo o Brasil.

A determinação foi proferida no último dia 3 de dezembro, por força de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ingressada pelo partido Solidariedade, que alegou a violação da competência privativa da União para legislar sobre consórcios e sorteios.

Foram suspensas as licitações em curso e a exploração dos serviços já licitados referentes a apostas em loterias municipais. Uma sessão extraordinária do Plenário Virtual foi solicitada pelo magistrado para referendar a liminar.

A decisão do STF menciona que mais de 80 municípios editaram atos normativos nos últimos três anos para a criação de loterias, autorização de procedimentos licitatórios e credenciamento de empresas para operarem em seus territórios.

Somente em 2025, segundo Nunes Marques, cerca de 55 municípios, de 17 estados brasileiros, criaram suas próprias loterias para explorar modalidades lotéricas e apostas esportivas. 

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No documento, são citadas nominalmente pelo magistrado seis municipalidades cearenses em que se teria notícia quanto à instituição de sistema lotérico (Apuiarés, Barro, Caucaia, Irauçuba, Itapajé e Tururu).

Porém, segundo levantamento do Diário do Nordeste, esse número é maior. Ao menos 17 prefeituras no Ceará criaram leis que previam a estruturação de loterias. Algumas delas, antes da decisão do Supremo, já estavam em processo de concessão para operação pela iniciativa privada. 

O Estado apenas editou um decreto, em 2024, regulamentando novas modalidades de apostas no âmbito da Loteria Estadual do Ceará (Lotece). A medida permite, por exemplo, a exploração das apostas de quota fixa, conhecidas popularmente como “bets”.

As loterias cearenses

Sancionaram leis municipais, antes da decisão do STF, as administrações de:

  • Apuiarés; 
  • Aratuba; 
  • Barbalha; 
  • Barro; 
  • Capistrano; 
  • Caucaia; 
  • Croatá; 
  • Frecheirinha; 
  • Irauçuba;
  • Itapajé; 
  • Itapipoca; 
  • Jaguaribara; 
  • Novo Oriente;
  • Quixeramobim;
  • Saboeiro;
  • Tauá; 
  • Tururu.

Conforme reportagem publicada pelo PontoPoder em setembro deste ano, havia a previsão de que alguns municípios explorassem apostas de quota fixa.

Além desta, seriam ofertadas as modalidades de lotérica passiva (bilhetes previamente enumerados), de resultado instantâneo (as chamadas “raspadinhas”) e de prognósticos específicos (como a Timemania), numéricos (apostador tenta prever os números sorteados) e esportivos (em que o apostador tenta prever o resultado dos eventos esportivos).

O objetivo das gestões municipais era aumentar a arrecadação e direcionar os recursos financeiros para o financiamento de serviços públicos como saúde, educação, esporte e lazer, assistência social, cultura, segurança pública e turismo.

Apesar da iniciativa, a exploração por entes subnacionais já não era completamente pacificada no meio jurídico, uma vez que a ADPF que barrou as loterias municipais estava em análise no Supremo. A incerteza estava posta desde março, quando a ação foi protocolada.

Ministério da Fazenda já considerava irregular

A criação de loterias municipais era considerada irregular pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, pois, de acordo com o órgão, a lei federal que estabeleceu regras para apostas de quota fixa, sancionada em 2023, definiu que somente a União, estados e o Distrito Federal podem explorar esse tipo de serviço.

De acordo com o ministro, a lei federal que disciplina as “bets”, concentrou a estrutura fiscalizatória na União, em razão do interesse nacional na modalidade, e autorizou a exploração das loterias pelos estados e pelo Distrito Federal, nos limites da legislação federal, sem incluir os municípios. 

Nunes Marques considerou que a competência dos municípios para legislar sobre matérias de interesse local não alcança as atividades lotéricas, uma vez que elas não se relacionam diretamente com necessidades imediatas de seus cidadãos ou do próprio ente local. 

Foi estabelecida multa diária de R$ 500 mil aos municípios e empresas que continuarem a prestar o serviço e de R$ 50 mil aos prefeitos e presidentes das empresas credenciadas que mantiverem a exploração das atividades lotéricas. 

Foto do ministro Nunes Marques, do STF.
Legenda: O ministro Nunes Marques (na foto) atendeu a uma ação ingressada pelo partido Solidariedade.
Foto: Antonio Augusto/STF.

Segundo o Ministério da Fazenda, em comunicado enviado ao Diário do Nordeste, “autorizações concedidas por prefeituras para exploração de apostas de quota fixa não possuem previsão legal”. “Assim, a decisão do STF ratifica o posicionamento da SPA com relação ao tema”, frisou.

A incursão dos municípios em torno da implantação de suas próprias casas de apostas ocorreu em razão de uma lacuna, aberta por uma decisão também do Supremo Tribunal Federal.

Em 2020, a Corte havia entendido que a União não tinha exclusividade na exploração de loterias, estendendo o direito aos estados. Pela falta de legislação que pudesse versar sobre as cidades, abriu-se uma brecha para que prefeituras Brasil afora criassem suas próprias loterias. 

O que dizem os municípios

Apuiarés, na região do Vale do Curu, havia criado institucionalmente a Lotoapuiarés por meio de uma lei datada de junho. Mas, pelo que explicou a prefeitura, loteria nunca foi implementada. “Não houve processo licitatório nem início de funcionamento”, justificou, completando que, “diante da decisão do STF, o município segue rigorosamente todas as determinações legais”.

O Município de Aratuba foi o que mais avançou e chegou a lançar uma licitação para contratar uma empresa especializada para operar sua própria loteria no dia 5 de novembro, mas revogou a concorrência pública na última terça-feira (9), conforme publicação no diário Oficial dos Municípios do Ceará. Procurada, a Prefeitura não emitiu uma posição. A lei que autorizava o serviço na cidade foi sancionada em setembro.

Em Barbalha, onde havia sido sancionada em 2024 uma lei municipal para criação do Serviço Público de Loteria, a Prefeitura informou que não foi realizada licitação e não havia intuito de fazer certame. “Se pesquisar, vai ver que nunca houve publicação. Nem pauta foi feita”, alegou a assessoria de comunicação em conversa com o Diário do Nordeste. 

Foto do Centro Administrativo de Barbalha.
Legenda: Gestão de Barbalha alegou não havia interesse em licitar serviço, mas declarações públicas de secretário contradizem versão.
Foto: Reprodução / Prefeitura de Barbalha

A posição emitida por Barbalha contrasta com declarações do secretário executivo da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), Aquiles Soares, em entrevista para uma rádio local em novembro. Conforme o gestor, uma licitação seria lançada para concessão da loteria. O valor estimado de arrecadação era de R$ 1,9 milhão por ano, de modo que 90% da arrecadação ficaria com o Tesouro Municipal e 10% seria destinada a entidades filantrópicas cadastradas.

Barro, por sua vez, publicou uma lei sobre a temática em outubro. A cidade é uma das citadas pelo ministro Nunes Marques na decisão. Em nota, a municipalidade informou que “sequer chegou a iniciar ou formalizar qualquer processo licitatório (concessão ou permissão) para a exploração da atividade lotérica” e aguarda o julgamento final da ADPF para “adotar as medidas cabíveis”.

Caucaia teve uma lei do tipo sancionada em julho. A Loteria do Povo, entretanto, não saiu do papel. Indagada, a Prefeitura disse que o processo está suspenso, em cumprimento à liminar do STF. “No momento, o Município aguarda o posicionamento final do Plenário da Corte para definir os próximos passos”, completou a comunicação da administração municipal em nota.

A Prefeitura de Itapipoca, cuja lei municipal atualmente suspensa foi publicada em agosto, esclareceu que a implementação foi iniciada e estava “em fase interna de análise, aguardando as autorizações e encaminhamentos necessários para conseguir avançar”. Mas “não houve a abertura da licitação nem o início da operação”, indicou a assessoria de imprensa, e o processo foi suspenso por força da decisão do Supremo até que haja “definição jurídica”.

A situação é semelhante ao que ocorreu em Jaguaribara, em que uma lei de julho, criando o Serviço Público de Loteria Municipal, não produziu efeitos práticos. Consultado, o Município alegou que segue o princípio da legalidade. “Cumpriremos a decisão do STF e iremos aguardar a conclusão da discussão para aplicar ou revogar a lei municipal, se for o caso”, frisou.

Foto da prefeitura de Tururu, no interior do Ceará.
Legenda: Tururu foi um dos municípios citados nominalmente pelo ministro Nunes Marques na decisão.
Foto: Reprodução / Google Street View.

Em julho, Novo Oriente criou, através de uma legislação própria, a Lotooriente. A casa lotérica foi regulamentada logo depois, em agosto, mediante um decreto baixado pela prefeitura. Nesta quarta-feira (17), o Município afirmou, por meio de nota, que tomou providências para o cumprimento da determinação do Supremo assim que tomou conhecimento dela e, por efeito dela, a implementação do serviço encontra-se suspensa.

Tauá foi outra localidade que incluiu a autorização para a exploração de apostas na legislação municipal em 2025, no mês de agosto. Depois da decisão, a gestão municipal informou que o “processo está parado e sem previsão de implantação”. Ao que salientou o ente, a licitação para concessão ou permissão do serviço não chegou a ser feita.

Tururu, citada na decisão do STF, passou a dispor de uma lei em setembro. Nesta semana, quando procurado, o Município informou que somente “criou a lei necessária para regulamentar as atividades de apostas, cumprindo a etapa inicial prevista em legislação” e não houve andamento no processo de credenciamento de empresas, já que optou por “aguardar a decisão final do Supremo Tribunal Federal”. 

A reportagem contatou todos os 17 municípios em que foram identificadas leis que criavam as loterias, agora suspensas pela liminar do ministro Nunes Marques. Parte delas respondeu aos questionamentos, enquanto a outra preferiu não emitir posição sobre o tema. Eventuais manifestações posteriores serão acrescentadas ao texto.

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