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'Bets' podem intervir na percepção política, enviesar e impactar resultados, dizem especialistas

Diário do Nordeste consultou profissionais do Direito Eleitoral e da Ciência Política, que apontam efeitos colaterais das apostas online na eleição

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Tela de um aparelho com um aplicativo de bet
Legenda: TSE reconheceu que prática é ilícita.
Foto: Joédson Alves/ Agência Brasil

Apostar dinheiro na eleição de um candidato não é exatamente uma novidade na participação do eleitorado no processo político. Entretanto, com a entrada das chamadas “bets”, as conhecidas plataformas online de apostas de quota fixa, nesse contexto, o que era informal ganhou uma dimensão irregular. 

Até o início da semana passada, uma extensa lista de empresas que operam nesse setor ofereciam em seus sites opções para os usuários poderem palpitar, colocando dinheiro, quais candidatos sairiam como vencedores de disputas pelos Executivos municipais em alguns colégios eleitorais brasileiros.

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Além de Fortaleza, apareciam nesses endereços cidades como Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP). No decorrer da semana, com o tema em evidência no noticiário, as empresas retiraram do ar as apostas eleitorais.

Na terça-feira (17), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu pelo reconhecimento da ilegalidade de apostas financeiras em candidatos às eleições. A Corte Eleitoral tomou a medida por unanimidade e, pela decisão, o serviço passou a ser considerado ilícito eleitoral, podendo ser enquadrado como abuso de poder econômico e captação ilícita de votos.

Apesar disso, não há, na legislação brasileira, dispositivo que permitia ou proíba expressamente as apostas eleitorais nestas plataformas. O funcionamento das “bets”, no entanto, segue a Lei de Apostas Esportivas, que versa apenas sobre eventos reais de temática esportiva ou de eventos virtuais de jogos online — o famoso “jogo do tigrinho”.

Ao Diário do Nordeste, o Ministério da Fazenda, que fiscaliza o funcionamento das empresas do tipo, reforçou que “apostas relacionadas às eleições municipais de 2024 não têm previsão legal”. Segundo o órgão federal, a regulamentação sobre quota fixa está no período de adequação até 31 de dezembro.

A operação das “bets”, hoje, só pode ocorrer nas duas possibilidades que estão na lei. “Apostas que extrapolam essas duas modalidades não são previstas pela legislação, não podendo ser assim entendidas como legalizadas nem em fase de regulação ou adequação”, completou o ministério.

'Efeitos adversos'

Consultados, especialistas em Direito Eleitoral e em Ciência Política apontam que a realização de apostas no pleito podem desencadear uma gama de efeitos, que vão desde a influência na percepção política, passando pelo enviesamento de resultados, chegando ao impacto nas escolhas eleitorais.

“Primeiro, ainda que essas apostas não tenham o poder de alterar diretamente os votos, elas podem influenciar a percepção pública. As probabilidades apresentadas nas plataformas podem criar uma narrativa sobre quem está na frente, impactando a forma como eleitores indecisos se posicionam”, comentou Francisco Medina, coordenador da Especialização em Direito e Processo Eleitoral da Universidade de Fortaleza (Unifor).

Na interpretação do entrevistado, em cenários polarizados essa influência na percepção “pode criar um efeito psicológico que beneficia quem já é considerado favorito nas apostas, mesmo que os dados eleitorais não reflitam essa vantagem”.

A posição da doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mariana Andrade, é parecida. Ao que ela afirmou, “essas plataformas teriam poder para enviesar resultados, distorcer as probabilidades ou aumentar as chances de um determinado resultado eleitoral”.

Ao examinar o funcionamento das plataformas, Andrade pontuou que elas têm uma adesão muito forte entre os brasileiros, justamente porque utilizam da motivação pela vitória e do interesse pela emoção associada à recompensa. “Então, já que funcionou tão bem para os esportes (que despertam grandes paixões), era até esperado que esse mercado se voltasse para outra área polarizada: a política partidária”, argumentou.

Se as apostas eleitorais já eram comuns na informalidade, para a cientista política isso se acentua com as empresas de quota fixa, transformando a eleição em um evento monetizado, desvirtuando o impacto cívico e ampliando a polarização política. 

“Com a entrada das bets, há dois efeitos mais imediatos. O primeiro, é a mudança no comportamento eleitoral, com maior engajamento (não necessariamente pautado em consciência eleitoral). O segundo, é a preocupação com a regulação de campanhas”, destacou. 

O professor de Direito da Unifor, procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), Emmanuel Girão, também indicou haver uma preocupação de que as apostas interfiram na liberdade de voto do eleitor.

Para Girão, essa interferência pode ocorrer tanto porque os usuários das “bets” estão apostando em determinado postulante sem ao menos analisar suas propostas quanto pela influência gerada pela publicidade em torno de determinada candidatura.

O elemento financeiro também foi um aspecto levantado pelo membro do MPCE. “É muito dinheiro em jogo. Da mesma forma que eles podem cooptar jogadores e alterar o resultado, de uma certa forma eles podem também tentar interferir na eleição”, concluiu.

Lacuna legal

A falta de uma regulamentação específica seria uma questão para o contexto das “bets”, conforme os especialistas consultados pelo Diário do Nordeste. 

“A legislação que regula as apostas esportivas ainda possui uma severa lacuna: embora estabeleça o procedimento de autorização e o regime de exploração, ainda falha na definição sobre as modalidades proibidas”, reforçou a professora Mariana Andrade.

Segundo a docente, o recuo das “bets” ao retirarem as apostas eleitorais das plataformas se deu pela falta de previsão legal. “Estrategicamente, não é interessante para essas empresas tentar forçar a participação agora, às vésperas da tramitação uma nova regulamentação pelo Ministério da Fazenda, com previsão para sair em 2025”, pontuou.

Já Francisco Medina caracterizou a situação de vácuo de regulamentação como algo que coloca a atuação das plataformas numa “zona cinzenta”. “Isso gera uma série de questões sobre a legalidade dessas plataformas no contexto eleitoral, sobretudo considerando que a legislação eleitoral brasileira busca garantir a moralidade e a integridade do processo democrático”, completou.

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“Empresas que operam apostas desse tipo podem incorrer em possíveis ilícitos, como crimes eleitorais relacionados à manipulação de expectativas ou à exploração econômica do processo eleitoral”, continuou Medina, que também vê como ponto crítico o uso dessas plataformas para a lavagem de dinheiro. 

Ele comparou a situação brasileira com a de países como o Reino Unido, que permite a operação de apostas eleitorais por meio de uma regulamentação específica. “No Brasil, sem uma regulamentação clara, a prática pode ser vista como uma ameaça à credibilidade das eleições e à moralidade pública”, disse.

Girão acrescentou que hoje, no Ceará, não há ainda queixas às autoridades sobre apostas eleitorais. “Os promotores eleitorais nos municípios não têm se deparado com reclamações em relação a isso”, declarou, dando conta de que a maior preocupação atualmente é do TSE e do Procurador Geral Eleitoral. 

“Vejo que, hoje, essa questão da aposta em si, para coibir, seria mais por conta da legislação das apostas do que da própria legislação eleitoral”, salientou, apontando que irregularidades eleitorais seriam um efeito colateral. A declaração do entrevistado aconteceu antes da decisão tomada pelo TSE nesta terça. 

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