Apuração Eleições 2024 Legislativo Judiciário Executivo

Pelo menos seis prefeitos no Ceará foram alvos de pedido de impeachment desde 2021

No caso mais recente, de Aratuba, o prefeito e o vice-prefeito afirmam que são vítimas de uma "tentativa de golpe da oposição"

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
Aratuba
Legenda: Prefeito de Aratuba, Joerly Vitor, enfrenta processo de cassação na Câmara Municipal.
Foto: Reprodução/Instagram

Com o andamento do processo administrativo contra o prefeito de Aratuba, Joerly Vitor (Republicanos), o clima de instabilidade cresce na cidade. Na última semana, a Justiça autorizou a retomada da investigação aberta pela Câmara Municipal, que havia sido paralisada devido a liminar pedida pela defesa do gestor.

Os contornos do caso da cidade do Maciço de Baturité são semelhantes ao de pelo menos outros cinco municípios cujos prefeitos enfrentaram processos administrativos que poderiam levar a cassações desde 2021. São processos com forte queda de braço entre base e oposição, além de judicialização. No meio disso, populares enfrentam cenários de incertezas em torno da Prefeitura.

Veja também

Outros processos semelhantes chegaram a ser abertos Ceará afora, a exemplo de Santa Quitéria, Aquiraz, Tianguá, Limoeiro do Norte e Pacajus, mas somente este resultou em cassação. 

Investigação em Aratuba

A denúncia diz respeito, entre outras acusações, a uma transação de R$ 48 mil realizada pela Prefeitura em outubro de 2021 com dispensa de licitação, a fim de alugar equipamentos como circo, parque e brinquedos infláveis para a Semana da Criança no município. Esta ação seria realizada pela Secretaria Municipal da Assistência Social. 

O mesmo tipo de transação foi repetido no ano seguinte, como mostra o documento, mas com valores duplamente maiores na maioria dos itens. Um deles, como afirma o denunciante, chega a ser nove vezes mais caro que em 2021. O total em 2022 ficou em R$ 253.633.

“Ocorre que nada justifica a discrepância dos valores, tendo em vista que os eventos foram similares e de pequeno porte", argumenta a denúncia, dizendo, ainda, que alguns bens locados “não foram e nem tinham condições de serem utilizados efetivamente, dado que a semana da criança foi um evento de pequeno porte sem nenhum show de maior complexidade”.

Nesse caso, cita a locação de sistema de som de grande porte, o sistema de iluminação colorida e o gerador de energia, que custaram, ao todo, R$ 51 mil.

O documento também cita a aquisição de 161 garrafas d'água de 500 ml por valor total de R$ 2.382,80, revelando que o valor unitário foi de R$ 14,80, acima da faixa do produto.

A denúncia foi aceita e a comissão processante instalada no fim de outubro. Pouco depois, o prefeito foi notificado para que apresentasse defesa. Os trabalhos seguem.

Uma liminar chegou a ser emitida pela Justiça para suspender o processo administrativo, mas foi revertida na última semana. Como houve esse período de paralisação, o colegiado sequer recebeu a defesa do gestor, afirma a presidente da comissão, vereadora Mayara Acelino.

"Na última quarta (13), essa liminar caiu, e vamos poder prosseguir agora. Em breve, a comissão vai se reunir e averiguarmos os documentos enviados. Depois vem a defesa dele, ouvir as testemunhas", explica a parlamentar.

Ao Diário do Nordeste, o prefeito Joerly Vitor e o vice Chico Abel (PL) informaram que receberam com tranquilidade a notícia do revés. Os gestores também ressaltaram que estão exercendo o direito de ampla defesa. 

“Nossos advogados irão recorrer para instâncias superiores. Trata-se, na verdade, de uma tentativa de golpe da oposição derrotada nas últimas eleições que a todo custo querem tomar o poder a força, uma vez que não conseguiram nas urnas em 2020, e tentam na Justiça”, afirmou a nota. 

Isso porque a Câmara é presidida por Elky Barroso (União), esposa do ex-vice-prefeito e candidato derrotado à Prefeitura em 2020, Carlos Furinga. Em caso de cassação da chapa encabeçada por Joerly, a parlamentar assumiria, pelo menos interinamente, o comando do município. O Diário do Nordeste tentou contato com a vereadora por Furinga, mas não obteve retorno dela.

“Após as eleições entraram com um processo na Justiça Eleitoral contra a chapa vencedora por abuso de poder econômico e perderam. Agora, através da Câmara, mais uma vez, já que são sete vereadores de oposição na atual casa legislativa contra dois de situação. Reafirmamos nossa confiança na justiça, continuaremos exercendo nosso papel, para o qual fomos eleitos democraticamente”, acrescentou a chapa.

Prefeitos na corda bamba

Alguns dos gestores eleitos em 2020 se depararam com fortes embates com as câmaras municipais, enfrentando ao menos um processo administrativo ao longo da gestão. No caso de Pacajus, por exemplo, a dinâmica resultou no impeachment do prefeito Bruno Figueiredo (PDT) e do vice Francisco Fagner (União). 

A Justiça chegou a suspender liminarmente a cassação, mantendo a chapa no cargo por um mês, por reconhecer erros nos procedimentos legislativos relacionados a esse processo. Contudo, decidiu afastar novamente os dois dos cargos no começo de novembro, após recurso impetrado pela Câmara Municipal. 

Assim, Tó da Guiomar (União), então presidente da Câmara Municipal e articulador do processo, assumiu a Prefeitura interina até ser eleito indiretamente para ocupar o cargo em definitivo.

Veja também

Em outros municípios, os prefeitos conseguiram se livrar se uma cassação, como em Santa Quitéria. Meses após ser afastado da administração pela Justiça, Braguinha (PSB) enfrentou uma denúncia na Câmara Municipal sobre o superfaturamento de veículos da gestão, mas o processo foi arquivado com brevidade. 

A prefeita interina, Lígia Protásio (PP), se deparou com articulação semelhante, que resultou em uma comissão processante. No fim de outubro, ela conseguiu uma vitória no Legislativo, com o arquivamento do processo.

Já em Aquiraz, a gestão de Bruno Gonçalves (PL) enfrenta resistência desde o começo do mandato, com repercussões no Ministério Público. No primeiro ano, foi alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre gastos no combate à Covid-19. No segundo, foi investigado pela suposta aquisição irregular de gêneros alimentícios para a Educação. 

Nos dois contextos, tinha um grupo grande de oposição, que começou a ruir neste ano. Dos 15 vereadores de Aquiraz, nove eram da oposição, compondo o chamado “G9”. Nos últimos meses, contudo, cinco deles deixaram o bloco, passando a integrar a base de Bruno Gonçalves. 

Já em Tianguá e em Limoeiro do Norte, a suposta vacância irregular da Prefeitura devido a problemas de saúde dos gestores levou à submissão de denúncias nas câmaras municipais, mas nem Luiz Menezes (PSD) nem José Maria Lucena (PSB), respectivamente, chegaram a ser afastados por força do Legislativo. 

No primeiro caso, uma liminar substituiu o prefeito pelo vice Alex Nunes (PL) após a Justiça detectar indícios de que ele estaria fazendo um tratamento de saúde contínuo em Fortaleza sem licença da Câmara por tempo maior que o permitido pela legislação. Ele também passou a ser alvo de investigação pela Casa sobre esse assunto em setembro.

Também naquele mês, Lucena se livrou novamente de uma denúncia na Câmara relacionada ao mesmo assunto, assim como em junho deste ano. Mas o desgaste acumulado por cerca de seis meses elevou a situação a níveis insustentáveis, fazendo com que o prefeito pedisse licença ao Legislativo e desse lugar à vice Dilmara Amaral (PDT) na Prefeitura. 

Todos esses casos continuam sob análise da Justiça a um ano do fim do mandato, ainda que, em algumas situações, pelo menos no campo político, exista um clima de maior pacificação. De toda forma, o contexto é de instabilidade para a população, que observou o jogo de poder mudando constantemente nos últimos anos e que pode se deparar com novos desdobramentos até dezembro de 2024.

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados