O que dizem setor aéreo e defesa do consumidor com a possível volta da gratuidade das bagagens
Aprovação no Senado da pauta reacendeu a discussão sobre a efetividade da cobrança
A possibilidade de volta da gratuidade no despacho de bagagens em voos comerciais após a aprovação da pauta no Senado nesta terça-feira (17) aqueceu o debate sobre o assunto.
Representantes da aviação nacional argumentam que o retorno vai encarecer ainda mais as passagens, enquanto defensores do direito do consumidor rebatem que o intuito da cobrança é de interesse das companhias apenas para aumentar o lucro das empresas, sem nenhuma contrapartida.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, classificou a aprovação no Senado como um erro e um retrocesso. Isso porque as regras brasileiras em relação ao despacho voltariam a ficar desalinhadas com as práticas internacionais, consideradas pelo executivo como melhores e mais competitivas.
"Vale lembrar que não existe bagagem gratuita, pois todos os passageiros vão ter de pagar essa conta. Era assim que funcionava anteriormente: o custo do despacho de bagagem era diluído em todos os bilhetes", pontua Sanovicz em comunicado emitido nessa quarta-feira (18).
O posicionamento da instituição ainda ressalta que a guerra na Ucrânia tem elevado consideravelmente o preço do querosene de aviação em decorrência da escalada do barril de petróleo. Uma segunda preocupação do momento é a variação do câmbio, isso porque cerca de metade dos custos do setor são solarizados.
Expectativas frustradas
À época que a cobrança pelo despacho foi instituída, as promessas eram que a mudança iria reduzir o preço das passagens e iria atrair companhias do segmento low cost (baixo custo) para o Brasil.
A Abear lembra que pelo menos oito empresas estrangeiras demonstraram interesse no mercado brasileiro, sendo sete delas low cost, mas as negociações teriam sido interrompidas, especialmente em 2020 com a chegada da pandemia.
O valor dos bilhetes também não arrefeceu, pelo contrário, a associação reconhece que os valores subiram, mas justifica os reajustes pela alta do câmbio em cerca de 60% e de 209% do querosene entre 2017 e este ano.
Maior gasto de combustível
O pesquisador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Nectar-ITA), Alessandro Oliveira, reforça a avaliação negativa sobre os possíveis impactos da volta do despacho gratuito.
Ele explica que o volume de bagagem contribui para a maior queima de combustível, um dos principais componentes do custo da operação. A partir a vigência da cobrança, ele pontua que o volume de malas se tornou mais moderado.
"Todo mundo leva uma quantidade (de itens pessoais) a mais de segurança, mas as pessoas não faziam o cálculo e colocavam bem mais bagagem do que era necessário, além da questão do turismo de compras, em que você vai pra Miami, pra Flórida, compra um monte de coisa e volta com tudo aquilo", afirma.
Outra consequência negativa, segundo o professor, é a diferenciação entre os tipos de tarifas oferecidas pelas companhias aéreas. Ele argumenta que as opções com menos serviços inclusos são oferecidas por valores mais baixos, possibilitando o maior acesso da população com menor renda.
Quem continua viajando, que tem renda mais alta, vai ter a bagagem grátis às custas de uma tarifa mais cara para quem tem menor renda. Agora, quem deixa de viajar é muito prejudicado, porque não tem mais acesso ao produto".
Narrativa para lucrar
Já o advogado e presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor (Acedecon-CE), Thiago Fujita, avalia que a cobrança pelo despacho foi apenas mais uma fonte de faturamento criada pelo mercado, que justificou a medida com a promessa de redução de valores que nunca foi concretizada.
Infelizmente, o mercado cria esse tipo de narrativa para justificar ou tentar modificar uma situação que favoreça o fornecedor. Isso era algo que estava em vigor há anos e ninguém contestava a gratuidade. Eu entendo que essa narrativa de que vai aumentar (os preços) é mais uma forma de tentar ameaçar com objetivo de continuar uma cobrança que não tinha necessidade de se haver".
Ele também critica que, mesmo com a cobrança, não houve melhora do serviço e os relatos de malas despachadas que foram danificadas continuaram constantes.
Fujita ainda lembra que, em diversas situações, as companhias oferecem o despacho gratuito quando não há mais espaço a bordo para todas as bagagens de mão. Segundo ele, isso apenas demonstra que o despacho dos itens não gera impactos significativos na operação.