Baú da Política: Sobral completa 250 anos sob disputa de poder dos Ferreira Gomes desde 1890
Cidade é alvo de uma disputa de poder desde o início da Primeira República e tem sua história entrelaçada com a de uma tradicional família e grupo político cearense
Conhecida, por vezes, pela alcunha de "United States Of Sobral" ou pelo clima "parisiense" proporcionado pelo Arco de Nossa Senhora de Fátima — que faz a "Princesinha do Norte" ser comparada a Paris, na França, com seu Arco do Triunfo —; a cidade de Sobral tem outra marca que representa seu DNA e faz dela conhecida nacionalmente. O município tem a história entrelaçada com a de uma tradicional família cearense: os Ferreira Gomes.
Essa família, que assume a função de cúpula de um grupo político, torna a cidade alvo de uma disputa de poder desde 1890, no início da Primeira República.
Na última quarta-feira (5), o município chegou a dois séculos e meio de fundação e novamente as trajetórias se confundem. Sob comando do prefeito Ivo Gomes (PDT), irmão caçula do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e do senador Cid Gomes (PDT), Sobral passou a ser exemplo mundial de boas práticas na educação pública.
Veja também
Por outro lado, a família do prefeito, que segue dominando politicamente o município, enfrenta um dos momentos mais turbulentos na política, com troca de críticas e acusações entre os irmãos e uma guerra política entre seus aliados na véspera do ano eleitoral que irá encerrar o mandato de Ivo.
Ciro e Cid Ferreira Gomes seguem como as maiores referências políticas da cidade, mas a história envolvendo a família e a política de Sobral vem de muito antes, tanto que o primeiro prefeito de Sobral — quando esse ainda nem era o nome usado para o cargo — era Ferreira Gomes.
O primeiro dos Ferreira Gomes
Conforme os livros “Homens e vultos de Sobral” (1989), do Monsenhor Vicente Martins, e “Cronologia Sobralense” (2015), do padre Sadoc de Araújo, o primeiro prefeito de Sobral foi Dr. Vicente Cesário Ferreira Gomes. Ele foi nomeado intendente de Sobral — nome dado à época ao chefe do município — pelo governador provisório, o tenente Coronel Luiz Antônio Ferraz, em 22 de janeiro de 1890 e empossado em 1º de fevereiro daquele ano.
Vicente Cesário, no entanto, ficou pouco tempo na função de primeiro prefeito de Sobral. No ano seguinte, ele foi substituído pelo prefeito José Ferreira Gomes — à época, ainda chamado de intendente —, indicado para a função pelo presidente do Estado, o general Clarindo de Queiroz.
Os sobrenomes não são coincidência. Vicente Cesário Ferreira Gomes e José Ferreira Gomes eram irmãos. O primeiro é tio-bisavô dos irmãos Ciro, Cid, Ivo, além do ex-secretário Lúcio Gomes e da deputada estadual Lia Ferreira Gomes. Já José é bisavô dos cinco irmãos.
Mas não para por aí. Em 1935, o 22º prefeito de Sobral voltou a ser um integrante da família, um tio-avô de Ciro, Lúcio, Cid, Lia e Ivo. Foi Vicente Antenor Ferreira Gomes, que comandou a cidade por nove anos durante o governo de Getúlio Vargas.
A partir daí, o poder do município começa a se aproximar ainda mais do núcleo conhecido nacionalmente da família. Entre 1977 e 1982, Sobral passa a ser comandada por José Euclides Ferreira Gomes, pai de Ciro e Cid Gomes.
O patriarca já tinha um histórico de militância política, mas só chegou ao poder sob as bênçãos da família Prado, que se revezava no comando de Sobral com a família Barreto desde 1963. Euclides também recebeu apoio do coronel César Cals, que governou o Ceará a mando da ditadura militar.
Ciro e Cid chegam ao poder
O fim da Era Prado-Barreto em Sobral só vai chegar justamente com a nova eleição de um Ferreira Gomes em 1997. Desde então, a família passa a comandar Sobral ininterruptamente. O eleito foi Cid Gomes, que chegou ao poder com apoio de quase 64% da população. Quatro anos depois, o hoje senador foi reeleito prefeito da cidade.
Em seguida, sob as bênçãos dos irmãos, os sobralenses elegeram e reelegeram Leônidas Cristino (PDT), hoje deputado federal. O então prefeito renunciou ao cargo e quem assumiu foi o vice-prefeito, Clodoveu Arruda, esposo da ex-governadora Izolda Cela (sem partido). Veveu, como é conhecido, ainda foi reeleito representando o grupo político dos Ferreira Gomes.
Em 2016, sem possibilidade de reeleição do mandatário, novamente um integrante do núcleo familiar voltou ao poder. Ivo Gomes foi eleito naquele ano e reeleito em 2020, seguindo os passos do irmão, do pai, do tio-avô e do tio-bisavô como prefeito de Sobral.
Futuro dos Ferreira Gomes em Sobral
Atualmente, o prefeito caminha para o fim de seu segundo mandato em um cenário de indefinição sobre o futuro do clã no comando da Cidade. Nos bastidores, já surgem disputas internas na base, ao mesmo tempo, a oposição começa a se mobilizar.
Vários nomes já são cotados por eleitores e parlamentares para representar a família nas urnas, entre eles o da vice-prefeita, Christianne Coelho (PT), o do chefe do Gabinete de Ivo, David Duarte, e até o da ex-governadora e atual secretária-executiva do Ministério da Educação, Izolda Cela (sem partido).
Já a oposição concentra-se em torno de dois nomes: o deputado estadual Oscar Rodrigues (União) e o deputado federal Moses Rodrigues (União Brasil), pai e filho, respectivamente. Com o cenário de indefinição na base e a oposição em plena articulação, o caçula dos irmãos Ferreira Gomes evita comentar o assunto e diz que aguardará o período eleitoral em 2024.
“O próximo gestor precisa estar comprometido com saltos. Eu não quero, nem imagino, ter um sucessor ou sucessora que vá manter as coisas que a gente fez. Sobral é uma cidade muito exigente e é bom que seja assim porque os políticos precisam se virar para dar conta das exigências do eleitor do Sobral, então o próximo gestor ou gestora precisa se comprometer a dar saltos: consolidar a educação em tempo integral, melhorá-la, elevar a padrões internacionais, elevar o atendimento na saúde na secundária e terciária, resolver esse imbróglio definitivo com a Santa Casa (...) e trabalhar com parcerias para melhorar a qualidade de vida na economia e na segurança pública. O candidato ou a candidata vai precisar representar ousadia de querer mais”
Racha na família?
Atualmente, mesmo ainda comandando Sobral e tendo um integrante da família no Senado e outro na Assembleia Legislativa do Ceará, o núcleo dos Ferreira Gomes passa por turbulências.
Desde a eleição do ano passado, com a decisão do PDT, sob influência de Ciro, de lançar o ex-prefeito Roberto Cláudio como cabeça de chapa do partido, Cid optou por uma atuação discreta no pleito do ano passado, o que foi visto como uma traição pelo ex-candidato à presidência.
Com as derrotas de Ciro e de Roberto Cláudio, o senador voltou à cena política, mas ainda afastado do irmão. Ciro e Cid não mais se falaram. Em entrevista ao PontoPoder, no mês passado, o ex-candidato à Presidência disse que a “faca ainda arde muito” nas costas, em referência ao irmão.
Dias depois, Cid disse que não iria responder aos ataques. Ele defendeu que "problema familiar a gente resolve em casa". "Em respeito à memória do meu pai, doutor José Euclides Ferreira Gomes, e da minha mãe, dona Maria José, que não estão mais conosco, eu não comentarei nenhuma declaração do Ciro nem as passadas nem as que vierem no futuro, em respeito a eles", completou o senador.
Nesta semana, o parlamentar voltou ao assunto. Apesar de se esquivar de falar sobre a relação pessoal, o senador admite que há uma "divergência política", que ele esperava, inclusive, que já tivesse sido finalizada.
Veja também
"Tudo que eu tenho de divergência política com ele, eu coloco. Não tenho problema nenhum. São muito poucas, ao longo de 60 anos, são muito poucas as divergências, muito poucas. Nós sempre tivemos uma vida afinada. Eu esperava que essa divergência encerrasse na eleição (de 2022), divergência política, (mas) não encerrou na eleição. Eu lamento, mas, enfim, vamos cuidar da vida, vamos tocar em frente", declarou.
Também nesta semana, em entrevista à rádio Tupinambá, de Sobral, o prefeito Ivo Gomes classificou como injustas as falas de Ciro sobre Cid.
“A briga não é pessoal, mas eu estou no meio dela. O Ciro está sem falar comigo. Eu tentei falar com ele no ano passado, e ele não me atendeu. Estava aborrecido e acho que ainda está aborrecido. Acho que esse é um defeito dele, o rancor. Tem um ditado que diz que o rancor é um veneno que você engole, achando que faz mal a outra pessoa”
“Deixar ele curtir esse luto dele. São injustas as coisas que ele fala em relação ao Cid. É o máximo que vou falar. Mas tenho certeza que vai passar, porque não tem nada moral, pessoal, entre eles. Comigo é rebarba, porque eu sigo a orientação do Cid na política. Fui solidário a ele, porque acho que ele tinha razão e a história mostrou que ele tinha razão na confusão toda”, completou Ivo.