Quase 80% dos trabalhadores ocupados no Ceará recebem até um salário mínimo

Maior parte da população cearense vive no limite da linha da pobreza, segundo o IBGE

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
comércio em Fortaleza
Legenda: Setor de serviços é um dos principais empregadores no Estado
Foto: Thiago Gadelha

Quatro em cada cinco pessoas ocupadas no Ceará recebem até um salário mínimo por mês. É o que indicam os dados da Síntese de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, divulgados nesta quarta-feira (6).

Os números são referentes às classes de rendimento domiciliar per capita mensal em cada uma das 27 unidades da federação e foram colhidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2022.

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Os dados apontam que 79,5% de toda a população cearense ocupada, seja em postos de trabalho formais ou informais, recebe até um salário mínimo por mês (R$ 1.320), o que representa aproximadamente 7 milhões de pessoas no Ceará.

Isso coloca o Estado como o quinto do País com a maior fatia de trabalhadores com remuneração próxima à linha da pobreza.

Apenas Maranhão, Alagoas, Paraíba e Amazonas têm percentuais maiores de pessoas que recebem até um salário mínimo. Na outra ponta, Santa Catarina se destaca por ser o estado com a menor porcentagem da população nesta faixa salarial.

No estado da região Sul do Brasil, 39,9% da população ganha até um salário mínimo.

Contudo, a maior fatia dos catarinenses ocupados (50%) recebe entre um e três salários mínimos mensais. O mesmo vale para o Rio Grande do Sul, onde 44,4% das pessoas trabalhando também estão nesta faixa.

APENAS 3,6% DOS CEARENSES GANHA ACIMA DE 3 SALÁRIOS MÍNIMOS

Os dados do Ceará apontam ainda para a desigualdade salarial. Se em uma ponta, a maioria recebe menos de um salário mínimo,outros 16,9% (cerca de 1,5 milhão de pessoas) ganham entre um a três salários.

Já os que ganham acima de três salários mínimos (a partir de R$ 3.960 per capita) chega a apenas 3,6% de toda a população no Ceará. Isso representa pouco mais de 316 mil pessoas.

RENDIMENTO MÉDIO AINDA BAIXO 

Esse desequilíbrio salarial se reflete ainda na remuneração média dos cearenses, com dados ainda mais discrepantes quando comparados à porção Centro-Sul do Brasil.

O rendimento médio de todos os trabalhos no Estado é de R$ 1.790 mensais. Isso coloca o Ceará como a quarta pior remuneração do País, atrás apenas de Alagoas, Maranhão e Bahia. 

Esse valor é 60% menor do que a remuneração média por mês no Distrito Federal, unidade federativa onde se tem o melhor salário mensal no Brasil: R$ 4.403.

Os dados são referentes a todos os postos de trabalho, formais ou não, ocupados por pessoas de 14 anos de idade ou mais.

Quando é levado em consideração a média nacional, a remuneração mensal é de R$ 2.659 per capita, pouco mais de dois salários mínimos.

Remunerações médias pelo País (R$/mês):

  1. Distrito Federal: 4.403;
  2. São Paulo: 3.254;
  3. Rio de Janeiro: 3.207;
  4. Santa Catarina: 3.030;
  5. Mato Grosso do Sul: 2.982;
  6. Rio Grande do Sul: 2.963;
  7. Paraná: 2.915;
  8. Mato Grosso: 2.853;
  9. Espírito Santo: 2.644;
  10. Goiás: 2.545;
  11. Roraima: 2.540;
  12. Tocantins: 2.432;
  13. Amapá: 2.361;
  14. Minas Gerais: 2.336;
  15. Rondônia: 2.334;
  16. Acre: 2.219;
  17. Rio Grande do Norte: 2.216;
  18. Paraíba: 2.107;
  19. Sergipe: 2.030;
  20. Amazonas: 1.988;
  21. Piauí: 1.939;
  22. Pará: 1.911;
  23. Pernambuco: 1.813;
  24. Ceará: 1.790;
  25. Alagoas: 1.780;
  26. Maranhão: 1.663;
  27. Bahia: 1.662.

Legenda: Agropecuária no Ceará ainda emprega grande número de pessoas, muitas delas na informalidade
Foto: Fabiane de Paula

DESEQUILÍBRIO EVIDENTE

Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam que o Ceará já avançou significativamente na comparação com outros períodos da série histórica, mas acreditam que é preciso potencializar certas questões.

A afirmação é corroborada pela análise do professorVitor Hugo Miro, do departamento de Economia Agrícola e coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP), ambos na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Segundo o docente, o Estado tem "uma herança de uma estrutura econômica muito desigual", que coloca ainda, em consonância com as definições do Banco Mundial sobre linha da pobreza, a maioria da população cearense vivendo no limite da faixa.

"Temos um grupo muito pobre e um outro grupo pequeno com rendimento muito elevado. Temos pessoas do setor empresarial com rendimentos bem elevados comparados com a grande maioria da população, uma cobertura muito desigual. Existem divergências interpessoais de renda, mas a gente também percebe a diferenciação de atividades econômicas no Estado", analisa.

O professor completa apontando o número excessivo de atividades econômicas na Grande Fortaleza em detrimento do interior do Estado: "Quase um vazio econômico, uma diferença espacial de renda muito grande".

O coordenador do LEP associa à baixa escolaridade e à necessidade de uma mão de obra pouco qualificada o cenário de baixa remuneração média mensal.

"Aqui no Ceará a gente tem um setor produtivo que ainda é concentrado em uma mão de obra pouco qualificada, postos de trabalho com pouca instrução, e isso é o que acaba ocasionando o rendimento mais baixo. Se você for olhar uma perspectiva mais histórica, o Ceará sempre figurava entre os três piores rendimentos do Brasil, ao lado de Piauí e Maranhão, mas ainda é preciso avançar", observa.

O aprofundamento da desigualdade é ainda maior para pessoas com postos de trabalho informais. Apesar de não ser uma exclusividade da economia cearense, Vitor Hugo pontua que certas particularidades do Estado agravam o cenário.

"O grau de informalidade na economia cearense é muito elevado, e isso é uma característica no setor de serviços. Isso não é uma coisa única nossa, é brasileiro, que tem esse perfil, mas infelizmente aqui no Ceará a gente tem um setor de agropecuária e industrial muito incipientes", disse.

Investimentos nos últimos anos fortaleceram um pouco mais o setor industrial aqui no Estado, mas para irradiar para a economia, com geração de novos postos de trabalho, leva tempo"
Vitor Hugo Miro
Professor de Economia Agrícola e coordenador do LEP da UFC

PROBLEMAS ESTRUTURAIS

Os dois indicadores revelados pelo IBGE nesta quarta-feira, atrelados a outros resultados, mostram que o situação socioeconômica no Ceará ainda se mantém como uma das mais desiguais do Brasil.

É o que infere João Mário de França, professor de Pós-Graduação em Economia da UFC (CAEN/UFC), que atribui ao maior investimento na educação na primeira infância uma certa melhoria nos indicadores sociais.

"Para que ocorra crescimento de renda média, tem de haver melhoria da escolaridade dos trabalhadores, e isso vai ocorrer com o passar dos anos, com o investimento mais forte na educação. A gente crê, no curto prazo mesmo, no ingresso de cearenses mais escolarizados no mercado de trabalho. São processos que já estão ocorrendo e vão aparecer números positivos mais lá na frente", diz.

Para ele, a baixa remuneração e a grande quantidade de pessoas vivendo com pouco dinheiro no Ceará estão alicerçados em problemas estruturais, que vêm passando por melhorias nos últimos anos.

Legenda: Apesar dos avanços, indústria no Ceará ainda paga pouco em comparação a outras regiões do Brasil
Foto: José Rodrigues Sobrinho/Diário do Nordeste

Além disso, o professor também acredita que o alto grau de informalidade em setores como agropecuária e serviços, setores com mão de obra majoritariamente braçal, também contribuem para esse cenário.

"Um dos aspectos para quem recebe menos são as baixas escolaridade e educação e também um problema estrutural da economia cearense que é a baixa dinâmica. Ainda tem setores mais tradicionais na economia, são setores que remuneram menos e também há uma quantidade de gente muito grande na informalidade. Setores mais modernos agora que estão chegando na economia cearense".
João Mário de França
Professor do CAEN/UFC

"Tem um público muito dependente de programas sociais porque não conseguir auferir renda suficiente  por questões como escolaridade, informalidade e falta de dinamismo na economia cearense. Isso gera um número muito grande de pessoas extremamente pobres, e vai levar algum tempo para ter uma melhora porque são aspectos estruturais", completa João Mário.

Apesar disso, o professor prevê que as soluções para a melhoria dos indicadores socioeconômicos já estão sendo percebidos na prática, como melhor atenção educacional e maior incentivo à atividades produtivas que exigem maior grau de escolaridade.

"Para absorver os jovens que estão chegando ao mercado de trabalho, tem de haver uma melhoria na  economia cearense, com setores mais dinâmicos e que remuneram mais, isso é mais recente. Quando se consolidar mais, atraindo empresas da área de tecnologia da informação, siderurgia, energias renováveis, hidrogênio verde, setores que têm potencial de trazer maior dinamismo à economia cearense", projeta.

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