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'Big techs' e como a direita avança sobre a comunicação digital de olho nas eleições de 2026

Com tecnologia cada vez mais sofisticada, inteligência artificial encabeça a estratégia digital para a disputa eleitoral

Escrito por
Luana Barros luana.barros@svm.com.br
(Atualizado às 15:52, em 13 de Junho de 2025)
Jair Bolsonaro levantando celular durante discurso no 2º Seminário de Comunicação do PL
Legenda: Relação entre direita bolsonarista e as tecnologias não é nova; o próprio Bolsonaro atribuiu a vitória dele em 2018 ao uso das redes sociais na campanha
Foto: Thiago Gadelha

"Estão do lado certo", disse o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a participação das empresas de tecnologia Google e Meta no 2º Seminário de Comunicação do PL, realizado em Fortaleza. Representantes das duas 'big techs' ministraram oficinas com foco nas ferramentas de Inteligência Artificial desenvolvidas pelas plataformas. 

O público era formado por militantes bolsonaristas, mas com espaço, logo à frente do palco, reservado a influenciadores digitais — semelhante ao ocupado por políticos do PL e de partidos aliados, como vereadores e deputados. No discurso, Bolsonaro enfatizou que o trabalho realizado por eles "é a chama, é a certeza que a vitória um dia virá". 

O palco principal — com as oficinas e discursos políticos — dividiu espaço com uma sala focada em treinamento de IA generativa, feito de forma individualizada, a quem quisesse aprofundar os conhecimentos sobre a tecnologia. 

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O aprendizado, em todos os espaços do seminário, ia desde como fazer um 'pedido' a IA da forma mais eficaz e o potencial da ferramenta — de melhorar um texto ou sugerir inspirações para publicações, até a criação de imagens e vídeos ultrarrealistas a partir dos comandos do usuário. Mesmo nos discursos políticos, com algumas exceções, o foco era o uso da tecnologia.

"Me elegi graças a isso (celular) e o marqueteiro que tá aqui presente, Carlos Bolsonaro", disse o ex-presidente Jair Bolsonaro, fazendo referência ao filho que, pouco antes, havia falado sobre a experiência de administrar os perfis do pai em diferentes plataformas virtuais.

Carlos Bolsonaro em frente a telão com nomes de redes sociais durante o 2º Seminário de Comunicação do PL
Legenda: Carlos Bolsonaro falou sobre a experiência de gerenciar os próprios perfis e os perfis do pai, Jair Bolsonaro, nas redes sociais
Foto: Thiago Gadelha

Novo ritmo na política

Se a estratégia digital voltada à disputa eleitoral não é novidade, principalmente para a direita bolsonarista, a aproximação com as Big Techs e a sofisticação alcançada pelos mecanismos de inteligência artificial, tendem a imprimir um novo ritmo às eleições em 2026. 

"E esse grupo claramente está se preparando bem melhor, com bem mais antecedência. Obviamente, já chega na eleição com uma possibilidade de estar muito mais engajado e com as redes muito mais preparadas para o momento da eleição, para as narrativas e aquela coisa toda": a projeção é feita por Rafael Sampaio, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do grupo de pesquisa sobre Comunicação Política e Democracia Digital (Compadd). 

Um comportamento inverso ao adotado pela esquerda ou mesmo pela centro-direita brasileira, que acaba enxergando a comunicação digital ainda como um "acessório" dentro da estratégia político-eleitoral. "O que me parece é que está acontecendo a mesma coisa de, só nas vésperas da eleição, a esquerda e o centro ativarem mais fortemente as redes. (...) Então, para os líderes, não é o mais importante", completa. 

Domínio da direita nas redes sociais?

Com poucos segundos de propaganda gratuita de rádio e TV na campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro investiu nas redes sociais — uma estratégia iniciada muito antes do período demarcado pelo calendário eleitoral para a propaganda. Da mesma maneira, o engajamento digital alcançado por Bolsonaro e outras lideranças bolsonaristas, é algo construído há anos, com a eleição de 2018 como marco. 

"O Bolsonaro e esse fenômeno do bolsonarismo, uma parte significativa de como ele se consolidou, passa diretamente por essas redes digitais", pontua Sampaio.

"E isso é até interessante, porque muito se falou dos disparos de massa em 2018, mas a verdade é que há uma formação de redes muito orgânica também. Não que os disparos não tenham sido importantes, mas houve uma formação de rede muito orgânica, principalmente por aplicativos de mensagem, como WhatsApp, lá atrás e, hoje em dia, o Telegram. Então, isso permitiu a esses grupos terem uma capacidade de mobilização, de organização, de disseminação de mensagens muito forte".
Rafael Sampaio
Professor de Ciência Política da UFPR

Pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), a cientista política Isabela Rocha também reforça a característica "orgânica" do uso que a direita bolsonarista faz das plataformas. "A direita conseguiu se apropriar muito bem dessas ferramentas e conseguiu se apropriar muito bem da internet. (...) E consegue se apropriar do funcionamento de maneira orgânica, ou seja, realmente utilizando as plataformas", diz. 

Essa apropriação feita por políticos de direita, principalmente ligados ao grupo de Bolsonaro, é comprovada por diferentes pesquisas. 

Quem tem mais força política em redes como TikTok e Instagram?

Em estudo realizado pelo Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração (coLAB), vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF), no TikTok, foi identificado que o número de políticos de direita era quase duas vezes maior do que o de esquerda, considerando quem chegou no aplicativo até 2022. O engajamento também é maior nos perfis bolsonaristas. 

Dados mais recentes mostram que a tendência se mantém. Em janeiro, período em que houve embate em torno do monitoramento de transações financeiras, incluindo o Pix, os influenciadores digitais de oposição ao Governo Lula (PT) tiveram quase 40 vezes mais interações do que aqueles alinhados ao presidente — foram 14,641 milhões de interações contra 375 mil, de acordo com a empresa de monitoramento Torabit. 

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Em março, dados do Índice de Popularidade Digital (IPD) mostraram que o cenário se repete ao analisar lideranças que exercem mandato público. A partir da análise de plataformas como Facebook, X (antigo Twitter) e Instagram, o estudo mostrou que oito dos dez deputados federais mais influentes nas redes são de oposição a Lula. No Senado, o ranking era formado apenas de opositores. 

Renovação política e aproximação com as big techs

A explicação para esse predomínio direitista surge a partir de diferentes hipóteses, indo desde a renovação política neste campo, impulsionada pelo fenômeno do bolsonarismo, até as características das plataformas e os interesses das big techs

Isabela Rocha pontua que, apesar de Lula e Bolsonaro terem idades aproximadas — com 79 e 70 anos, respectivamente —, os dois lideram campos políticos muito diferentes na formação de novas lideranças. 

"Se eu pedir para você pensar agora em um grande líder da esquerda, do PT, jovem, eu tenho dificuldade de pensar em alguém. Mas quando a gente pensa na direita, a gente pensa exatamente no Nikolas Ferreira: 30 anos de idade, jovem, viral, consegue mobilizar muito nas plataformas, porque ele fala uma linguagem acessível e daquilo que as pessoas estão preocupadas", exemplifica.

Para a cientista política, a falta de renovação interfere diretamente na atração de jovens para o campo da esquerda — justamente, os nativos digitais, que possuem, naturalmente, maior domínio das plataformas. 

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Exatamente por serem nativos digitais, os mais jovens conseguem trazer "essa perspectiva e gramática mais dos games, das lives, do Twitch (transmissões ao vivo em videogames), essas coisas assim, e acabam tendo essa facilidade", completa Rafael Sampaio. 

Sem renovação, os especialistas avaliam que o PT acaba dependendo da liderança do presidente Lula. "Nunca entrou na mente dele a importância do digital, a importância dessas tecnologias. Ele ainda é um político muito calcado na lógica da imprensa tradicional, da imprensa de comunicação de massa", diz.

"Ele entende que o digital é importante, mas não vai colocar ali como uma prioridade máxima, igual, justamente, a direita fez. Então você vê formações parecidas com essa acontecendo à esquerda, ao centro, há bastante tempo, mas nunca é como se fosse a grande estratégia, o caminho. Tem uma questão de pauta e priorização". 
Rafael Sampaio
Professor de Ciência Política da UFPR

A questão da regulação das plataformas digitais

Os dois cientistas políticos pontuam que não há como dizer que existe um alinhamento automático entre as gigantes da tecnologia e a direita, principalmente bolsonarista. "Elas sempre jogam no time que faça melhor para elas", resume Sampaio. 

"A big tech está aliada com quem for e fechar com eles. E assim, é um mercado. A big tech olha para a direita política, olha para o exército de influencers que o PL está criando e vê ao mercado lá. Se houvesse um mercado de influencers de esquerda, da mesma maneira, as big techs iam estar articulando".
Isabela Rocha
Pesquisadora no Instituto de Ciência Política da UnB

Contudo, existem aproximações no discurso entre a direita bolsonarista e as grandes empresas de tecnologia quanto à regulação das plataformas digitais — atualmente, sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF)

"A direita e especialmente a extrema-direita é muito refratária a qualquer tipo de regulação. Então, nesse momento eles ficam muito próximos dos discursos e dos desejos das big techs", diz.

"Eu não duvidaria que essas big techs poderiam, amanhã, estar num evento de esquerda", considera Sampaio. "Mas elas nasceram muito no discurso livre, democrático, e, muitas vezes, fazem umas alianças com pessoas muito antidemocráticas, que realmente, no final, o que importa é o lucro mesmo e há pouca preocupação com a lei e com a ordem democrática dos países", ressalta o especialista.

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