Oito em cada 10 cidades do Ceará tinham situação fiscal ‘difícil ou crítica’ em 2020, diz Firjan

A falta de receita suficiente para financiar custos mínimos das prefeituras é o principal fator que puxa o desempenho ruim no Estado

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Serviços
Legenda: Municípios com maiores participações do setor de serviços na economia arrecadam mais ISS, elevando a receita.
Foto: Thiago Gadelha

O equilíbrio fiscal da máquina pública é uma das premissas para que as contas estejam em dia e os serviços sejam prestados à população com qualidade, além de proporcionar um bom ambiente de negócios. 

No Ceará, no entanto, 85,6% dos municípios - 8 em cada 10 cidades - estavam com gestão fiscal considerada em estado difícil ou crítico em 2020.

A informação é do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), que avalia anualmente a situação fiscal das prefeituras. 

Criado em 2013, o levantamento atribui a cada município pontuação que varia de 0 a 1: quanto mais próximo de 1, melhor a gestão.

Prefeituras que ganham nota entre 0 e 0,4 são consideradas em situação crítica. Aquelas com pontuação entre 0,4 e 0,6 estão em dificuldade. 

Os municípios com resultados de 0,6 a 0,8 estão com uma boa gestão. Já aqueles com nota acima de 0,8 possuem uma gestão de excelência.

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Situação preocupante

Conforme a especialista em Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Nayara Freire, a situação cearense é considerada preocupante, tendo em vista que a média nacional de municípios com gestão em dificuldade ou crítica foi de 57,7%.

Ela esclarece que a falta de autonomia - um dos quatro componentes do indicador - é o principal motivo para o desempenho tão ruim.

Um município é considerado sem autonomia quando as receitas, entre arrecadação municipal e repasses do Estado e da União, não são suficientes para cobrir as despesas mínimas, ou seja, os gastos com a estrutura administrativa da Prefeitura e da Câmara de Vereadores.

Freire revela que mais da metade (51,4%) dos 181 municípios do Estado acompanhados pelo levantamento - os outros três não prestaram contas com a Secretaria Nacional do Tesouro até a coleta dos dados - ficaram com nota 0 no quesito de autonomia.

Isso significa que o principal objetivo de emancipação de uma prefeitura pode estar ameaçado, uma vez que a prefeitura é considerada insustentável.

O problema fica mais evidente quando a média do indicador cearense é comparado com o resultado nacional. 

No ano passado, o Estado atingiu nota de 0,1193 em autonomia contra 0,3909 do País.

Gastos com Pessoal

O segundo componente avaliado é o grau de rigidez do orçamento com as despesas obrigatórias com pessoal. 

Os custos com pessoal é o item que mais pesa para o setor público, representando metade da Receita Corrente Líquida (RCL), em média.

Por ser obrigatório e não passível de ser cortado, um alto nível de comprometimento da RCL com gastos de pessoal pode ser um fator de alerta, especialmente em momentos de crise.

No Ceará, 63% dos municípios já ultrapassaram o limite de alerta desse comprometimento, estabelecido em 60% da RCL pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Liquidez e investimentos

O indicador de liquidez mede o cumprimento das obrigações financeiras das prefeituras. 

Para isso, é comparado o caixa no fim do ano dos municípios com os chamados restos a pagar, que são dívidas postergadas para o exercício seguinte.

O sinal vermelho é acionado quando o dinheiro em caixa não é suficiente para o financiamento desses débitos.

A situação foi observada em Fortaleza, que ficou com uma nota de 0,5575 em liquidez, resultado considerado em dificuldade.

A pontuação reduziu a nota do IFGF da Capital para 0,8109. 

Em 2019, o município tinha atingido 0,8481. Ainda assim, ele permanece sendo avaliado com uma excelente gestão fiscal.

No sentido inverso, o desempenho em investimentos, em dificuldade desde 2015, foi revertido e alcançou 0,8808, nota excelente pelos critérios do levantamento.

Freire explica que a pandemia e a necessidade de ampliação da rede pública de saúde são os fatores que explicam essa melhora, tendência observada em todo o Brasil.

O indicador de investimento avalia a capacidade do município de gerar bem-estar e competitividade na economia local.

Educação municipal

O consultor econômico e financeiro da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Irineu Carvalho, explica que os gastos com pessoal dos municípios cearenses são elevados devido a municipalização do Ensino Fundamental, responsabilidade que deveria ser dividida com o Estado.

No entanto, no Ceará, 98% das matrículas desse nível educacional são da rede municipal. 

Segunda Carvalho, essa é uma das estratégias para aumentar a qualidade do ensino.

Dessa forma, ele estima que, em média, 60% da RCL fique comprometida com o salário dos professores, sem contar os demais profissionais dos serviços públicos.

"Se por um lado se tem a despesa com pessoal elevada, por outro a gente tem os resultados educacionais que fazem inveja a todos os estados do Brasil"
Irineu Carvalho
Assessor econômico e financeiro da Aprece

Com a mudança no cálculo de repasses do Fundeb, ele acredita que os municípios cearenses devem receber mais recursos, o que deve amenizar o peso dos custos com pessoal em educação e melhorar os indicadores de gestão fiscal.

Setor terciário

Outro fator determinante no desempenho das prefeituras é o nível de desenvolvimento do setor de serviços, atividade que gera arrecadação de recursos através do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), assim como os repasses de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

"O primeiro da lista (de melhores desempenhos) é São Gonçalo do Amarante. Por que ele está nessa posição? Por causa do Porto do Pecém, do ISS em decorrência do terminal e do parque fabril que está lá, além do ICMS", ressalta.

"Então, onde tem a concentração de riqueza e o setor de serviços mais desenvolvido, você vai ter também esses municípios com melhor desempenho", acrescenta Carvalho.

Sobre a ranking dos 10 municípios com maiores notas em gestão fiscal, o consultor econômico e financeiro da Aprece pontua que não há nenhuma surpresa.

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