Legislativo Judiciário Executivo

Hora de contar votos: é necessário o apoio de quantos fortalezenses para eleger um vereador?

Cálculo para a disputa por uma cadeira da Câmara Municipal envolve não só a performance individual, mas também a soma de votos do partido

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Câmara Municipal de Fortaleza
Legenda: Eleição para a Câmara Municipal envolve cálculos que vão da votação total dos partidos a performance individual de cada candidato
Foto: Érika Fonseca/CMFor

A janela partidária — período em que os vereadores podem mudar de partido sem risco de perda de mandato — tem movimentado os bastidores da Câmara Municipal de Fortaleza. A perspectiva é de que quase metade dos vereadores mudem de partido até o próximo dia 5 de abril — prazo final também para filiações de outras lideranças políticas que pretendem concorrer a uma cadeira no parlamento municipal. 

Os fatores para mudar — ou permanecer — nos partidos são diversos. O alinhamento com o grupo político, a afinidade ideológica e, claro, se o partido integra a base aliada ou a oposição ao prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), influenciam diretamente na decisão. Mas um elemento fundamental para a escolha é a montagem da chapa de pré-candidatos a vereador de cada partido — e os cálculos envolvidos para garantir a melhor chance de eleição para uma cadeira na Câmara Municipal. Mas quantos votos são necessários para ser eleito vereador de Fortaleza? 

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"A pergunta não deve ser com quantos votos o candidato foi eleito. Deve ser quantos votos o partido tirou", resume o membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Fernandes Neto. A referência é ao sistema proporcional, responsável por eleger, em 2024, os vereadores. 

O modelo é distinto — e mais complexo — do que aquele usado para a escolha de prefeitos. Para comandar a Prefeitura, o candidato precisa do apoio de metade dos eleitores mais um — ou seja, a maioria simples dos votos válidos daquela votação. O cálculo para ocupar uma cadeira na câmara municipal, por outro lado, passa por mais etapas. 

E como é feito esse cálculo?

A primeira destas etapas, como citou Fernandes Neto, é calculada a partir dos votos do partido. Isto porque a distribuição de cadeiras é feita entre as agremiações partidárias a partir do quociente eleitoral — valor obtido da divisão dos votos válidos para vereador pelo número de cadeiras na Câmara Municipal. 

Em 2020, por exemplo, foram 1.278.545 votos válidos na Capital cearense. Ao dividir este valor pelas 43 vagas da Câmara Municipal de Fortaleza, foi obtido um quociente eleitoral de 29.734 votos. É a partir deste valor que vai ser feita a distribuição das cadeiras entre os partidos. 

O total de votos de uma sigla — somados os votos dos candidatos e os votos de legenda — é dividido pelo quociente eleitoral. O resultado desse cálculo representa o número de vagas a que terá direito o partido ou federação partidária. Usando o quociente eleitoral de 2020 como métrica, se um partido somar exatos 29.734 votos, ele conquista uma cadeira na Câmara Municipal de Fortaleza. Se o total de votos for 297.340, a sigla terá direito a dez vagas. 

Contudo, quase nunca, os resultados dessa divisão são exatos. Em regra, após essa primeira distribuição de cadeiras entre os partidos, é comum que 'sobrem' vagas nas casas legislativas, as chamadas sobras eleitorais — que possuem regras próprias para distribuição.
 
"Ficou estabelecido que o cômputo da representação proporcional tem três fases", detalha Fernandes Neto. A primeira delas é a que explicamos anteriormente — soma dos votos do partido dividido pelo quociente eleitoral — enquanto as duas últimas se referem às sobras. 

Para participar da segunda fase da distribuição, os partidos precisam somar, pelo menos, 80% do quociente eleitoral. Na terceira fase, as últimas vagas — 'as sobras das sobras' — podem ser distribuídas dentre todos os partidos, independente da quantidade de votos obtidos por eles. 

As regras para a distribuição das sobras eleitorais é recente. A exigência para que o partido alcance 80% do quociente eleitoral, por exemplo, foi estabelecida em reforma eleitoral de 2021 e será aplicada pela primeira vez em eleições municipais neste ano. Já a decisão de que todos os partidos poderiam participar da última fase de distribuição foi tomada no final de fevereiro deste ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF)

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Quantos votos o candidato precisa ter?

Apesar da regra do sistema proporcional estabelecer uma distribuição de cadeiras de vereador de acordo com a votação total dos partidos, também existem regras específicas de votação de cada candidato à Câmara Municipal — vinculadas, mais uma vez, ao quociente eleitoral. 

Em Fortaleza, vereadores e dirigentes partidários projetam que este quociente deve variar entre 30 mil e 32 mil votos na eleição de 2024. A projeção deve ficar mais precisa após o encerramento do período de cadastro eleitoral, no dia 8 de maio. Depois dessa data, a Justiça Eleitoral deve divulgar quantos eleitores estarão aptos a ir às urnas em outubro. 

Se o quociente eleitoral ficar em 30 mil votos, por exemplo, na primeira fase da distribuição das cadeiras, um partido que obtenha 300 mil votos terá direito a dez cadeiras. Estas vagas serão ocupadas, em ordem, pelos mais votados daquele partido — ou federação.

Contudo, para ocupar a cadeira, o candidato tem que ter obtido, sozinho, pelo menos 10% do quociente eleitoral — uma soma de 3 mil votos, se usada como referência um quociente eleitoral de 30 mil votos. Essa é a primeira "linha de corte" que os candidatos precisam ultrapassar. 

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Porém, não é esse o piso que tem sido considerado por parlamentares e dirigentes partidários na hora de fazer os cálculos. "Aqueles que estão na 'cabeça' da chapa teriam que, pelo menos, ultrapassar os 20% do quociente eleitoral que, no caso, trabalhando com o quociente eleitoral a partir de 32 mil votos, teríamos que ter acima de 6,4 mil", estima o vereador Jorge Pinheiro (PSDB). 

Ele não foi o único a ter como referência os 20% do quociente eleitoral. O líder do PSB na Câmara Municipal de Fortaleza, Léo Couto (PSB), o presidente do União Brasil no Ceará, Capitão Wagner, e o presidente do PT Fortaleza e deputado estadual em exercício, Guilherme Sampaio (PT), são alguns dos que usam essa mesma 'linha de corte' ao fazer as projeções para os próprios partidos. 

"A ideia com essa mudança dos 20% é de que esse ano a gente vai precisar ter uma votação mais elevada do que em anos anteriores”, pondera Léo Couto. "Eu tenho sempre orientado os meus companheiros que estão na disputa como pré-candidatos que devem buscar ter pelo 5 mil votos, mas que o ideal é a meta de 6 mil votos, até pela primeira regra das sobras eleitorais", relata Sampaio.

A regra citada por eles diz que, para concorrer às sobras eleitorais, é necessário que o partido alcance 80% do quociente eleitoral e o candidato tenha obtido, pelo menos, 20% desse valor — o que pode variar entre 6 mil e 6,4 mil votos, segundo as projeções feitas ao Diário do Nordeste.  

Cenários diferentes em cada partido

Entre os que estão diretamente envolvidos na construção das chapas para a Câmara Municipal, a maioria projeta, portanto, que os candidatos irão precisar superar os 6 mil votos para terem a possibilidade de serem os titulares de um mandato no legislativo municipal. Contudo, o valor não é unanimidade. 

A singularidade do sistema proporcional possibilita uma diversidade de cenários de acordo com o partido. Isso porque, a disputa proporcional é feita em dois níveis: os partidos disputam entre si as cadeiras da Câmara Municipal. E os candidatos disputam com os correligionários quem irá ocupar as vagas conquistadas pela própria legenda. Por isso, é comum que os votos necessários para o candidato ser eleito varie de acordo com a agremiação partidária pela qual ele concorre a eleição. 

Maior bancada da Câmara Municipal de Fortaleza, o PDT possui a maior 'linha de corte' entre as legendas. "Eu penso que deve ser entre 7,5 mil e 8 mil para a disputa da última vaga (pelo PDT). É mais uma estimativa pessoal", calcula o líder do Governo Sarto na Câmara, Iraguassu Filho (PDT). Em 2020, o último vereador a conseguir uma vaga titular pelo PDT foi Raimundo Filho (PDT), que recebeu 8,7 mil votos. 

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Presidente municipal do Republicanos, o vereador Ronaldo Martins calcula que o piso de votos do partido deve variar entre 5,8 mil e 6 mil. "Na pandemia, com tudo fechado, eu tirei 31.840 votos. Eu acredito que agora eu passe dos 40 mil, ajudando assim a puxar mais vereadores", argumenta. 

Presidente do PRD Ceará e vereador de Fortaleza licenciado, Michel Lins estima, por outro lado, que a chapa de candidatos do PRD deve ser a que elegerá "novamente com a menor quantidade de votos". Em 2020, Lins estava à frente do Cidadania e, dos três vereadores eleitos pelo partido naquele ano, dois estiveram nas últimas colocações da lista, com votações inferiores a 4 mil votos. 

O parlamentar projeta que será possível fazer um vereador direto com uma votação entre 3,5 mil e 4 mil votos, mas não descarta que até um candidato com número de votos menor possa ter sucesso — na chapa do PRD — para conquistar uma vaga na Câmara Municipal. 

Impacto das mudanças nas regras

Apesar de não ter sido aprovada nenhuma reforma eleitoral para as eleições de 2024, as mudanças feitas em 2021 devem ser aplicadas pela primeira vez em disputas municipais e podem favorecer — ou prejudicar — candidatos e partidos. A primeira delas, como dito anteriormente, diz respeito aos cálculos. 

A nova regra de distribuição das sobras eleitorais — no modelo 80-20 — pode fortalecer partidos que montam chapas com candidatos de maior potencial de votos. "Como nos partidos pequenos fica mais complicado de atingir (os percentuais exigidos), tanto a gente (União Brasil) como outros partidos maiores vão acabar conseguindo mais vagas", considera Capitão Wagner.

A estimativa do ex-deputado é de que a chapa do União Brasil consiga fazer entre 140 mil e 150 mil votos, conquistando uma bancada entre 7 e 8 vereadores. Para isso, uma das estratégias será a pré-candidatura de ex-deputados, como Vaidon Oliveira e Soldado Noelio, e também a negociação com vereadores que estão no mandato.

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Iraguassu Filho exemplifica o impacto que a mudança pode ter nas bancadas. "Com a perspectiva de repetir a quantidade de votos de 2020, a gente teria possibilidade de fazer entre 13 e 14 vagas", contabiliza. Em 2020, o PDT teve cerca de 239 mil votos e fez uma bancada de 10 vereadores. 

"É mais difícil principalmente para aqueles partidos que são menores. A gente pega, por exemplo, um partido com nomes que não têm 20% (do quociente) e que chega a 80 mil votos. Eles poderiam fazer quatro vereadores, mas como a chapa pequena é feita por vários candidatos com 3 mil ou 4 mil votos, em vez de fazerem os quatro, que seria possível com um partido grande, só vão fazer dois", detalha Jorge Pinheiro. 

Para 2024, o número máximo de candidatos na chapa de vereador também mudou, diminuindo para 44. Em 2020, cada partido poderia lançar até 64 candidaturas. Outra novidade é que esta será a primeira vez que as federações partidárias participam da disputa municipal.

"(Na federação) Conta junto (os votos). A federação é boa por isso porque acaba que os dois partidos se fortalecem de acordo com o seu montante de votos. Então a nossa expectativa é boa", explica Adriana Geronimo (Psol), co-vereadora do mandato coletivo Nossa Cara. O Psol forma uma federação junto com a Rede Sustentabilidade. 

A meta, segundo ela, é que a chapa para a Câmara Municipal obtenha, pelo menos, 60 mil votos para eleger uma bancada de dois vereadores para a federação — que participa da eleição como um só partido. Além da federação Psol-Rede, também irão participar da disputa, em 2024, as federações formadas por PSDB e Cidadania e por PT, PV e PCdoB

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