'Tijolão' na cintura, ligações de 3 segundos e chip 31 anos: relembre a história do celular no Ceará

Há 30 anos, o aparelho chegava ao Estado, moldando o comportamento de consumidores de diversas gerações

Escrito por Bruna Damasceno , bruna.damasceno@svm.com.br
Personagem mostra coleção de celulares
Legenda: O telefone celular tem 50 anos de história
Foto: Kid Jr / SVM

Há quase 30 anos, em novembro de 1993, a tecnologia de telefonia móvel chegava ao Ceará. Mas o primeiro celular, apelidado de “tijolão”, era inacessível para boa parte da população. Portanto, apenas consumidores de alto poder aquisitivo conseguiam exibir o apetrecho — de quase 1 kg — enganchado no cós da calça. 

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O servidor público Francisco Alverne Lacerda, de 61 anos, lembra bem daquela época. “Quando surgiu a abertura da linha, era preciso enfrentar filas e filas, mas era algo onerado. As pessoas pagavam para ligar e também para receber, além dos aparelhos serem muito caros”, recorda. 

Em Fortaleza, o projeto iniciou com a cobertura de uma área de 700 quilômetros quadrados, abrangendo também o Cumbuco, Porto das Dunas e o Distrito Industrial, em Maracanaú. 

No fim da década de 1990, até houve a popularização do produto eletrônico, mas o serviço ainda era para poucos. Para se ter ideia, a taxa da linha telefônica custava cerca de US$ 500.

Jornal antigo
Foto: Arquivo Diário do Nordeste

Diante do custo total, consumidores como o Lacerda só conseguiram comprar um celular alguns anos após a chegada. No caso dele, em 1998. “Quando houve a queda do preço, comprei um [modelo da] Ericsson, mas ainda foi um investimento alto”, diz.

Personagem
Legenda: O servidor público Francisco Alverne Lacerda, de 61 anos, mostra alguns dos aparelhos que utilizou ao longo dos últimos anos
Foto: Kid Jr / SVM

” Lembro-me de também ser uma peça de ostentação. Na Praça do Ferreira, por exemplo, era motivo de chacota quem tinha o famoso 'bolachão' na cintura, mas ligava de um orelhão. Como era muito caro fazer uma ligação, só se utilizava o celular para emergências”, relata.

Já nos anos 2000, surgiram os aparelhos com câmera. Depois, veio Blackberry, cuja utilidade ultrapassava a função básica, permitindo o envio de e-mail.

Celulares
Legenda: Coleção do professor de Telemática e diretor de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Edson Almeida, mostra a evolução do primeiro aparelho celular à chegada dos smartphones
Foto: Edson Almeida / IFCE

Todavia, a necessidade da maioria da população ainda era a chamada telefônica, inclusive dos mais jovens. Essa geração já tinha o celular em mãos, mas precisou buscar maneiras para utilizá-lo. Uma delas foi driblar o valor elevado do serviço com uma sequência de telefonemas de apenas três segundos, tempo limite para evitar a cobrança. 

Um dos adeptos da técnica era o músico Lucas Mesquita, hoje com 32 anos. Naquela década, aos 15 anos, ele teve o primeiro aparelho.

“Como era um chip novo, vinha com R$ 20,00 de crédito, mas se fosse usado direto, não dava para 15 minutos. Então, eu consumia os créditos para ligações sérias e, infelizmente, os três segundos para contatos despretensiosos”, conta.

Lucas olhando o celular
Legenda: O músico Lucas Mesquita, de 32 anos, teve o primeiro celular aos 15 anos. Na época, para driblar o custo elevado das ligações, precisou usar a famosa técnica dos “três segundos”
Foto: Fabiane de Paula / SVM

Outro recurso foi o “Chip 31 anos”, da “Oi”. O plano liberava, por três décadas, as ligações para contatos da mesma operadora, mas somente aos sábados e domingos. O produto promocional permitiu que adolescentes como o Lucas ficassem por horas ao telefone. 

“O meu tio tinha o chip com ligação gratuita aos fins de semana e salvava o meu namoro. Ele fazia uma conferência para eu conversar com minha namorada da época”, recorda o músico. 

Entenda o que mudou nos últimos anos

Primeiro celular
Legenda: O “tijolão” (DynaTAC 8000X) tinha mais de 25 centímetros de comprimento e pesava quase 1 quilo
Foto: Motorola Divulgação

A qualidade e o custo do serviço da telefonia móvel se transformaram ao longo das últimas décadas, tornando o celular popular e necessário no cotidiano da sociedade moderna. Atualmente, o Ceará contabiliza 9,4 milhões de acessos móveis, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). 

O professor de Telemática e diretor de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Edson Almeida, explica que, além das evoluções ligadas às funções do aparelho, também houve melhorias na prestação do serviço.

Na primeira geração, existiam interferências e ruídos nas ligações. “Mas havia uma vantagem em relação ao sistema digital. O analógico chegava a distância muito maiores”, aponta. 

“Inclusive, na época da mudança do 1 G para o 2 G, muitas pessoas do Interior e de regiões distantes não queriam trocar”, exemplifica, ponderando sobre a baixa qualidade da primeira versão. 

Edson acrescenta que a tecnologia também proporcionou a redução da clonagem de chips, com a mudança do sistema de TDMA (Time Division Multiple Access) para GSM (Global System for Mobile Communications ou Sistema Global para Comunicações Móveis). 

Por que as ligações eram caras?

Conforme o professor Edson, as ligações eram caras porque repassavam o alto custo do processo de implantação dos equipamentos da rede. 

“No começo, as operadoras cobravam tanto de quem fazia e recebia a chamada. Portanto, se falava pouco ao celular. Daí apareceu a história dos três segundos. Naturalmente, as empresas perceberam o fato e cortaram para um segundo”, observa. 

Diante das múltiplas funções do smartphone na atualidade, os telefonemas foram ficando anacrônicos. Nesse contexto, atualmente, as empresas oferecem pacotes com ligações gratuitas, focando na cobrança de serviços de internet, por exemplo.  

“A gente até brinca dizendo que os celulares fazem até chamada telefônica. Mas, lógico, tudo hoje é tratado como dado, ou seja, não há diferença para a operadora se ela está transmitindo voz, uma foto ou uma mensagem. Entretanto, quando tudo começou, a voz era o objeto”, compara.

*Colaborou o repórter João Lima Neto
 
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