Morre, aos 72 anos, o cantor e compositor Moraes Moreira

Artista baiano morreu devido a um enfarte enquanto dormia em casa, no Rio de Janeiro

Escrito por Redação ,
Legenda: Moraes Moreira lançou mais de 60 discos entre a carreira solo, Novos Baianos, Trio Elétrico Dodô e Osmar, além da parceria com o guitarrista Pepeu Gomes
Foto: Divulgação

Morreu, na madrugada desta segunda-feira (13), o cantor e compositor Moraes Moreira, aos 72 anos, em sua casa, no Rio de Janeiro. Um familiar do artista deu a notícia ao amigo de Moreira, o também cantor e compositor Paulinho Boca de Cantor, que confirmou a morte à imprensa e disse que Moraes Moreira morreu dormindo, segundo o Correio da Bahia. Conforme o jornal O Estado de São Paulo, a causa foi um enfarte.

O cantor nasceu na cidade de Ituaçu, na Bahia. De 1969 a 1975, formou, com Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão, os Novos Baianos, com o qual compôs seus maiores sucessos.  

Em 1975, deixou o grupo e iniciou carreira solo. No total, Moraes lançou mais de 60 discos entre a carreira solo, Novos Baianos, Trio Elétrico Dodô e Osmar, além da parceria com o guitarrista Pepeu Gomes, segundo informações do G1. 

Encontros no Ceará

No ano passado, o cantor apresentou, juntamente ao arquiteto, músico e poeta cearense Fausto Nilo, o show “Corações Democratas" no encerramento da Mostra Sesc de Culturas Sertão Central, em Quixeramobim. A dupla de compositores relembrou sucessos como “Festa do interior”, “Chão da Praça”, “Eu também quero beijar”, Pão e poesia” e “Bloco do prazer”, canções que fazem parte do repertório cativo de blocos carnavalescos de Fortaleza.

Legenda: Moraes Moreira dividindo o palco com Fausto Nilo no Cineteatro São Luiz, em agosto do ano passado
Foto: Foto: Guilherme Silva/Cineteatro São Luiz

O mesmo show teve como palco o Cineteatro São Luiz, no Centro da Capital, em agosto de 2019, em sua segunda apresentação. Em sessão única, os cantores passearam, mais uma vez, por algumas das principais canções escritas pela dupla, interpretadas por nomes como Caetano Veloso, Nara Leão, Trio Elétrico Dodô e Osmar e Gal Costa.

Trajetória 

Nascido Antonio Carlos Moreira Pires, Moraes Moreira começou a carreira na música ainda adolescente, tocando sanfona de 12 baixos. Com pouco tempo de aprendizado, já animava festas de São João, casamentos e batizados. 

Conforme a Enciclopédia do Itaú Cultural, no ano de 1963, o artista fez curso na cidade de Caculé, interior da Bahia, onde conheceu diversos violonistas e se apaixonou pelo instrumento. Com 19 anos, mudou-se para Salvador com o intuito de fazer Medicina, mas acaba indo estudar música no Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia. 

É na pensão em que passou a morar que conheceu os futuros parceiros do grupo Novos Baianos: Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão. Este o apresenta ao cantor e compositor baiano Tom Zé, professor de violão no seminário, com quem troca informações sobre harmonia e composição.

Os amigos da casa começam a elaborar o espetáculo de estreia do Novos Baianos, intitulado "O Desembarque dos Bichos depois do Dilúvio Universal". Era 1968. A apresentação também contava com também com a cantora Baby Consuelo (atual Baby do Brasil) e o guitarrista Pepeu Gomes. 

Juntos nessa nova formação, o grupo parte para São Paulo a fim de participar do V Festival da Música Popular Brasileira, defendendo a música "De Vera", de Moraes Moreira, com letra de Galvão, de quem se torna parceiro frequente.

Em seguida, os Novos Baianos lançam o primeiro disco, "Ferro na Boneca". Em 1972, chegaria ao público o antológico "Acabou Chorare", com mais de 100 mil cópias vendidas e apontado pela revista Rolling Stone Brasil como o melhor disco da história da música brasileira – eleito com esse título numa lista de 2007.

Legenda: O artista no estande do Cordel e do Repente, durante a Bienal do Livro de São Paulo, em 2018
Foto: Foto: Divulgação/Editora Imeph

Ao seguir carreira solo, a partir de 1975, Moraes contou com o guitarrista Armandinho, seu primeiro parceiro nessa nova fase. Nesse movimento, toca com o trio elétrico de Dodô e Osmar (pai de Armandinho) em 1976, sendo o primeiro cantor de trio elétrico.

Fez grande sucesso com a marchinha "Pombo Correio", parceria com Dodô e Osmar. Não à toa, é apontado como um dos principais responsáveis pelo crescimento do carnaval de rua em Salvador.

O disco "Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira" nasce exatamente nesse contexto, em 1979, num intercruzamento de gêneros musicais, dialogando com o rock, samba, choro e a estética do tropicalismo.

Na produção, as canções foram feitas em parceria com nomes como Pepeu Gomes, Oswaldinho do Acordeon, Jorge Mautner e o arquiteto, músico e poeta cearense Fausto Nilo (com quem compôs, dentre outras músicas, "Santa Fé", tema de abertura da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, em 1985.

Apenas em 1997 reúne novamente os Novos Baianos. O grupo lançou o disco ao vivo "Infinito Circular", com canções dos discos anteriores e inéditas. 

Cordel

Recentemente, Moraes Moreira escreveu e publicou nas redes sociais um cordel intitulado "Quarentena", falando sobre a atual situação de pandemia. Nos primeiros versos do texto, anuncia: "Eu temo o coronavírus/ E zelo por minha vida/ Mas tenho medo de tiros/ Também de bala perdida,/ A nossa fé é a vacina/ O professor que me ensina/ É a minha própria lida".

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Oi pessoal estou aqui na Gávea entre minha casa e escritório que ficam próximos,cumprindo minha quarentena,tocando e escrevendo sem parar. Este Cordel nasceu na madrugada do dia 17, envio para apreciação de vocês .Boa sorte Quarentena (Moraes Moreira) Eu temo o coronavirus E zelo por minha vida Mas tenho medo de tiros Também de bala perdida, A nossa fé é vacina O professor que me ensina Será minha própria lida Assombra-me a pandemia Que agora domina o mundo Mas tenho uma garantia Não sou nenhum vagabundo, Porque todo cidadão Merece mas atenção O sentimento é profundo Eu não queria essa praga Que não é mais do Egito Não quero que ela traga O mal que sempre eu evito, Os males não são eternos Pois os recursos modernos Estão aí, acredito De quem será esse lucro Ou mesmo a teoria? Detesto falar de estrupo Eu gosto é de poesia, Mas creio na consciência E digo não a todo dia Eu tenho medo do excesso Que seja em qualquer sentido Mas também do retrocesso Que por aí escondido, As vezes é o que notamos Passar o que já passamos Jamais será esquecido Até aceito a polícia Mas quando muda de letra E se transforma em milícia Odeio essa mutreta, Pra combater o que alarma Só tenho mesmo uma arma Que é a minha caneta Com tanta coisa inda cismo.... Estão na ordem do dia Eu digo não ao machismo Também a misoginia, Tem outros que eu não aceito É o tal do preconceito E as sombras da hipocrisia As coisas já forem postas Mas prevalecem os relés Queremos sim ter respostas Sobre as nossas Marielles, Em meio a um mundo efêmero Não é só questão de gênero Nem de homens ou mulheres O que vale é o ser humano E sua dignidade Vivemos num mundo insano Queremos mais liberdade, Pra que tudo isso mude Certeza, ninguém se ilude Não tem tempo,nem.idade

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A prática de escrever versos em literatura de cordel andou com ele a partir de 2007, quando lançou "A História dos Novos Baianos e Outros Versos", contando a trajetória do grupo ao qual pertenceu e sempre foi lembrado. Conforme contou em 2018 ao Diário do Nordeste, durante o lançamento da nova versão do cordel na Bienal do Livro de São Paulo pela editora cearense Imeph, a influência veio do irmão, o qual chamava de "Zé Walter".

"Ele foi meu mestre no cordel. Nas minhas músicas, já tinha alguns traços, um pouco dessa arte - os versos contados, a tríplice (métrica, rima e oração) -, mas não tinha um rigor. Depois, comecei realmente a estudar a temática, aprendendo como era a questão das sílabas contadas e as rimas no lugar certo, por exemplo, o que me permitiu fazer as inovações", situou.

Legenda: Capa da nova edição de "A história dos Novos Baianos", publicado pela editora cearense Imeph

Na ocasião, também explicou que a vontade de contar a história dos Novos Baianos era antiga e dialogava com um princípio curioso do grupo. "Queria muito trazer essa história porque a gente vivia contando causos sobre nós mesmos. A meninada, a juventude, se interessou muito pela vida dos Novos Baianos porque não éramos só um grupo que cantava. Tínhamos uma filosofia de vida, que dizia o seguinte: 'Quem é Novos Baianos tem que tocar, cantar e morar junto'".

À época, a entrevista finalizava com o artista enumerando diversos planos, sempre tendo como foco a arte da escrita.  

"Não pretendo parar de escrever. Agora, tô nessa atividade: fazendo a minha passagem de cantor para cantador"

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