Ceará é um dos estados mais impactados com atraso na regulamentação das eólicas offshore; entenda

Estado é o segundo com mais pedidos de licenciamento para usinas eólicas no mar

Escrito por Mariana Lemos , mariana.lemos@svm.com.br
foto de aerogeradores em eólicas offshore
Legenda: Eólicas offshore podem aumentar exponencialmente capacidade energética do Brasil
Foto: Shutterstock

O Ceará pode ser um dos estados mais afetados com o atraso na tramitação do marco regulatório das usinas eólicas offshore (construídas em alto mar) no Congresso Nacional. O Estado é um dos alvos de maior interesse de empresas para a instalação de empreendimentos, mas pode perder investimentos para países mais avançados na regulamentação.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recebeu 25 pedidos de licenciamento para a instalação de complexos eólicos no mar cearense, atrás apenas do Rio Grande do Sul. Os projetos podem aumentar a potência energética do Estado em 58,1 mil megawatts (MW).

Um dos projetos é da Neoenergia, umas das líderes da geração energética offshore, que assinou Memorando de Entendimento sobre a planta com o Governo do Ceará na última semana. A empresa também demonstrou intenção de implantar projetos no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

mapa de possíveis projetos de complexos eólicos offshore
Legenda: Ibama recebeu 25 pedidos de licenciamento para a instalação de complexos eólicos offshore
Foto: Divulgação/Ibama

Como tem negociações mais avançadas, o Ceará pode ser o ente da federação que “mais tem a perder”, segundo Bernardo Viana, diretor de Regulação do Sindienergia. Ele destaca que cada projeto representa investimento de bilhões de dólares

“Cada empresa tem uma política diferente. Se a empresa vê que a regulamentação nos Estados Unidos saiu primeiro, como já saiu, vai investir primeiro lá e depois vem para cá. Então um projeto que poderia ficar pronto daqui a cinco anos, pode ficar pronto só em dez anos”, afirma. 

O Ceará tem potencial de liderar a produção de energia em alto mar, avalia Jurandir Picanço, consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). O especialista reitera, entretanto, o risco de fuga dos investimentos devido à demora da regulamentação. 

“Não é que todos os empreendedores vão de uma forma orquestrada desistir de seus projetos. Mas com certeza o ânimo deve estar muito menor de que quando o processo se iniciou”, aponta. 

O consultor da Fiec ressalta que nem todos os pedidos de licenciamento serão convertidos em projetos, já que as empresas podem não escolher não seguir com o processo. Além disso, as áreas de algumas propostas se sobrepõem às outras. Os três empreendimentos sondados pela Petrobras no Ceará, em Fortaleza, Piedade e Prazeres, estão entre os que se chocam com outros projetos. 

Apostar na aceleração desse projeto é fundamental para a maturação desse modo de geração de energia, que tem uma capacidade maior que as eólicas convencionais e pode ser barateado com o tempo, segundo Picanço. 

Nos primeiros projetos eólicos, o custo de energia era alto. Se não tivéssemos começado, se não tivesse havido o Proinfra, até hoje estaríamos com custos elevados. No setor fotovoltaico, se repetiu o mesmo fenômeno. Só vamos sentir esses resultados a partir dos primeiros projetos.
Jurandir Picanço
Consultor de energia da FIEC

PROJETO TRAVADO NO SENADO FEDERAL

O projeto de lei que discute regras para a instalação de usinas de energia em alto mar foi apresentado pela primeira vez em 2018, no Senado Federal. O texto foi aprovado em 2022, passou por mudanças na Câmara dos Deputados e voltou para a análise dos senadores em novembro de 2023. 

Entre os pontos alvo de embate, estão a contratação de usinas térmicas a gás e manutenção de térmicas a carvão - fontes de energia não renováveis.

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Outro item do projeto prevê a alta da Conta de Desenvolvimento Energético (encargo setorial que é repassado aos consumidores na conta de luz) de R$ 25 bilhões para R$ 38 bilhões. Com a indecisão sobre os 'penduricalhos' do projeto, não há previsão de uma nova votação no Senado.

Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, aponta que a versão do projeto que passou pela Câmara é prejudicial à sociedade, já que aumentaria os custos das contas de luz desnecessariamente.

A especialista reprova a adição de incentivos a métodos de energia não renováveis e que já têm forte competitividade, como o carvão. 

“A adição desses outros temas prejudica o resultado final, adiciona custos. Existe uma dinâmica política para tentar a aprovação com menos objetos estranhos, mas a gente não sabe como vai ser aprovado. Quando se colocam objetos estranhos, incentivos a tecnologias que não precisa ou são competitivas, acaba prejudicando as pessoas”, comenta. 

RELAÇÃO DAS EÓLICAS OFFSHORE COM O HIDROGÊNIO VERDE

A intensão de instalar eólicas offshore no Brasil está relacionada com os planos de produção do hidrogênio verde no País. Isso se dá devido à alta demanda de energia das plantas do vetor energético, que pode ser suprida pelas usinas de alta capacidade no mar. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) projeta que a geração energética nas offshore pode ampliar em 3,6 vezes a capacidade energética do Brasil. 

Há empresas, inclusive, que realizam a produção do hidrogênio diretamente das eólicas. Bernardo Viana afirma que praticamente todos os projetos do hidrogênio de baixo carbono envolvem eólicas offshore, inclusive o empreendimento que pode ser instalado pela Qair no Complexo do Pecém.

O diretor de Regulação do Sindienergia expressa que, mesmo que o marco regulatório do H2V já tenha sido aprovado, os projetos podem ser impactados pelo impasse das usinas offshore. “Os dois projetos de lei e a regulamentação têm que sair para que os investimentos saíam do papel e as empresas comecem efetivamente a trabalhar”, opina. 

A complementariedade das duas tecnologias também é destacada por Joisa Dutra, que aponta que as eólicas de alto mar serão fundamentais para a descarbonização brasileira em seus estágios mais avançados, nas décadas de 2030 e 2040. 

Joisa explica que construir plantas eólicas em alto mar tem um grau de dificuldade menor que o das plantas de hidrogênio verde, impondo um desafio menor para os governos. A regulamentação dessas usinas deve, portanto, permitir a avaliação do potencial a partir de incentivos economicamente sustentáveis.

O Brasil precisa avançar em um programa que nos permita identificar qual é o potencial dessas tecnologias para o desenvolvimento sustentável do setor elétrico e do setor econômico. Quando a gente tá falando de descarbonização, não é só do setor de energia, é um desafio da economia. A gente tem que eletrificar outros usos, como o industrial e os transportes, então demanda aumento da participação da energia elétrica limpa. 
Joisa Dutra
diretora do FGV CERI

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