Trabalhadores demitidos da Ducoco em Itapipoca acusam empresa de não pagar salários e rescisões
Empresa afirma passar por dificuldades financeiras, porém que está cumprindo com a legislação
Dezenas de trabalhadores desligados de forma coletiva pela Ducoco Produtos Alimentícios S/A, localizada em Itapipoca, sofrem com a falta de pagamento dos seus direitos trabalhistas. As demissões ocorreram, na grande maioria, para pessoas que ainda estariam no período de experiência e não receberam, inclusive, os dias trabalhados no mês, o que chamaram de “quinzena”.
Por conta disso, nesta sexta-feira (8), um grupo de demitidos está organizando um ato, em frente à empresa, para reivindicação de direitos trabalhistas, com concentração a partir das 7h30.
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Procurada pelo Diário do Nordeste, a empresa se manifestou por meio de nota enviada pelo setor jurídico. No documento, a Ducoco afirma que enfrenta alguns problemas de ordem financeira, mas que não impactam ou causam prejuízo aos seus colaboradores.
“A Ducoco sempre honrou com seus compromissos e preservou os direitos de seus colaboradores. Ao longo de sua história sempre cumprimos com a legislação e assim continuará”.
Ainda na nota é informado que a unidade fabril situada em Itapipoca “encontra-se em amplo funcionamento e vislumbrando a perspectiva de expansão”. Atualmente a Ducoco emprega na sua planta fabril do Ceará 520 colaboradores diretos e aproximadamente 1.000 indiretos.
Incertezas e sensação de impotência
Um jovem de 23 anos é um dos funcionários demitidos e ainda não recebeu qualquer valor referente ao desligamento. Assim como ele, a maioria das pessoas desligadas trabalhavam no setor da produção, no beneficiamento do coco, com atividades como ralação da fruta e extração da água, entre outras.
“A empresa fez uma grande demissão de funcionários aqui na unidade de Itapipoca. E, onde está o problema, é que eles não pagaram nada. Algumas pessoas estão completando quase um mês de demissão e não receberam nada”.
O ex-colaborador explica que assim como ele, todos já tiveram a baixa na carteira de trabalho (ato de confirmar o desligamento de um funcionário de uma empresa). “Mas não pagaram nada, não deram direito, não pagaram nada, nem os dias trabalhados. Muitos foram demitidos com dois meses de trabalho, ou um, dois dias antes de fecharem os três meses, e não receberam nem a quinzena de outubro, que trabalharam”.
Ele ainda diz saber que, conforme a lei, as rescisões deveriam ter sido pagas até 10 dias após a demissão, mas isso não ocorreu. “Quando tentamos, eles não nos atendem, não nos recebem. Estamos todos nessa situação aí”, desabafa.
Papel em branco e nenhuma ligação
Antes de fechar três meses de contratação, ou seja, ainda no período de experiência, outro ex-colaborador do terceiro turno (período da noite e madrugada) da produção foi demitido. Ao assinar o término do contrato de trabalho por tempo determinado, lhe foi informado que seria feita uma ligação confirmando o seu comparecimento ao departamento de recurso humanos (RH) da empresa no dia 24 de outubro, porém até agora, a ligação nunca foi feita.
“Já entrei em contato, já fui uma vez na empresa, entrei, falei com uma moça e ela disse para eu aguardar. Cansei de aguardar vários dias, fui lá novamente, mas não deixaram entrar mais e só me responderam da portaria, por telefone, dizendo que as papeladas já tinham sido enviadas para o escritório de contabilidade e que não era mais com eles, que não tinham mais nada a ver com isso”.
Ainda conforme as informações que esse ex-colaborador recebeu, a contabilidade seria feita em São Paulo. “E isso não aconteceu só comigo, mas com várias pessoas, todas que foram demitidas, e tem muitas pessoas demitidas de lá em outras datas diferentes, eu sou um dos mais antigos. Todos estão esperando o pagamento”.
No documento assinado por esse colaborador, o espaço em que seriam indicados o dia e a hora para “dar cumprimento às formalidades exigidas para a rescisão do contrato de trabalho”, está em branco, não foram preenchidos pelo RH da empresa.
Motivos que teriam levado às demissões
Questionada sobre as demissões e não pagamentos, a Ducoco respondeu em nota ao Diário do Nordeste, ressaltando o respeito aos colaboradores, clientes e comunidade de Itapipoca, que “devido à sazonalidade da produção na fábrica e à reestruturação que está realizando, ocorreram demissões de forma coletiva, ou seja, os postos de trabalhos não foram encerrados, somente ocorreu a suspensão destes, mas sempre obedecendo ao disposto em lei”.
Sindicato diz tentar diálogo com a empresa
A reportagem contactou o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentação de Itapipoca (Sintal), porém, não tivemos retorno. Mesmo assim, nas redes sociais da entidade é possível encontrar a imagem de um documento com uma lista de reivindicações.
No texto, o Sintal afirma que tentou por diversas vezes abrir um diálogo com a gerência da unidade da Ducoco de Itapipoca, bem como com a diretoria e o jurídico da empresa localizados em São Paulo, “para tentar solucionar vários problemas que vem acontecendo na Unidade Ducoco Itapipoca”.
“O que recebemos foram várias negativas de parte da empresa, que se recusa a dialogar com o sindicato para tratar dos problemas”, afirma o documento e, logo após, diz que foi feita uma denúncia no Ministério do Trabalho, assim como foram ingressados processos na Justiça do Trabalho.
“Em breve, se a empresa não solucionar tais problemas, só vai nos restar a paralisação das nossas atividades laborais para fazer valer nossos direitos, nem que seja pela força”.
Veja a lista de reivindicações do Sintal:
- Recolhimento de FGTS dos trabalhadores ativos e dos demitidos em 2024, 10 meses atrasado.
- A empresa não estar pagando o INSS dos trabalhadores.
- Fornecimento de cesta básica com produtos de qualidade como reza a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).
- Erros frequentes na folha de pagamento dos trabalhadores.
- Atrasos no repasse das mensalidades dos associados ao sindicato.
- Possíveis acúmulos e desvios de função (operadores que recebem só o piso salarial da categoria).
- Atraso no pagamento das férias dos trabalhadores.
- Não fornecimento de assentos nos locais de trabalho.
- Condutas inadequadas tanto para com os trabalhadores, quanto para com a organização sindical.
Empresa acusa sindicato de “tumulto dentro da planta fabril”
Sobre essa lista de possíveis descumprimentos de direitos dos trabalhadores, a Ducoco respondeu em nota ao Diário do Nordeste que “as alegações apresentadas pelo sindicato não são verdadeiras e beiram a má-fé”.
“Informamos que as medidas legais já estão sendo tomadas pela Ducoco em face do sindicato por estar proporcionando a desinformação e causando um verdadeiro tumulto dentro da planta fabril de nossa organização”, finaliza.
O que diz a lei sobre demissões no período de experiência
Advogado trabalhista e professor universitário Eduardo Pragmacio, afirma que o pagamento em casos de demissão, mesmo de trabalhadores em contrato de experiência, deve ser feito em até 10 dias (artigo 477 da CLT, par. 6º).
Ele explica que o chamado popularmente de contrato experiência, na verdade, é uma cláusula de experiência, em que o trabalhador tem a carteira de trabalho assinada normalmente, ele é registrado para fins de recolhimento de INSS, imposto de renda, Fundo de Garantia por tempo de Serviço (FGTS), entre outras obrigações.
Geralmente, as empresas fazem a cláusula com validade de 30 dias e essa pode ser renovada mais de uma vez, com prazo máximo de 90 dias.
“Agora, por que que se faz um contrato de experiência? Por uma questão financeira. Como é o contrato de experiência, quando ele termina no dia acordado, não existe a indenização dos 40% do FGTS em cima do tempo trabalhado e tampouco o aviso prévio, porque as partes já sabem, de antemão, quando o contrato vai terminar”.
Pragmacio ainda dá um exemplo prático sobre uma demissão em um período de experiência de 30 dias. “Imagine se com 20 dias de trabalho a empresa avalia que o colaborador não está adequado para a função. Se não tem contrato de experiência, precisa pagar um aviso-prévio indenizado de 30 dias de trabalho, ao passo que, quando faço um contrato de experiência de 30 dias e no 20º dia vejo que não vai dar certo, só pagarei metade dos 10 dias que faltam, ou seja, o valor de 5 dias”.
Veja os direitos que o trabalhador deve receber, a depender de quem/como terminou o contrato*:
A) se terminou no prazo combinado:
- 13º proporcional
- férias proporcionais +1/3
- saldo de salário
- saque do FGTS
B) se terminou antes do prazo combinado, por iniciativa da empresa:
- 13º proporcional
- férias proporcionais +1/3
- saldo de salário
- indenização dos 40% do FGTS
- multa do 479 da CLT (metade dos dias faltantes)
- saque do FGTS
C) se terminou antes do prazo, mas por iniciativa do trabalhador:
13º proporcional
férias proporcionais +1/3
saldo de salário
*Há outras possibilidades, como demissão por justa causa, mas estas são as consideradas mais comuns pelo advogado Pragmacio.
Breve histórico da Ducoco
A Ducoco Produtos Alimentícios S/A é uma empresa alimentícia brasileira fundada em 1982 a partir de uma plantação de cocos no interior do Ceará. Com o desejo de levar o melhor coco para todos, a Ducoco inaugurou sua primeira fábrica em Itapipoca/CE.
A Ducoco distribui produtos para todo território nacional e é uma das maiores exportadoras de água de coco do Brasil, atendendo o mercado externo desde 2000.