A população indígena teve um aumento no Ceará, segundo dados do Censo Demográfico 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Estado, vivem 15 povos indígenas aldeados em, pelo menos, 18 cidades cearenses. Pessoas abarcadas pelas políticas públicas municipais, mas com demandas e pautas próprias.
O Diário do Nordeste buscou nos planos de governos dos candidatos às prefeituras destas cidades as propostas voltadas para os povos indígenas. Somadas, são 48 candidaturas ao Executivo nos municípios onde vivem os povos indígenas cearenses. Contudo, menos da metade dos candidatos pensou em propostas específicas para essa população — apenas 22 citaram nos programas de governo as políticas públicas que pretendem implementar para estas comunidades.
Em quatro cidades, a ausência de propostas para a população indígena é ainda mais explícita. Em Boa Viagem, Carnaubal, Crateús e Pacatuba, nenhum candidato a prefeito cita propostas para os povos originários no plano de governo.
Quais as propostas de governo para a população indígena?
Uma das propostas elencadas por candidaturas em mais de uma cidade cearense é a criação de secretaria, coordenadoria ou outro órgão municipal voltado para os povos indígenas — ou que abarque as políticas públicas para essa população.
Em Aquiraz, isso é proposto pelo atual prefeito da cidade, Bruno Gonçalves (PRD), que tenta a reeleição — ele sugere a criação de uma Coordenadoria de Proteção aos Povos Indígenas. Um dos adversários de Gonçalves, Jair Silva (PT) pretende criar a Secretaria dos Povos Indígenas e Quilombolas caso seja eleito.
Em Poranga, Igor Pinho (PSD) também propõe a criação de uma Secretaria Municipal dos Povos Indígenas e Tradicionais.
Na cidade de Aratuba, o atual prefeito Joerly Victor (Republicanos), que tenta a reeleição, pretende criar a Coordenação dos Povos Originários, que estaria vinculada à Secretaria de Turismo e Cultura.
Já em Canindé, o candidato Kledeon Paulino (Republicanos) sugeriu instituir a coordenadoria de direitos humanos e juventude — "que engloba idosos, pessoas com deficiência, mulheres, LGBTQI+, quilombolas, indígenas, negros e as demais diversidades para a implementação de políticas específicas para o segmento minoritário".
Em Maracanaú, Professor Ernesto (Psol) propõe a criação de um "fórum permanente das populações marginalizadas" que teria como uma das ações "propor soluções e acompanhar a ação do estado na reparação histórica aos povos indígenas e afrodescendentes". Ele também sugere a criação de uma "Política Municipal de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas, com programas, projetos, ações sociais e orçamento próprio".
Entre as áreas discutidas nos planos de governo, a Educação é uma das que possui mais propostas voltadas para a população indígena.
Em Aquiraz, por exemplo, Jair Silva propõe concurso público e formação específica para escolas indígenas, além de "construir, reformar e ampliar" as escolas municipais indígenas. Em Caucaia e Tamboril, candidatos à Prefeitura tratam da aplicação da legislação federal que torna obrigatório o estudo de história e cultura indígena e afro-brasileira em escolas do ensino fundamental e médio.
Emília Pessoa — candidata do PSDB à Prefeitura de Caucaia — pretende "assegurar o cumprimento da legislação das escolas indígenas por meio da consolidação do currículo, da formação docente e da valorização das práticas culturais". Em Tamboril, o candidato Marcelo Mota (PSB) propõe "implementar no currículo das escolas do sistema municipal de educação o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena".
E em Quiterianópolis, Nonato Filomeno (PT) também promete "implantar e desenvolver educação especial municipal às populações indígenas". Já o incentivo e financiamento a projetos educacionais desenvolvidos por comunidades indígenas é a proposição de Saul (PT), candidato à Prefeitura de São Benedito.
Outros temas que costumam aparecer transversais nas propostas voltadas aos povos indígenas são: Saúde, Cultura, Meio Ambiente e Agricultura.
Existem propostas, por exemplo, de criação de centros culturais voltados à cultura indígena no município de Maracanaú — dos candidatos Lucinildo Frota (PDT) e Professor Ernesto (Psol) — e de organização de feiras, eventos e outras formas de fortalecimento da cultura indígena em Caucaia (de Emília Pessoa, do PSDB), Monsenhor Tabosa (de Salomão, do PT), Novo Oriente (com Valdenor Rodrigues, do PDT) e São Benedito (com Saul, do PT).
Candidatos também propõem a compra direta de produtos de agricultores familiares indígenas, além do financiamento e fortalecimento dessa atividade econômica nestas comunidades. É o caso de Robério Filho, candidato do PSB em Itarema, e de Salomão, candidato do PT em Monsenhor Tabosa.
Confira todas as propostas apresentadas nos planos de governo que são voltadas à população indígena:
Cidades sem propostas
Em quatro cidades cearenses onde existem povos originários aldeados, nenhum candidato apresentou propostas de governo voltadas para estas comunidades. São elas: Boa Viagem, Carnaubal, Crateús e Pacatuba.
Somadas, a população indígena nesses municípios chega a mais de 6,5 mil indígenas. Os dados são do Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
A cidade de Crateús é a que concentra o maior número de etnias, com cinco delas vivendo aldeadas no município do Sertão Central. São indígenas dos povos Potiguara, Kariri, Kalabaça, Tabajara e Tupinambá que vivem nesta localidade, mas que não foram lembrados por nenhum dos candidatos que concorrem à Prefeitura de Crateús.
Candidata pelo PT, Janaína Farias apresentou três documentos como plano de governo que, juntos, possuem 48 páginas. Contudo, não existem propostas e nem citações aos povos indígenas. O mesmo ocorre nas 52 páginas do plano de governo do adversário, Marcelão da Bola (PSDB).
Em Boa Viagem — onde está o povo Potiguara —, Dr. Amâncio (Psol) e Regis Carneiro (PSB) não citam as demandas das comunidades indígenas em seus programas de governo. O assunto também não é citado nos programas de governo dos candidatos a Prefeitura de Carnaubal — Dr. Dário Neto (União), Ellayne Martins (MDB) e Zé Weliton (PT).
O mesmo acontece ainda em Pacatuba, onde estão aldeados o povo Pitaguary. Nenhum dos quatro candidatos a prefeito da cidade — Dom Claudio (Mobiliza), Dr. Thiago Rodrigues (PSD), Larissa Camurça (União) e Rafael (PSB) apresentam propostas na área.
Candidato a prefeito em Pacatuba, Dr. Thiago Rodrigues explica que a ausência de proposições se deveu a uma limitação das ações do governo municipal "devido a competência ser da União".
"Porém, garanto aos povos originários e quilombolas, que no nosso governo, iremos respeitar a cultura e colaborar da forma que nos cabe e que for possível com os projetos, resguardando seu patrimônio cultural e cuidando da saúde, educação e o que mais for necessário da nossa parte, conforme orientação e permissão do governo federal", pontua Rodrigues.
O Diário do Nordeste contatou todos os candidatos das quatro cidades onde não houve apresentação de propostas voltadas à população indígenas nos planos de governo. O espaço continua aberto a manifestações.
Responsabilidade compartilhada
Mais que propor políticas públicas para os povos indígenas, é necessário viabilizar a aplicação. É o que defendem representantes de comunidades originárias do Ceará ouvidos pela reportagem, que avaliaram as propostas apresentadas nos municípios com população aldeada.
Por exemplo, a criação de espaços administrativos voltados especificamente para esse público é importante, mas não basta oferecer “uma sala, uma mesa e uma cadeira”, como avalia Naara Tapeba, vice-coordenadora da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince).
“Nós não queremos ser – como a gente fala – o ‘primo pobre’, não queremos ser a criança adotada. Nós queremos ter participação naquilo que é criado para nós porque muitas vezes as políticas são criadas para nós, mas sem nós. Então não existem caminhos para que (as políticas) cheguem ao território indígena”, comenta Naara.
O pacto tripartite da Infraestrutura Comunitária para povos indígenas coloca o Município como agente essencial nessa dinâmica. São as prefeituras que absorvem parte considerável da aplicação de diversas políticas públicas, como juventude, assistência social, moradia, entre outras áreas. Os povos indígenas estão conscientes disso, mas apontam que muitos dos pretensos gestores públicos no Ceará talvez não estejam.
“Há uma falta de compreensão do que é de responsabilidade do município e do que é dos outros entes federativos. Há candidatos aqui (no Ceará) que não têm nenhum tipo de relação com os povos indígenas, e aí eu vejo essas partes que falam sobre esses povos e fico pensando que quem escreveu esses planos de governo não sabe nem o mínimo do que é necessário para construir”.
A saúde é um exemplo disso. A atenção básica para esse público fica a cargo da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde que, inclusive, é comandada pelo cearense Weibe Tapeba. Contudo, quando o assunto é média e alta complexidade, a responsabilidade volta para estados e municípios, por meio do Incentivo para Atenção Especializada aos Povos Indígenas (IAE-PI). Mas são justamente nessas duas instâncias que os povos originários sentem mais queixas, principalmente pela falta de integração com outros serviços.
No mapeamento realizado pelo PontoPoder e disponibilizado aos especialistas ouvidos pela reportagem, não há propostas que mencionem esse tipo de especificidade, por exemplo.
“Tem localidades, comunidades, aldeias nossas que, até pouco tempo atrás, no período de inverno, a gente não conseguia passar com o nosso carro de urgência e emergência. [...] Quando as pessoas de lá adoecem, precisam do carro de urgência emergência, aí tem que ir buscar. Mas como é que vai buscar se o carro não sobe? Então, é uma dignidade”, relata Climério.
A responsabilidade do Município sobre povos indígenas não para por aí. Naara também cita a questão da habitação como uma área que pode ser abraçada pelas prefeituras dentro das comunidades originárias.
“Nós ainda temos, dentro do nosso território, famílias, por exemplo, que moram em casa de taipa, que não têm banheiro. Então essas políticas poderiam adentrar no nosso território. A gente vê acontecendo em outros âmbitos, mas não para a população indígena”.
Climério e Naara lembram que a juventude indígena também precisa de programas de primeiro emprego, bem como as comunidades originárias necessitam de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Indígena, de coleta seletiva de lixo, de pavimentação de suas vias, de instalação de pontos de cultura e lazer, entre outros serviços.
Ambos apontam que, apesar de uma parcela dos candidatos nesses 18 municípios mencionarem políticas públicas para os povos indígenas, nem todos abordam o assunto com a complexidade que ele exige.