Fundo Caatinga e emendas parlamentares pressionam Congresso contra a desertificação no Nordeste
Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e outras iniciativas demandam novos instrumentos financeiros e regulatórios, que passam pelo Legislativo.
Na levada do Plano de Ação Brasileiro (PAB) de Combate à Desertificação e de encaminhamentos da 30ª Conferência do Clima (COP 30), o Congresso Nacional tem discutido iniciativas pontuais de proteção do semiárido. A mais recente busca criar o Fundo Caatinga, que deve ser usado em sua totalidade para o combate à desertificação e à degradação da terra e para a mitigação dos efeitos da seca nos próximos anos.
É o que prevê o Ministério do Meio Ambiente (MMA) no novo PAB, lançado em 2024, em suas metas de médio e longo prazo. A estratégia prevista para os próximos 20 anos conta com objetivos e ações transversais para neutralizar esse fenômeno, utilizando-se de instrumentos financeiros e regulatórios. Essa discussão passa pelo Poder Legislativo de diferentes maneiras.
No tocante à regulamentação, aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 504/2010, que corrige invisibilidade histórica e reconhece a Caatinga e o Cerrado como biomas de patrimônio nacional, é uma das metas de curto prazo do PAB.
Inicialmente, a previsão era ter esse encaminhamento até o fim de 2025, mas o calendário pode ser estendido até 2027.
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Também no próximo biênio, a meta é atualizar a Política Nacional de Combate à Desertificação e apresentar projetos ao Congresso com normas específicas para a proteção não só da Caatinga, como do Cerrado, da Amazônia, dos Pampas e do Pantanal.
A concretização de muitos desses objetivos depende de aportes financeiros. Além da criação de fundos específicos, o MMA busca reforçar seu orçamento com recursos internacionais – alguns exigem anuência do Parlamento – e, internamente, com emendas parlamentares.
Esta é a última reportagem da série “É assunto de política? - Temporada Desertificação na Caatinga". O PontoPoder abordou diferentes discussões acerca do tema, como tributação ambiental, mudança de paradigmas sobre o combate e convivência com a seca no Ceará, atuação legislativa e a revisão do PAE em vigência.
A peleja pelo Fundo Caatinga
A ideia de criar um fundo próprio para a preservação da Caatinga ou similares não é inédita. Parlamentares cearenses, como o deputado federal José Guimarães (PT) e o ex-deputado Inácio Arruda, chegaram a propor, em décadas passadas, fontes de financiamento nesses moldes, mas as propostas não avançaram suficientemente.
Agora, o dispositivo tem mais uma chance de ser incorporado ao arcabouço institucional brasileiro com uma emenda do deputado federal Pedro Campos (PSB-PE), apensada recentemente ao projeto 1990/2024.
A ideia é dar uma “resposta estruturante e perene” aos índices “alarmantes de desmatamento, degradação do solo e escassez hídrica”.
O texto original foi redigido pela ex-senadora (hoje, prefeita de Crateús) Janaína Farias (PT-CE) e aprovado na Casa Alta antes de seguir para a Câmara.
Inicialmente, o objetivo era somente instituir a Política e o Programa Nacional para Recuperação da Vegetação da Caatinga, sem indicação de fontes de receita para tal. O aditivo de Pedro Campos gerou mais uma rodada de análise da proposta, que volta ao Senado.
Paralelamente, a discussão também ocorre em espaços como o próprio MMA e o Consórcio Nordeste. Inclusive, com diretrizes mais detalhistas sobre a operacionalização do recurso.
Conforme a minuta do projeto elaborado por governadores, o fundo funcionaria via pagamento por resultado, similar ao Fundo Amazônia.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ficaria responsável pela gestão do dinheiro, aplicando-o em ações de prevenção, monitoramento e combate à desertificação e ao desmatamento, além de iniciativas de conservação e uso sustentável do bioma.
O rateio dos recursos reservaria até 20% a sistemas de monitoramento e proteção de ecossistemas costeiros e marinhos. O BNDES poderia também usar até 3% das doações para cobrir custos operacionais e despesas relacionadas ao Fundo Caatinga, segundo o ministério.
O PontoPoder buscou a pasta chefiada por Marina Silva para entender em que etapa estão as tratativas sobre essa nova fonte orçamentária. Até o momento, contudo, não houve retorno.
Emendas parlamentares são incógnita
Para 2026, o Ministério do Meio Ambiente deve ter R$ 4,6 bilhões de orçamento. O valor é cerca de oito vezes menor que o reservado às emendas impositivas individuais e de bancadas estaduais, que contarão com R$ 37,8 bilhões no próximo ano.
Aliás, apenas seis dos 31 ministérios – da Previdência Social, do Desenvolvimento Social, da Saúde, da Educação, da Defesa e do Trabalho – estarão guarnecidos em volumes superiores em 2026. Naturalmente, o reforço das emendas torna-se bem-vindo aos projetos das pastas menores.
É o valor que cada senador pode indicar individualmente em 2026.
Contudo, segundo o diretor do Departamento de Combate à Desertificação do MMA, Alexandre Pires, o trabalho de sensibilização de deputados e senadores não tem rendido cifras satisfatórias.
O Portal da Transparência do Governo Federal atesta esse descontentamento. Contabilizando as emendas individuais processadas em 2024 e em 2025 – não houve envio em 2023 – para a ação orçamentária “20W2 - Enfrentamento dos Processos de Desertificação, Mitigação e Adaptação aos Efeitos da Seca”, o total dá R$ 1 milhão, insignificante no universo do serviço público.
É o valor que cada deputado federal pode indicar individualmente em 2026.
Além disso, a indicação das emendas à rubrica 20W2 não contou com a assinatura de nenhum parlamentar do Ceará nos anos anteriores, somente de Pernambuco e do Rio Grande do Norte. Também não contará em 2026, conforme o espelho de emendas individuais da Lei Orçamentária Anual (LOA) em discussão.
Neste triênio, o recurso se somou aos R$ 11,5 milhões reservados pelo ministério à rubrica, totalizando R$ 12,5 milhões. Segundo Pires, o dinheiro foi alocado nos instrumentos de implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação. Ainda conforme o Portal da Transparência, as despesas dessa ação orçamentária se distribuíram em:
A lacuna não surpreende. Historicamente, o Ministério do Meio Ambiente recebe menos de 1% do bilionário valor total de emendas parlamentares, revelou a Folha de S. Paulo.
O PontoPoder já mostrou que o principal destino dos recursos enviados ao Ceará por deputados e senadores é a saúde pública, principalmente devido ao piso constitucional de repasses parlamentares à área. Do que sobra, boa parte vai para a assistência social, a educação, a infraestrutura e outros setores.
Os projetos de preservação da natureza ficam escanteados nesse rateio. No ano passado, por exemplo, a Política Nacional sobre Mudança do Clima não contou com emendas de nenhum deputado do Ceará, nem de 25 outras unidades federativas.
À época, a justificativa da bancada foi de que as demandas municipalistas ganharam prioridade nas indicações, assim como as de combate à seca. Uma parte dos recursos, alegaram, ajudaria indiretamente as pautas ambientais.
Essa argumentação dialoga, de certa forma, com a visão do ministério sobre a política de combate à desertificação. Apesar de coordenada pelo MMA, o diretor do Departamento de Combate à Desertificação da pasta, Alexandre Pires, destaca que as diretrizes são executadas por diversos parceiros.
São exemplos a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os ministérios da Agricultura e Pecuária e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os entes subnacionais e as organizações da sociedade civil, entre outros atores.
Inclusive, em 2024, Luizianne Lins (PT), José Guimarães (PT) e Célio Studart (PSD) indicaram R$ 4,2 milhões para ações de prevenção e controle de incêndios florestais, de Cidadania e Educação Ambiental e de implementação da Agenda Nacional de Proteção, Defesa, Bem-Estar e Direitos dos Animais.
O próprio Ministério do Meio Ambiente elaborou uma cartilha de emendas parlamentares com sugestões de apoiamentos. Na peça, há projetos que podem ser desenvolvidos por outras pastas do governo, visando reforçar indiretamente essa agenda.
O PontoPoder buscou os 22 deputados federais e os três senadores do Ceará para entender se e de que maneira vão alocar recursos, em 2026, para a preservação do semiárido e da Caatinga, alinhado ao combate à desertificação. (Veja respostas abaixo)
Especialmente o deputado Domingos Neto (PSD), coordenador da bancada cearense no Congresso, foi procurado pela reportagem para comentários sobre como o assunto é tratado na rotina parlamentar. O espaço está aberto a manifestações.
Quadro de emendas ambientais para 2026
Apesar de não existir indicação de emendas parlamentares para a rubrica 20W2, os congressistas do Ceará escolheram outros projetos ambientais para a destinação de recursos em 2026.
Ao todo, André Figueiredo (PDT), Célio Studart, Luiz Gastão (PSD) e Luizianne Lins indicaram R$ 4,8 milhões para a implementação de ações de Cidadania e Educação Ambiental e da Agenda Nacional de Proteção, Defesa, Bem-Estar e Direitos Animais. Essas ações estão sob competência do MMA, em parceria com estados e municípios.
Já os senadores Cid Gomes (PSB), Eduardo Girão (Novo) e Augusta Brito (PT) não reservaram emendas para o Ministério do Meio Ambiente.
Oferta e demanda
Em contato com o PontoPoder, o deputado federal José Airton Félix (PT) expôs que não foi procurado com pedidos de emendas para projetos específicos de combate à desertificação, mas sim para outras iniciativas que orbitam o tema.
"Eu não destinei recursos por que não me foi solicitado por nenhum município, instituição e Governo do Estado. Eles são destinados a partir das demandas que você tem na sociedade. [...] É preciso que haja ações concretas e articulação política para a bancada poder priorizar a destinação desse recurso. O recurso da bancada do Ceará foi priorizado para a saúde, a educação e outras áreas", apontou.
Em 2025, o deputado disse que enviou emendas diretamente ao Governo Estadual para posterior aplicação em objetos da sua carteira de projetos. Assim, após pedido da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará, ele solicitou ao Executivo reserva de R$ 1,6 milhão para ações de educação ambiental e R$ 500 mil para projetos de agroecologia da rede Eco Ceará.
O colega Júnior Mano (PSB) apontou problema parecido. Em nota, ressaltou a importância do tema e a necessidade do trabalho conjunto para a obtenção de resultados satisfatórios no Estado.
"Precisamos, de fato, refletir com o governo, com as prefeituras e com as entidades civis sobre o que pode ser feito. Só não apresentei projeto ou emenda específica para ações contra a desertificação porque não recebi demandas da sociedade nesse sentido. Estamos abertos a discutir e encontrar soluções para o problema", pontuou.
Já André Figueiredo (PDT) afirmou que o diálogo com o Governo do Estado e com o Planalto ocorre no âmbito de ações de segurança hídrica e convivência com o semiárido, como o Cinturão das Águas do Ceará (CAC), "fundamental para reduzir os impactos da seca e ampliar a resiliência das populações da região".
"Entendemos que o enfrentamento da desertificação deve estar inserido em uma estratégia mais ampla que envolva gestão da água, uso adequado do solo e adaptação às mudanças climáticas", complementou o pedetista.
Esse também é o foco do deputado André Fernandes (PL) nesse âmbito, além da saúde e da assistência social do Estado. Para ele, há uma frente de prevenção e outra de caráter imediato nas demandas do semiárido.
"Na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, destinei o montante de R$ 3,1 milhões, com a finalidade de investimento em Infraestrutura Hídrica para Abastecimento. Estes recursos foram direcionados aos municípios de Varjota, Cedro, Senador Pompeu e Solonópole, viabilizando a perfuração e implantação de 69 poços artesianos. Dessa forma, priorizamos o combate imediato à crise hídrica, garantindo o acesso à água potável a centenas de famílias e contribuindo significativamente para a mitigação dos efeitos da seca no Nordeste", explicou.
Yury do Paredão (MDB) informou à reportagem que priorizou "investimentos estruturantes em áreas essenciais, como infraestrutura, saúde, educação, segurança pública e acesso à água, que impactam diretamente a qualidade de vida da população", o que não significa que o meio ambiente e o combate à desertificação sejam desprezados pelo mandato.
O emedebista lembrou que esteve presente na 30ª Conferência do Clima (COP 30), em Belém (PA), e que apresentou três projetos de lei voltados à pauta ambiental.
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"O PL nº 5.252/2025 trata da inclusão da educação climática e ambiental na educação básica; o PL nº 5.251/2025 estabelece diretrizes para a promoção da justiça climática, com enfoque na equidade racial, social e territorial no âmbito das políticas públicas ambientais; e o PL nº 5.250/2025 institui o Programa Nacional de Transição Ecológica Justa, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, a descarbonização progressiva e justa da economia brasileira, a justiça social e climática e a proteção dos biomas nacionais", destacou.
Paralelamente, ainda optou por apoiar "ações concretas e imediatas de convivência com a seca", como a perfuração e entrega de seis poços profundos na zona rural de Juazeiro do Norte, com investimento de R$ 1,2 milhão. Yury também afirmou que acompanha as iniciativas do Ministério do Meio Ambiente voltadas ao combate à desertificação e à adaptação climática, especialmente aquelas que dialogam com a realidade do semiárido cearense.
Fernanda Pessoa (União), por sua vez, informou que a bancada decidiu, coletivamente, fazer indicações ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MIDR), por meio do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), "que possuem grande experiência e vasto conhecimento no combate as secas no Nordeste".
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Quanto às suas indicações individuais, a deputada reiterou o apoio ao Dnocs "no sentido de combate as secas e a falta d'agua no Estado". Além disso, justificou por que não vai enviar recursos ao MMA em 2026.
"Havemos de convir que o Ministério do Desenvolvimento Regional já vem fazendo um excelente trabalho quanto ao combate às secas no Nordeste, tanto por meio do Dnocs quanto na Codevasf, e a expertise do MIDR é reconhecida em todo o País", avaliou, ressaltando, ainda, a importância da conclusão da transposição do Rio São Francisco para a segurança hídrica.
O PontoPoder também questionou os demais membros da bancada sobre a ausência de emendas para a rubrica “20W2 - Enfrentamento dos Processos de Desertificação, Mitigação e Adaptação aos Efeitos da Seca” e a expectativa de outros recursos nessa linha em 2026. Foram procurados:
- Deputados federais: AJ Albuquerque (PP), Célio Studart (PSD), Danilo Forte (União), Dayany Bittencourt (União), Domingos Neto (PSD), Dr. Jaziel (PL), Enfermeira Ana Paula (Podemos), Eunício Oliveira (MDB), Leônidas Cristino (PDT), José Guimarães (PT), Luiz Gastão (PSD), Luizianne Lins (PT), Matheus Noronha (PL), Mauro Benevides Filho (PDT), Moses Rodrigues (União), Robério Monteiro (PDT).
- Senadores: Cid Gomes (PSB), Eduardo Girão (Novo) e Augusta Brito (PT).
Até o momento, a reportagem não recebeu retorno dos políticos. O espaço está aberto a manifestações.