Quais os desafios para Lula e Bolsonaro na disputa de 2º turno no Ceará

Com o acirramento nas urnas no 1° turno, os presidenciáveis têm que se desdobrar para conquistar lideranças e eleitores que ficaram de fora da polarização

Com os resultados das urnas evidenciando a polarização acirrada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno, os candidatos têm um amplo desafio pelos próximos dias que antecedem o segundo turno, marcado para 30 de outubro.

Agora, eles devem mirar seus arsenais para atrair os que votaram em outros candidatos ou branco e nulo, além de tentar conter uma escalada ainda maior de abstenções.

Com 100% das urnas apuradas no domingo (2), Lula conquistou 57.259.504 eleitores, enquanto Bolsonaro alcançou 51.072.345. Os valores representam 48,43% e 43,20% dos votos válidos, respectivamente.

O resultado mostra o desempenho do atual chefe do Executivo acima do que previam as últimas pesquisas de intenções de voto, que mostravam uma distância maior entre os dois, com o petista pontuando na liderança e com possibilidade de vitória ainda no primeiro turno.

Não só o desempenho de Bolsonaro chamou atenção, como também o efeito do bolsonarismo. Para a Câmara dos Deputados, o PL elegeu a maior bancada para 2023: 99 deputados. Atualmente, o partido tem 77. O PT foi o segundo que mais elegeu deputado: 68. Hoje, a legenda tem 56.

No Senado Federal, o PL também vai ter a maior bancada a partir de fevereiro de 2023. A sigla fez 8 senadores, totalizando 13 representantes na Casa no ano que vem. O PT, todavia, conquistou 4 cadeiras nessa eleição e vai ter 9 assentos ao todo.

Para o sociólogo Jonael Pontes, a votação do ex-presidente é dentro do esperado, tendo em vista que os 48% dos votos válidos obtidos por Lula estão dentro da margem de erro que as pesquisas apontavam. A surpresa, para ele, foi o desempenho de Bolsonaro – que cresceu acima da margem de erro. O resultado revela um voto útil que também se converteu em apoio ao mandatário com a onda de vira voto no primeiro turno.

"Eu acredito que a surpresa tenha sido a quantidade expressiva de votos que Bolsonaro conseguiu e, sobretudo, o fortalecimento da bancada do PL. O PL hoje tem a maior bancada do Senado e da Câmara"
Jonael Pontes
Sociólogo

Desafio no Ceará

No Ceará, o deputado federal eleito mais votado é do PL e um dos aliados de primeira ordem do presidente Bolsonaro. Ao todo, o partido do presidente elegeu cinco federais, enquanto o PT fez três. Na Assembleia Legislativa, o mais votado também é um bolsonarista. Lá, o PL conquistou quatro vagas. O PT, oito.

Apesar de ter eleito os deputados mais votados, o presidente teve um desempenho pouco expressivo frente ao ex-presidente Lula no Ceará. Bolsonaro obteve 25,38% dos votos válidos no Estado, enquanto Lula conquistou 65,91% dos votos válidos. 

Além disso, no Ceará, os cearenses elegeram um governador petista no primeiro turno, Elmano de Freitas, com 54% dos votos válidos. O senador eleito também é do PT e uma das maiores lideranças políticas no Estado. Nesta eleição, Camilo Santana foi eleito para ocupar uma cadeira no Senado com 69,76% dos votos válidos – a maior quantidade de votos para o cargo na história do Estado.

Para a coordenadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Monalisa Soares, com a definição da eleição para o Palácio da Abolição ainda no primeiro turno, Lula e Bolsonaro terão o desafio de manter a mobilização de aliados até o dia 30 – já que, individualmente, os postulantes ao Executivo Estadual e Legislativo já obtiveram sucesso nas urnas.

Para Lula, o desafio é ainda maior, conforme projeta Monalisa, tendo em vista que ele conquistou um percentual alto de votos no Estado.

"Os desafios do Lula são expressivos. (...) Como é que a sua base aqui, seus aliados, o senador eleito Camilo, o governador eleito Elmano e todo um grupo de deputados e deputadas eleitos vão conseguir se manter mobilizados para que não escape nenhum voto para o seu opositor, o presidente Bolsonaro?"
Monalisa Soares
Coordenadora do Lepem UFC

Quanto a Bolsonaro, a coordenadora do Lepem aponta que o desafio é diminuir a diferença de votos entre ele e Lula no Estado.

"O desafio dele é tentar escalar esse grande muro de diferença que está posto entre ele e o ex-presidente Lula, considerando que a gente teria que ver especialmente como vai ficar essa divisão dos votos de Ciro Gomes no Ceará, que tem relativa expressão no terceiro lugar. Então, quantos ciristas vão para o Lula e quantos conseguem ir para o Bolsonaro?", questiona

Tom incisivo

Para a professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e pesquisadora do Observatório das eleições (INCT/UFMG), Luciana Santana, haverá uma força-tarefa para "virar voto" muito intensa – que deve refletir em um tom mais agressivo nas campanhas dos adversários no segundo turno.

A tática deve buscar, principalmente, os eleitores que votaram em Simone Tebet (MDB), que ficou em terceiro com 4,16% (4.915.423) dos votos válidos, e de Ciro Gomes, que ficou em quarto com 3,04% (3.599.287) dos votos válidos.

Berço político do pedetista, Ciro teve 6,80% dos votos válidos no Ceará – o que representa 369.222 eleitores. Já Tebet foi escolhida por 66.214 cearenses.

"Bolsonaro tem que percorrer um caminho maior, não apenas angariar apoio, mas tirar voto de Lula. Ele vai fazer os investimentos que ele tem, utilizando a máquina administrativa que está à sua disposição. A gente pode esperar muitas medidas que têm impacto econômico, de reaquecer o antipetismo no Brasil, de se colocar como defensor do combate à corrupção"
Luciana Santana
Professora de Ciência Política da Ufal

"No caso de Lula, ele vai precisar manter o eleitorado que já o apoiou no primeiro turno, tentar angariar outros apoios – especialmente daqueles eleitores que votaram no Ciro, na Simone (Tebet) ou aqueles que ainda não compareceram às eleições para votar no primeiro turno e que possam votar no segundo turno", complementa.

Papel das lideranças

Para tentar conquistar mais votos no Estado, os especialistas apontam a necessidade das forças políticas locais continuarem atuantes – tanto os eleitos como os que saíram derrotados. Além disso, eles destacam a importância de atrair apoio de lideranças locais que ficaram de fora da polarização na eleição presidencial.

Todavia, conforme explica o sociólogo Jonael Pontes, o cenário no Ceará é mais favorável ao ex-presidente Lula – tendo em vista o alto percentual de votos obtidos por ele, além da eleição de Elmano e Camilo. Além disso, o pesquisador destaca o fortalecimento de forças políticas no Estado, mesmo após o rompimento com o PDT no primeiro turno, o que deve atrair votos para Lula.

Segundo eles, essas forças que antes estavam neutra devem se unir na corrida presidencial.

"Por exemplo, Ivo Gomes e Cid Gomes preferiram ficar dentro do cenário estadual e continuaram a aliança com Camilo Santana. Izolda adotou uma postura mais neutra e, por outro lado, o Elmano é uma figura que congrega duas forças importantes: Camilo Santana e Luizianne Lins. Então, ele é um nome de consenso no PT estadual"
Jonael Pontes
Sociólogo

Já Monalisa Soares aponta que o desafio de Bolsonaro vai ser engajar em prol de sua candidatura aqueles aliados que estão ali por mera conveniência partidária, como alguns deputados eleitos. Em paralelo, os que são ideologicamente alinhados com o presidente devem "cair de corpo e alma" na campanha do candidato do PL.

"Eu acho que os ideológicos vão se manter engajados, interessa muito a eles uma releeição. Agora, a gente vai precisar ver esse universo de deputados e deputadas eleitas que não têm esse aprofundamento ideológico com o presidente: qual vai ser a performance deles do ponto de visto de mobilização e busca de votos para o presidente Bolsonaro depois que esse processo já está encerrado?"
Monalisa Soares
Coordenadora do Lepem UFC

Posicionamentos no Ceará

Diante desse contexto, tanto Bolsonaro como Lula já tiveram respostas positivas no Ceará após o resultado do primeiro turno. Nesta segunda-feira (3), o deputado federal Capitão Wagner (União) declarou apoio a Bolsonaro. Wagner foi candidato ao Governo do Ceará e obteve 31,72% dos votos válidos, figurando em segundo na disputa.

Durante a campanha, no entanto, o deputado federal evitou se posicionar sobre a corrida presidencial, mesmo após Bolsonaro demonstrar apoio à sua candidatura. Agora, ele entra oficialmente no palanque do presidente.

No início da tarde desta terça-feira (4), o PDT de Ciro Gomes declarou que irá apoiar o ex-presidente. De acordo com o presidente nacional da agremiação, Carlos Lupi, Ciro "endossou integralmente" a decisão, que foi "unânime".

No Ceará, o MDB já faz campanha para Lula desde o início da corrida presidencial. No Estado, a legenda, que é presidida por Eunício Oliveira (eleito deputado federal), foi liberada para se posicionar livremente na disputa presidencial.

Já a executiva nacional do PSDB liberou os diretórios estaduais para decidirem sobre suas posições no segundo turno. No Ceará, os tucanos têm o senador Tasso Jereissati como uma forte influência nacional e estadual.