A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Ceará pediu, na última semana, ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma mudança na condução da perícia sobre o território alvo de litígio com o Piauí. Para o órgão, seria mais adequado que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estivesse à frente dessa análise, e não o Exército Brasileiro.
Em setembro, as Forças Armadas iniciaram uma avaliação cartográfica sobre a região, como determinou a relatora do caso na Corte, a ministra Cármen Lúcia, em 2021. A metodologia propõe uma perícia planificada sobre a superfície da terra em questão, com base em mapas, cartas ou plantas.
A PGE argumenta que o IBGE poderia fazer uma abordagem mais ampla, abarcando questões sociais e políticas. A Procuradoria cita, inclusive, ofício de agosto enviado pelo próprio Exército ao STF para informar sobre a destinação de recursos da perícia e as novas propostas de Plano de Trabalho e de Cronograma Físico-Financeiro, ajustadas ao crédito disponibilizado.
Ao fim do documento, a instituição militar afirma que o trabalho da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG), responsável pelo processo, “não possui competência institucional para responder questionamentos de cunho social, político e econômico constantes dos autos da ACO (Ação Cível Originária) 1831”.
O deputado Acrísio Sena (PT) repercutiu a petição da PGE em discurso na tribuna da Assembleia Legislativa, na última semana. “É o que sempre falamos. É muito fácil resolver um litígio em um território desocupado, mas, quando envolve uma população, com sua cultura, sua economia, com o contexto o social e, acima de tudo, o pertencimento, tudo isso deve ser levado em consideração. E, se tudo isso for observado, chegamos à conclusão de que tudo que existe naquela região, com raríssimas exceções, foi feito pelo Ceará”, disse.
Metodologia
A PGE alerta que os conceitos de território e propriedade são diferentes, o que exige uma ampliação do debate de forma a não restringi-lo a questões meramente dominiais. Dessa forma, "a delimitação da soberania e da esfera de autonomia política de cada Ente, com todas as consequências daí decorrentes, notadamente econômica, social, jurídica, tributária, social, cultural, histórica e humana" importam nessa análise.
"Assim, a percepção meramente geo cartográfica é completamente reduzida, limitada em termos de cognição e insuficiente para resolução da presente demanda", completa o pedido.
Na peça, a Procuradoria também argumenta sobre o fato de que os mapas, que são objetos de análise do Exército, “como meios de representação, traduzem os interesses e objetivos de quem os propõe, podendo se aproximar ou se afastar da realidade”. Por isso, a cartografia poderia limitar-se a representar graficamente “proposições com seus respectivos interesses subjacentes''.
Análise territorial
O ofício do Exército foi enviado ao STF em 30 de agosto e, em 13 de setembro, a avaliação sobre o território em disputa entre Ceará e Piauí teve início. A previsão de término da primeira etapa de levantamentos era 25 de novembro, após cerca de 60 dias.
Questionado sobre se já teria finalizado essa fase, o Exército informou ao Diário do Nordeste que "as respostas para a sua demanda podem ser obtidas nos autos do processo". A última atualização sobre o caso foi feita justamente em 13 de setembro, como mostra o sistema do STF.
A reportagem perguntou, ainda, o motivo para o prolongamento do prazo e se há uma data-limite para a conclusão dessa etapa. Até a publicação desta matéria, contudo, não recebeu retorno da instituição.
Apesar disso, há, ainda, cerca de um ano de trabalho pela frente. Durante esse período, serão feitas imagens de toda a região em disputa.
Mobilização
A disputa atravessa séculos na tentativa de o Piauí incorporar parte de 13 municípios do Ceará à sua área total, com base em um decreto do Brasil Império. A reivindicação ganhou força em 2011, quando o estado vizinho levou o caso ao STF. Mas apenas agora o tema ganhou encaminhamentos mais palpáveis.
Enquanto o processo sobre o destino de 13 municípios cearenses corre em instância superior, a política no Estado se articula para ter base na disputa. Entre as mobilizações, há a que busca incluir etnias indígenas e quilombolas da região como polo passivo da ação no Supremo.
O setor produtivo também pretende unir forças para manter os territórios nos limites cearenses, principalmente a região de Ibiapaba, responsável por 40% da produção agrícola do Estado. “Vamos entrar nessa luta. Não pode haver perdas”, diz o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Amilcar Silveira.