Legislativo Judiciário Executivo

Graça dada por Bolsonaro a Daniel Silveira não anula inelegibilidade; veja opinião de juristas

Decreto presidencial perdoaria somente os "efeitos primários" da condenação, como a prisão em regime fechado

Escrito por Luana Severo ,
O deputado federal Daniel Silveira está de terno preto e gravata azul com expressão séria.
Legenda: Daniel Silveira foi condenado a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Foto: Evaristo Sá/AFP

O presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu graça ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado nesta quarta-feira (20) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes contra a segurança nacional, a honra do Poder Judiciário e a ordem política e social do Brasil. Contudo, embora o “perdão” livre o parlamentar bolsonarista de cumprir a pena de quase nove anos de prisão em regime fechado, não muda sua condição de inelegibilidade

O Diário do Nordeste ouviu três juristas, dois da área de constitucionalidade e um da área eleitoral, para entender os efeitos jurídicos e políticos da decisão de Bolsonaro, que inflama as relações já conturbadas entre Executivo e Judiciário e é inédita na história do País

Inelegibilidade


Segundo a presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Arsênia Breckenfeld, a graça concedida tem efeito somente sobre a pena. “Os efeitos externos, como a inelegibilidade, são mantidos”, assegura a jurista. 

De acordo com a súmula 631 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é a interpretação que o órgão dá à lei, graças ou indultos “extinguem os efeitos primários da condenação (ou seja, a principal finalidade da sentença condenatória, como privação de liberdade, multa ou restrição de direitos, por exemplo), mas não atingem os efeitos secundários, penais ou extrapenais”. 

Advogado e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), André Xerez reforça que o perdão se restringe à esfera penal, não se confundindo com as consequências políticas. 

A Lei da Ficha Limpa considera inelegíveis por oito anos desde a condenação “os que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. 

O processo de Silveira ainda estava em trânsito, ou seja, ainda havia possibilidade de a defesa do parlamentar interpor recurso contra a condenação. No entanto, o perdão decretado por Bolsonaro interrompeu esse processo e pode, também, ser questionado juridicamente. “Há correntes (jurídicas) que defendem que não é possível esse ato presidencial antes do trânsito em julgado, sob pena até de crime de responsabilidade”, explica André Xerez. 

“A gente percebe que existem alguns limites questionáveis em relação ao momento em que foi dado (o indulto), à finalidade do ato”, compreende Arsênia Breckenfeld. Para ela, não se pode retirar um trecho da Constituição — no caso, o direito do presidente de conceder o benefício — e descartar todo o resto que deve embasar a tomada de decisão. 

No entanto, de acordo com os juristas, cabe, agora, ao STF, a análise do decreto para investigar se há nele inconstitucionalidade. “O mais importante é o STF dar o recado de que seus julgamentos são isentos, técnicos e coerentes com sua jurisprudência, para não reforçar na sociedade que o tribunal se baseia em revanchismo ou perseguição”, aponta Xerez. 

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Nesta sexta-feira (22), o partido Rede protocolou no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para o órgão se debruçar sobre a constitucionalidade do decreto. O processo foi para o gabinete da ministra Rosa Weber, sorteada para ser relatora. 

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) havia dito desde a última quinta-feira (21) que recorreria e protocolaria a ADPF. Outros partidos também poderiam ter tido a iniciativa. 

Indulto ou graça? 


As “graças” ou “indultos” são perdões concedidos por decreto do presidente da República a uma ou mais pessoas, respectivamente, que tenham sido condenadas após trânsito em julgado, ou seja, após esgotadas todas as possibilidades de interposição de recurso. 

Tradicionalmente, são concedidos “indultos natalinos” pelo presidente a pessoas condenadas que se enquadrarem nas condições da lei e que já estejam cumprindo suas penas. “Graças” como a concedida por Bolsonaro a Silveira, ou seja, a uma só pessoa, são bem mais raras. 

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“A Constituição não determina que (o indulto ou a graça) seja concedido antes ou não do trânsito em julgado. Via de regra, só se concede após o esgotamento dos recursos, mas não há uma proibição na constituição sobre isso”, entende o advogado, procurador do Município e ex-Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Saulo Santos. 

Desvio de finalidade e impessoalidade 


O ineditismo da situação impõe um desafio jurídico.  

Santos vislumbra duas teses possíveis: a primeira, de que o ato presidencial seria legal, baseado na defesa da liberdade de expressão; e, a segunda, de que o presidente não poderia praticar atos que indiquem desvio de finalidade ou que firam o princípio da impessoalidade, uma vez que o condenado beneficiado com o perdão é notoriamente partidário do presidente. 

“O STF vai analisar os limites do decreto, se foram atendidos ou não. Provavelmente vai se debruçar sobre a legalidade, se os requisitos formais foram atendidos. Posso controlar a finalidade, a competência, a legalidade, mas a motivação do presidente em conceder ou não, dentro dos limites, não seria objeto de análise”, complementa Arsênia Breckenfeld. 

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“A suposta ilegalidade que se coloca seria pelo desvio de finalidade, o que não configura um parâmetro claro de nulidade de um ato dessa natureza. O Supremo vai avaliar se os crimes indultados são os que a Constituição autorizou. Esses são os limites”, explica Xerez. 

Santos lembra ainda que, como Bolsonaro recorreu a justificativas gerais, ele tangenciou o decreto, apesar de tratar de uma só pessoa. “Tentou abstrair a individualidade da pessoa do Daniel Silveira e levar mais defesa da imunidade parlamentar e a liberdade de expressão”. 

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