Pela previsão do Governo do Ceará, a partir desta quinta-feira, 1º de outubro, mais séries escolares podem retomar atividades presenciais. A decisão de voltar nesse momento deve passar por uma série de ponderações
A volta às aulas presenciais no Ceará durante a pandemia de Covid-19 está subordinada a um planejamento por etapas feito pelo Estado para garantir a segurança da comunidade escolar. Contudo, apesar da previsão de uma retomada gradual, é obrigatório que as escolas — públicas e privadas — continuem a oferecer aos estudantes a opção de não voltar e estudar em casa. No fim das contas, acaba sendo uma decisão dos pais autorizar ou não o retorno dos filhos à escola. Mas o que deve pesar na balança? O que tem sido considerado pelas famílias?
O EducaLab ouviu quem decidiu permitir a volta de crianças à escola e quem optou por manter a educação remota. De acordo com as mães que preferem resguardar os filhos, pesa sobre a decisão a preocupação com a saúde da família e o fato de as crianças terem se adaptado aos estudos em casa. Já para quem opta pelo retorno, se sobrepõe a necessidade de assistência integral às crianças, uma vez que, devido ao trabalho, não há como dar atenção.
Especialistas ressaltam, no entanto, que essa decisão, além de considerar a dinâmica familiar, deve ser tomada junto à escola, em diálogo com os filhos e priorizando os direitos das crianças à prática de atividade física, à aprendizagem concentrada e ao convívio social.
A professora Rochelle Costa, 32, mãe do João Luiz, 3, diz que, para ela e o esposo, o que mais tem pesado na decisão de manter o filho em casa, apesar da retomada do ensino infantil, é que o João passa muito tempo com os avós — grupo de risco da Covid-19 — e que a carga horária dela no trabalho foi reduzida, assim como o salário, o que trouxe prejuízo financeiro.
“Pensei que fosse ficar pagando, nem que fosse uma mensalidade reduzida, mas acabou que a escola não cobrou. E muitas das atividades do infantil 3 são de relacionamento, de música, que desenvolvem a coordenação motora. A escola não viu as aulas virtuais como uma possibilidade”, explicou Rochelle.
João estava começando o ensino infantil quando a pandemia chegou a Fortaleza e as aulas presenciais foram suspensas. Sem aulas remotas, ele se desenvolve com o apoio da família. “Quando tô livre, boto música, danço com ele, a gente faz atividades. Não é com a frequência e o tempo de uma escola, mas a gente faz o que dá. Leio bastante pra ele”, garantiu a mãe.
“O que se deve levar em consideração, acima de tudo, é a segurança. Dessa criança, do professor. Acompanhando a criação de alguns protocolos de retorno, vejo que tem um incentivo, um interesse, tem informação. Mas confesso que, como é algo que envolve todos, às vezes é um pouco mais difícil o controle. Não me sinto segura”, compreende Rochelle.
Maria Clara, 13, filha da contadora Natalícia de Jesus Lima Oliveira, 38, também não vai retornar à escola este ano. Segundo a mãe, além dela ter se adaptado aos estudos em casa, o pai e os avós compõem o grupo de risco da Covid-19 e ninguém da família foi ainda contaminado pelo vírus, o que os deixa mais vulneráveis.
“Eu, como estudante também (MBA de auditoria), acho que nada se compara a uma aula presencial. Mas ela (Clara) é muito estudiosa, mantém a rotina de estudar os conteúdos das aulas como era quando tinha as aulas presenciais, continua com notas boas. Acho que só com a vacina estaremos mais tranquilos. Até lá, muito cuidados”, assegura Natalícia.
Necessidade
Bruna Kelly Lima, 27, auxiliar administrativo, nunca teve a possibilidade de trabalhar em home office durante a pandemia. Seu filho, Miguel, 3, costumava estudar pela manhã e ficar com o avô de 73 anos, à tarde, enquanto Bruna e o esposo davam expediente.
Semanas atrás, quando foi permitido pelo governo, Miguel voltou à escola. Contudo, num grupo de mães, Bruna compartilhou que tem sido difícil. Tanto ela tem consciência de que o avô de Miguel corre risco de ser contaminado pela Covid-19, visto que o menino pode ser um vetor da doença, como o retorno ainda tem sido em regime de rodízio, exigindo da família uma organização interna que não é fácil de ser resolvida. Prejuízo na aprendizagem do filho, Bruna não acredita que deve haver, mas sabe que, ano que vem, ele terá de receber reforço.
Sobre o retorno às aulas presenciais, pesou, portanto, para Bruna, a “necessidade”. Aos que não têm o empecilho do trabalho, ela aconselha: “Se seu filho pode ficar em casa com pessoas de confiança ou com os próprios pais, deixe em casa mesmo”.
Prioridades
Especialistas defendem que, no momento de decidir sobre o retorno das crianças à escola, é preciso elencar prioridades. Para a psicopedagoga, psicomotricista e mestre em psicologia, Renata Pires, pais e responsáveis devem atentar para questões como: equilíbrio familiar, rotina sustentável, convívio social, saúde mental e contato com a escola. “É uma questão de parar, olhar pra sua realidade familiar, olhar pra realidade da sua criança, levar isso pra escola, compartilhar e construir essa decisão junto”, acredita a profissional.
Em termos de aprendizagem, mencionando ter ouvido relatos de intenções de que os filhos reprovem de ano, Renata aconselha aos pais “acalmar um pouco o coração”. Principalmente porque, para a profissional, o prejuízo desse ano letivo deve ser diluído nos próximos. “A pandemia trouxe imposições, limites, que trazem perdas para todos, mas a gente precisa pensar, diante dessas limitações, no que é possível”, orienta.
Rui Aguiar, chefe do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Fortaleza, concorda que o que deve ser priorizado neste momento é o bem-estar e os direitos das crianças, bem como o diálogo constante com a escola. “É fundamental estimular o diálogo entre família e escola, entre pais e filhos, envolver os professores, de forma constante, para que todos entendam seus papéis nesse retorno”, acredita o representante.
Decreto estadual
O último decreto do Governo do Ceará estabeleceu que mais séries escolares, dentro da macrorregião de Fortaleza, podem retomar as atividades presenciais a partir deste 1º de outubro.
Educação de Jovens e Adultos (EJA), com 35% da capacidade;
1º, 2º e 9º ano do Ensino Fundamental, com 35% da capacidade;
3º ano do Ensino Médio e Educação Profissional, com 35% de capacidade;
Educação Infantil, com 50% da capacidade.
Nos demais municípios do Estado, foram liberadas apenas as atividades presenciais de Educação Infantil da rede privada, limitadas a 30% da capacidade. A única exceção é o Cariri.
Oito municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), somados à Capital, Fortaleza, já anunciaram que não devem retomar as atividades presenciais este ano.
O que considerar no momento de decidir sobre o retorno às aulas presenciais?
Cada família vive uma realidade diferente. Portanto, não há solução coletiva. É preciso botar na ponta do lápis todos os prós e contras, priorizando o equilíbrio da família e os direitos das crianças. Confira alguns pontos a considerar:
Trabalho
Nem todos os pais podem trabalhar em home office e, ainda que possam, nem sempre é possível conciliar o trabalho com o supervisionamento das atividades escolares. Além disso, nem todos podem contar com outras pessoas para acompanhar os filhos nas aulas remotas e ao longo do dia. Porém, pais que já estão trabalhando presencialmente podem ter dificuldade em adaptar a rotina para deixar e buscar os filhos na escola em esquema de rodízio.
Finanças
Algumas pessoas perderam seus empregos durante a pandemia ou tiveram carga horária de trabalho reduzida, o que provocou perdas salariais e pode dificultar o pagamento de mensalidades. O ideal, nesse caso, é dialogar com a escola e deixar a administração a par da situação financeira da família para, juntos, chegarem a um consenso sobre o que fazer.
Saúde coletiva
A pandemia de Covid-19 continua e ainda não há vacina ou medicamento específico para combater o vírus. Mesmo que as escolas adotem protocolos de segurança sanitária, não dá para garantir que todos vão obedecer às regras, muito menos que as crianças não estarão suscetíveis ao contágio em algum momento.
Saúde mental
Segundo entidades internacionais ligadas à proteção dos jovens e à saúde, o isolamento prolongado, longe da escola e dos amigos, pode impactar profundamente crianças e adolescentes. Enquete feita pelo Unicef em setembro com quatro mil adolescentes mostrou que, do total, 72% sentiram necessidade de pedir ajuda em relação ao bem-estar físico e mental durante a quarentena. Porém, 41% não recorreram a ninguém. As aulas presenciais foram as primeiras atividades suspensas em Fortaleza após o início da pandemia de Covid-19 e estão entre as últimas atividades a voltar à ativa.
Convívio social
Crianças necessitam de convívio social, ainda que restrito. Portanto, mesmo que a decisão dos pais seja de manter o filho tendo aula remota em casa, é preciso garantir a ele o convívio com outras poucas crianças, sejam elas da família ou da vizinhança. Na escola, esse convívio seria também restrito e adaptado a inúmeras regras de higiene, mas ainda seria um convívio.
Rotina
Em casa ou na escola, é preciso estabelecer rotinas sustentáveis de estudo, exercício e convívio social. Até para que a criança consiga se adaptar aos modelos mistos de ensino propostos pelo Governo para diminuir as possibilidades de contágio pelo novo coronavírus.
Aprendizagem escolar
É preciso avaliar como a criança está se adaptando ao ensino remoto. Se a aprendizagem dela estiver muito prejudicada, voltar à escola presencialmente pode ser melhor. Contudo, se o aprendizado dela estiver progredindo e se a criança tiver a supervisão adequada, é possível mantê-la em casa. Importante dialogar sobre isso com a criança e com a escola, também.
Acesso a tecnologias
Às vezes, em casa, a criança não tem acesso às mesmas tecnologias de ensino que possui na escola. Em alguns casos, há famílias que não têm nem mesmo computador e acesso à Internet de qualidade, o que dificulta ou até impede a aprendizagem remota.
Diálogo com a escola
Dialogar com a escola é essencial para os pais nesse momento de decisão sobre o retorno às aulas presenciais. É preciso que se analise o cenário individual de cada família, mas, aliado à análise das instituições de ensino sobre o desenvolvimento educacional de cada criança, é possível chegar a um consenso sobre o que é melhor para ela.
Fontes: Renata Pires, psicopedagoga, psicomotricista e mestre em psicologia | Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) | Mães ouvidas para esta matéria.