Legislativo Judiciário Executivo

O ineditismo e os impactos da prisão de comandantes das Forças Armadas por tentativa de golpe

Especialistas apontam que o Brasil rompe, pela primeira vez, a lógica de blindagem histórica das altas patentes.

Escrito por
Beatriz Matos, de Brasília producaodiario@svm.com.br
Sala de julgamento com ministros e ministras sentados em uma bancada semicircular de madeira. No centro, há um púlpito vazio voltado para o plenário. Ao fundo, vê-se a bandeira do Brasil e o brasão da República na parede. Diversas pessoas assistem à sessão sentadas nas primeiras fileiras, enquanto câmeras registram o momento.
Legenda: Comandantes das Forças Armadas foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A política brasileira atravessou um momento que deve entrar para os livros de História, e não pelas razões que o país tradicionalmente associa às Forças Armadas.

A prisão inédita de comandantes militares e a execução das penas do chamado Núcleo 1 da tentativa de golpe de Estado não apenas encerraram um processo judicial robusto, como também expuseram uma mudança institucional que o Brasil sempre adiou.  

Nunca houve, na história brasileira, a prisão simultânea de um ex-presidente e de comandantes militares de alta patente por crimes contra o Estado Democrático de Direito. 

No Congresso, a prisão produziu reações opostas: governistas apontam que o cumprimento das penas demonstra o funcionamento das instituições, enquanto a oposição chama o movimento de “golpe institucional”.  

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Para especialistas ouvidos pelo Ponto Poder, o caso rompe uma tradição de impunidade no alto comando militar e sinaliza uma mudança no padrão de relação entre instituições civis e hierarquia castrense. 

Para o cientista político Murilo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), a reação institucional ao episódio revela um ponto de inflexão. “A democracia brasileira, apesar de jovem, mostrou robustez. Os ataques às instituições não foram capazes de pôr em risco a estabilidade democrática brasileira”, afirma.

Segundo ele, “a conjugação entre a contenção institucional nas Forças Armadas e a resiliência do sistema democrático revela um ponto de inflexão na história política brasileira”, marcando a transição para um modelo em que as instituições assumem capacidade de autoproteção. 

Medeiros destaca ainda que o episódio reforça a necessidade de vigilância permanente. “O episódio trouxe à tona o valor de educar a população sobre o exercício da cidadania, o funcionamento das instituições e o respeito às leis”, diz. 

Na avaliação do professor Eduardo Galvão, do Ibmec Brasília, o julgamento só chegou ao topo da cadeia de comando após amadurecimento jurídico, institucional e social. “Golpe não é um ato isolado, é um processo”, afirma.

Para ele, a combinação entre provas robustas, mudança no comando militar e esgotamento da crise criou condições para que o caso avançasse. “A Justiça avança em direção ao topo do poder quando encontra um ambiente institucional e social que sustente esse movimento”, explica. 

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Galvão também aponta que parte do alto oficialato atuou de forma politizada no período. “Eu enxergo um misto de partidarização militar com pretorianismo”, afirma. Ele observa que a condenação tem efeitos políticos amplos. “A condenação não mata o bolsonarismo, mas cobra caro por ele”, diz. 

A dimensão histórica do julgamento também é destacada pelo professor de Direito Penal Tédney Moreira, do Ibmec Brasília. Para ele, a punição rompe com um padrão de ausência de responsabilização. “A condenação recente à tentativa de golpe institucional em janeiro de 2023 é uma verdadeira novidade histórica e um importante avanço na marcha democrática”, afirma.

Ele avalia que a decisão do STF estabelece um novo parâmetro ao submeter militares de alta patente ao controle civil. “O julgamento de militares por um Tribunal não militar demonstra como o corpo militar deve submeter-se à soberania do povo”, diz. 

Moreira considera que o impacto institucional dependerá da execução das penas e do avanço em políticas de reforço à democracia. “Estamos ainda distantes de concretizar uma Justiça de Transição como outros países realizaram”, afirma, citando a Argentina como referência de responsabilização mais ampla. 

Quem são os condenados e quais são as penas 

Generais e ex-ministros militares foram enviados para instalações das Forças Armadas compatíveis com o regime inicial fechado, sob custódia militar e cumprimento de ordem judicial.

Apenas Jair Bolsonaro foi levado para a Superintendência da Polícia Federal em Brasília, enquanto Anderson Torres foi encaminhado ao Complexo da Papuda. Os condenados e suas punições: 

  • Jair Bolsonaro, ex-presidente — 27 anos e 3 meses de prisão, a maior pena entre os condenados. 
  • Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa — 26 anos de prisão. 
  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha — 24 anos de prisão. 
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça — 24 anos de prisão. 
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI — 21 anos de prisão. 
  •  Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército — 19 anos de prisão. 
  • Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Abin — 16 anos, 1 mês e 15 dias de prisão. 

Os sete réus desse grupo foram condenados por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.  

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