Câmaras municipais no Ceará elegem presidentes de oposição aos prefeitos e desorganizam bases
Assim, gestores têm dificuldade de emplacar pautas importantes para os seus mandatos e garantir apoio para as eleições de 2024
Após uma série de embates com a gestão, o “G9”, como é chamado o grupo forte de oposição na Câmara Municipal de Aquiraz, foi reeleito para o comando da Casa até 2024. A recondução representa um desafio para o prefeito Bruno Gonçalves (PL), que enfrentou, recentemente, um processo administrativo sobre a compra de merenda escolar na cidade, resultado da relação conturbada com o Legislativo.
Encabeça o bloco o vereador Jair Silva (PP), que se prepara para disputar as próximas eleições municipais. O parlamentar tem ditado a dinâmica da Casa junto ao grupo que coordena, enfraquecendo a influência de Gonçalves no Parlamento.
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Reeleito, o presidente da Câmara ainda toma para si uma posição de liderança ao dialogar diretamente com lideranças estaduais por projetos para a cidade, como o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão (PDT), o governador Elmano de Freitas (PT) e deputados de seu grupo político.
As movimentações no Legislativo Municipal têm sido uma pedra no sapato do prefeito desde o início do mandato. Durante o período crítico da pandemia, vereadores aprovaram o pagamento de um auxílio emergencial na cidade de R$ 500. O projeto foi vetado pelo gestor, já que a proposta inicial do Executivo garantia um benefício menor, de R$ 250.
“O que aconteceu foi o maior absurdo político que se viu em Aquiraz. Passamos 15 dias discutindo com a equipe a viabilidade, chegamos no valor máximo de R$ 250 por dois meses. Não tem como a gente prever quantas mil famílias nós iríamos atender; o que eles fizeram foi inconstitucional e ilegal, porque eles criaram despesa”, argumentou, à época.
A tensão seguiu, passando pela liberação de um crédito suplementar para a garantia de serviços básicos no município e acentuando-se com investigação do Ministério Público sobre a compra de merenda escolar no fim de 2021. Este caso tornou-se pauta na Câmara, que abriu processos administrativos contra o chefe do Executivo aquirazense.
Desafios semelhantes enfrentam gestores de outras seis cidades. Com a eleição de opositores no comando das casas legislativas municipais, prefeitos têm dificuldade de emplacar pautas importantes para os seus mandatos e garantir apoio para as eleições de 2024.
Confira outros casos:
São Gonçalo do Amarante
O grupo de vereadores de oposição ao governo de Marcelo Teles, o Professor Marcelão (Pros), em São Gonçalo do Amarante, conseguiu eleger seus representantes para mais uma legislatura no comando da Câmara Municipal.
Agora, o presidente da Casa passa a ser Neto do Pecém (PSB), que sucede a Ailson Frota (PTB). Além dele, compõem a nova Mesa Diretora o vice-presidente Pereira da Coelce (PDT), a 1ª secretária Dúlcia Carvalho (PDT) e o 2º secretário Carlin Pereira (PTB).
Neto e Pereira, inclusive, deixaram a base de Marcelo em fevereiro do ano passado, fechando apoio à pré-candidatura de Cláudio Pinho (PDT), ex-prefeito da cidade, à Assembleia Legislativa, que foi vitoriosa nas eleições de outubro.
Isso porque Pinho é quem parece reunir mais apoio na política gonçalense, onde construiu uma sólida base na Câmara Municipal, mesmo tendo finalizado seu mandato no Executivo em 2020. Desde então, ele tem protagonizado embates públicos contra o atual gestor, que venceu o pleito daquele ano contra Elder Gurgel (PDT), apoiado pelo ex-prefeito.
Enquanto ambos trocam ofensas sobre a qualidade das suas administrações, Marcelo segue com o desafio de emplacar pautas na Casa, tendo em vista que permaneceram na sua base apenas os vereadores Esaú Monteiro (DEM), Naira do Josinaldo (PTC), Magno do Pecém (PDT), Raphael Tavares (Pros), Canoa (Pros) e Victor da Várzea (PCdoB).
Juazeiro do Norte
Na cidade caririense, o prefeito Glêdson Bezerra (Podemos) já enfrentava uma relação difícil com a Câmara antes da posse da nova Mesa.
No episódio mais recente, o então presidente da Casa, Darlan Lobo (PTB), uniu-se ao coro de vereadores que criticavam o gestor por uma suposta irregularidade na contratação de amigos e familiares para cargos na administração municipal.
Antes, porém, o vereador do PTB chegou a afirmar que apoiaria o candidato de Glêdson à sucessão do comando da casa por se sentir “traído” por colegas. Isso porque ele foi afastado do cargo, no fim de 2021, por suspeita de envolvimento na exploração no jogo do bicho e crimes contra a administração pública.
Lobo retornou ao posto em maio do ano seguinte. Entretanto, nesse ínterim – enquanto William Bazílio (PMN) comandou a Casa interinamente –, vereadores da oposição de Glêdson investiram em manobra para alterar o Regimento Interno e acelerar a eleição de Yanny Brena (PL) como presidente.
Os parlamentares conseguiram mudar a Lei Orgânica do Município para validar a antecipação, mas a Justiça barrou o processo. Somente em novembro é que Yanny lançou a chapa única, que foi empossada no último dia 3.
Com laços incertos e estremecidos, Glêdson tem o desafio de estabelecer uma boa relação com o novo comando da Câmara de Juazeiro. Antes de chegar à presidência, Yanny se colocava como crítica à gestão municipal, mas agora parece querer se aproximar do Executivo.
"Estarei à disposição do prefeito Glêdson Bezerra para ouvir as suas proposições para Juazeiro. Qualquer proposição que chegar a esse recinto será bem-vinda e passará por análise e pelos trâmites legais", destacou na cerimônia de posse da nova Mesa.
Isso deve ser importante para o gestor em 2023, pois além do desgaste anterior com os vereadores, ele deve enfrentar uma nova crise causada pelo trâmite da reforma da previdência municipal, que ficou para este ano. O texto está nas comissões.
Acaraú
A dinâmica conturbada entre Legislativo e Executivo em Acaraú também tem raízes nas eleições de 2020. Naquele ano, Ana Flávia (PSB), esposa do deputado federal e secretário estadual dos Recursos Hídricos, Robério Monteiro (PDT), foi eleita prefeita.
Ela derrotou Amadeu Neto (PDT), que também teve o apoio da família na disputa. O então candidato é primo do ex-prefeito Alexandre Ferreira Gomes (PDT) e sobrinho do ex-deputado estadual Manoel Duca (Republicanos), o Duquinha, e do ex-deputado federal Aníbal Gomes (PSDB).
O embate entre as duas famílias foi estendido para a Câmara Municipal. Neste mês, a Casa deu posse à nova Mesa Diretora, com Jarbas Nascimento (União) como presidente. Em seguida, vêm Paulo Rocha (União) como vice-presidente e Junior Mundó (PDT) como secretário.
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Apoiador do novo comando da Câmara dos Vereadores, Duquinha fez questão de destacar que Nascimento faz oposição à prefeita Ana Flávia.
“A oposição venceu com uma diferença de três votos e vejo isso como algo bom, pois os poderes devem ser independentes, e a democracia respeitada. Parabéns ao vereador Jarbas, que está no seu primeiro mandato, mas já demonstra muita competência. Desejo a todos uma excelente legislatura”, discursou o deputado na tribuna da Assembleia Legislativa, em dezembro.
Limoeiro do Norte
Em Limoeiro do Norte, mesmo com um vereador da base na presidência do Legislativo, o prefeito José Maria Lucena (PSB) deve enfrentar dificuldades no biênio 2023-2024. Duas chapas da situação foram inscritas para a eleição da Mesa Diretora, mas justamente a de Darlyson de Lima Mendes (Paxá), do PSB, foi a vencedora.
À época, o gestor apoiou Valdemir Bessa (PV), que perdeu a disputa pela diferença de um voto, já que o placar ficou 8 a 7. Paxá, inclusive, foi votado por membros do PL e do PSD, que compõem a oposição. Assim, a base de Lucena foi rachada.
Além de Darlyson, compõem a mesa os seguintes parlamentares: Valdir do Suburbão, como 1º vice-presidente; Flauber Lima Honorato, como 2º vice-presidente; Márcio Michael do Nascimento, como 1° secretário; e George Eric Coelho Vieira e Silva, 2º secretário.
Ipueiras
Em Ipueiras, também há crise na relação entre o Legislativo e o Executivo. O prefeito Júnior do Titico (PSB) vem enfrentando forte desgaste com os vereadores. No episódio mais emblemático, vários serviços públicos no município foram suspensos, em agosto último, devido a um problema orçamentário.
À época, o prefeito enviou à Câmara Municipal um projeto para abrir uma suplementação no Orçamento a fim de garantir o pleno funcionamento das atividades públicas. Os parlamentares, contudo, rejeitaram o texto, afirmando que faltava transparência e detalhamento sobre o montante que seria liberado.
A recusa levou a uma série de embates públicos entre os dois Poderes, o que acentuou a crise instalada na administração.
“Pedimos, além do crédito para pagamento dos servidores, o aumento no limite da suplementação de crédito de 30% para 70%, mas foi negado mais uma vez. O mais interessante é que, nos anos anteriores, a Câmara sempre aprovou 100% para esse limite. Isso deixa claro a má fé por parte desses vereadores de oposição e o interesse de prejudicar a população”, afirmou o prefeito pelas redes sociais.
Júnior ainda teve que lidar, naquele momento, com o comando da Casa na mão de opositores, como o então presidente Raimundo do Charito (PSB). Essa segue sendo uma questão para o gestor, tendo em vista que a nova Mesa Diretora da Câmara também não é composta por aliados.
O novo presidente é Carlito (PSB), com Raimundo como vice. Antonio Dandão e Tereza do Egberto vêm logo em seguida, como 1º e 2º secretários, respectivamente.
A influência do ex-prefeito Neném do Cazuza (PDT), derrotado por Júnior em 2020, sobre alguns vereadores – principalmente o ex e o atual chefe da Câmara Municipal – também reforça a divisão de forças no município.
Em meio às discussões sobre a suplementação, acusou o atual gestor de não ter compromisso com a transparência e responsabilidade sobre os recursos públicos, em aceno à oposição.
“Vejo que os vereadores da bancada de oposição de Ipueiras, mais uma vez, têm dado uma grande demonstração de zelo, compromisso e seriedade no exercício de suas funções”, declarou pelas redes sociais.
Cascavel
O mesmo problema com a suplementação orçamentária foi observado em Cascavel. As discussões sobre o tema mobilizaram parte da população, que chegou a protestar na Câmara Municipal em pressão aos vereadores.
O prefeito Thiago Ribeiro (Cidadania) ainda tentou judicializar o caso, aumentando a tensão com o Legislativo, mas a Justiça rejeitou seu pedido sobre a edição de um decreto para conseguir os recursos adicionais. Aliado a isso, o Parlamento também votou contra a matéria em duas oportunidades.
O texto voltou à Casa e foi pautado pelo então presidente do Legislativo, Professor Adeildo (Cidadania), no fim do ano passado. Na última sessão de 2022, contudo, o plenário não bateu o quórum suficiente para a análise do texto, que teve que ficar para a legislatura seguinte.
Sem o apoio da Câmara, Ribeiro perdeu parte da sua base, o que enfraqueceu a sua investida na nova Mesa Diretora. Em função dos embates com o Legislativo, a vereadora Priscila Lima (Cidadania) deixou o bloco da situação e elegeu-se presidente da Câmara da cidade.