Legislativo Judiciário Executivo

Em 20 anos, Alece teve apenas uma CPI para tratar de questões de segurança pública

Tema motiva debates e projetos na Assembleia Legislativa do Ceará, mas investigações ainda encontram resistência.

Escrito por
Marcos Moreira marcos.moreira@svm.com.br
Plenário 13 de Maio da Assembleia Legislativa do Ceará durante votação.
Legenda: Assembleia Legislativa do Ceará teve oito CPIs nos últimos 20 anos, mas apenas uma para tratar de segurança pública.
Foto: Dário Gabriel/Alece.

Nos últimos 20 anos, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) instalou apenas uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar questões de segurança pública, por meio do colegiado que tratou do motim da Polícia Militar (PM) em 2020. Nesse período, embora a Casa tenha registrado pedidos e articulações entre os deputados, apurações do tipo não têm avançado.

Em 2005, os parlamentares cearenses protagonizaram a chamada “CPI do Extermínio”, na qual investigaram a existência de um grupo de execução formado por policiais militares a serviço de uma rede de farmácias de Fortaleza. Os agentes teriam matado mais de 20 adolescentes suspeitos de furto ou roubo contra unidades da empresa. O relatório final da Comissão pedia o indiciamento de 13 pessoas, sendo o caso levado à Justiça comum.

Desde então, o tema da segurança pública só foi pauta da “CPI das Associações Militares”. O colegiado foi instalado em 12 de agosto de 2021, com o objetivo de investigar o possível uso ilegal de repasses das entidades cearenses no motim da PM no Ceará em fevereiro de 2020.

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CPIs foram instaladas pela Assembleia do Ceará nos últimos 20 anos, sendo apenas uma para tratar de segurança pública

A iniciativa foi uma reação dos deputados da base governista para investigar a ala da categoria envolvida no movimento paredista. Os parlamentares apontaram que havia indícios de que os recursos recebidos pelas associações ligadas à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros do Estado do Ceará estavam sendo usados para fins eleitoreiros e para financiar os atos.

Reunião da CPI das associações militares
Legenda: Deputados Queiroz Filho (vice-presidente), Salmito (presidente) e Elmano de Freitas (relator) integraram o núcleo da CPI das associações militares da Alece
Foto: Fabiane de Paula/SVM

Depois de mais de um ano de trabalho, a CPI indiciou três representantes da Associação dos Profissionais de Segurança (APS), a maior entidade representativa de policiais e bombeiros no Ceará, por crimes de motim e tráfico de influência. A relatoria era do então deputado estadual Elmano de Freitas (PT), atual governador do Estado. 

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SOLICITAÇÕES PARADAS

A pauta da segurança pública tem ganhado espaço nos debates entre governistas e opositores na Alece, a partir de proposições do Executivo no enfrentamento à violência e em mudanças estruturais das forças de segurança. No entanto, a temática enfrenta resistência para ser trabalhada por meio de investigação parlamentar. 

Na atual legislatura, iniciada em 2023, nenhuma Comissão com a temática da segurança foi instalada. Nesse período, apenas a CPI da Enel avançou no Parlamento estadual. Instaurado em agosto de 2023, o colegiado investigou supostas irregularidades e o descumprimento de cláusulas contratuais por parte da companhia, culminando no pedido de caducidade do contrato de concessão — medida que não foi concretizada.

Em retorno ao PontoPoder, a Assembleia Legislativa informou que, na atual legislatura, cinco Comissões Parlamentares de Inquérito foram protocoladas, mas apenas a CPI da Enel foi instalada. A reportagem aguarda o retorno da Alece sobre o detalhamento das solicitações formalizadas no período.

O restante dos pedidos de CPI ainda depende de parecer da Procuradoria da Casa, segundo a Alece. O órgão precisa dar o aval depois da solicitação reunir o número mínimo de assinaturas de deputados. Em seguida, a instalação do colegiado precisa ser pautada pelo presidente da Alece, última etapa antes dos líderes dos partidos indicarem os membros que irão fazer parte da Comissão.

CPIs instaladas no Ceará desde 2005

  1. CPI dos Desmontes — 2005/2006
  2. CPI da Exploração Sexual — 2005
  3. CPI do Extermínio — 2005
  4. CPI da Coelce — 2009
  5. CPI da Telefonia Móvel — 2013/2014
  6. CPI do Seguro DPVAT — 2015/2016
  7. CPI das Associações de Militares — 2021/2022
  8. CPI da Enel — 2023/2024

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PEDIDO MAIS RECENTE

Ao longo dos últimos anos, porém, a Assembleia Legislativa tem registrado articulações por CPIs para tratar de segurança pública, principalmente em relação ao crime organizado. A solicitação mais recente nesse sentido foi apresentada na última quarta-feira (5), pelo deputado estadual Cláudio Pinho (PDT). O parlamentar da oposição busca a investigação da Casa acerca dos casos de expulsões de moradores por facções criminosas no Ceará. 

Conforme mostrou o Diário do Nordeste, um relatório da Polícia Civil apontou que o Ceará registrou 219 ocorrências desse tipo entre janeiro de 2024 e setembro de 2025, o que dá a média de uma expulsão a cada três dias, aproximadamente. Por outro lado, as forças de segurança no Ceará apontam que prenderam, de agosto até o início deste mês, 36 suspeitos de integrar facções criminosas responsáveis pelos atos.

No requerimento para a abertura da investigação na Alece, Cláudio Pinho indica que a finalidade será verificar as condições em que vêm ocorrendo essas situações de desalojamento, identificar possíveis “omissões administrativas e institucionais” e propor medidas legislativas e administrativas de combate. 

No entanto, o pedido do parlamentar encontra resistência na Alece e ainda busca assinaturas para além da ala opositora ao Governo Elmano de Freitas (PT) para ser protocolado. Cláudio Pinho também alega que a Casa aprovou uma medida para tentar dificultar que a oposição consiga o apoio necessário para a instalação de CPIs.

Atualmente, a instalação de uma Comissão de Inquérito necessita das assinaturas de pelo menos 12 deputados para ser protocolada — ¼ do total de vagas da Casa. No entanto, os parlamentares aprovaram, também na sessão da última quarta, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que sobe esse índice mínimo para 16 apoios (⅓). A atualização é de autoria do presidente da Alece, Romeu Aldigueri (PSB) e foi aprovada por aclamação, quando não há votação individual, mas um consenso entre os presentes.

Após a validação do plenário, Romeu Aldigueri defendeu que a PEC se trata de uma “correção histórica”, a partir de uma decisão de mesmo teor do Supremo Tribunal Federal (STF), e foi aprovada com o apoio, inclusive, da oposição. “Isso é um posicionamento constitucional da Casa. Cabe aos pares, enfim, caso qualquer deputado ou deputada possa requerer, se ele conseguir o número de assinaturas, a Casa sempre irá se posicionar, como fez agora recentemente, inclusive na CPI da Enel”, pontuou. 

Na ocasião, acerca do pedido da CPI contra a expulsão de moradores por facções, Aldigueri disse apenas que não havia tomado conhecimento se o deputado teria coletado o número suficiente de assinaturas para o requerimento ser protocolado. Já ao ser questionado se caberia à Casa uma investigação do tipo, o presidente salientou que é preciso “despolitizar” esse tema, defendendo que a questão da segurança pública é transnacional e cobrando ações integradas a nível federal.

“É lógico que é uma Casa política, as pessoas têm direito a já pensar na eleição. Eu não estou preocupado com a eleição agora, eu estou preocupado que o governador Elmano entregue todos os compromissos de campanha que ele fez ao se eleger no primeiro turno. Ele está fazendo isso”
Romeu Aldigueri
Presidente da Alece

Questionado pelo PontoPoder sobre o atual panorama de apoios, Cláudio Pinho relatou que o sistema eletrônico da Assembleia não está aceitando assinaturas. “Estou tentando identificar a falha”, pontuou. O parlamentar já havia afirmado que conseguiu um acordo com a presidência da Casa para o que estiver protocolado antes da PEC, ainda seja respeitado o atual número mínimo de 12 assinaturas. 

TENTATIVAS FRUSTRADAS

A Assembleia registrou, de 2005 até aqui, pelo menos outras duas tentativas de investigação no âmbito da segurança pública que não avançaram. As empreitadas partiram de uma solicitação da deputada Rachel Marques (PT), que protocolou um pedido pela abertura da “CPI do Narcotráfico”, em 2015. 

No primeiro momento, ainda em 2015, a medida foi vista como uma “manobra” da base governista. Naquele ano, deputados da situação se anteciparam e protocolaram outros requerimentos para instalação das CPIs do DPVAT, do narcotráfico e da exploração sexual.

A ação barrou o pedido da oposição por Comissão sobre a construção do Acquário, que foi para o “último lugar na fila de espera”, já que o Regimento Interno da Alece estabelece que só três pedidos de CPIs sejam analisados por vez. À época, Rachel Marques justificou dizendo que havia proposto um projeto de lei sobre a pauta e acabou “entrando no tema” para protocolar o colegiado sobre o narcotráfico.  

Capa do jornal Diário do Nordeste em 14 de março de 2018.
Legenda: Faltou apoio para Alece instalar CPI do Narcotráfico em 2018.
Foto: Arquivo DN.

Em 2015, a medida não avançou. Posteriormente, a possível instalação da CPI recebeu apoio da oposição e começou a ganhar força na Casa em 2018, ano de eleições gerais. No entanto, a proposta acabou sendo arquivada. 

Em 2018, o então presidente da Casa, deputado Zezinho Albuquerque (PP), anunciou que a proposta já não tinha o número mínimo de assinaturas para a criação do colegiado. Além disso, como mostrou o Diário do Nordeste, a maioria dos deputados sempre se mostrou contra a investigação por medo de sofrer atentados. 

À época, as articulações ficaram marcadas por embates entre o então deputado estadual Capitão Wagner (União) e o então líder do Governo na Casa, Evandro Leitão (PT), atual prefeito de Fortaleza. 

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