Em cartaz no Cinema do Dragão, 'Los Silencios' retrata o drama de refugiados

Destaque na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2018, filme da brasileira Beatriz Seigner conta a sensível desventura de uma família colombiana em busca de redenção

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.br
Legenda: A câmera de Beatriz Seigner trafega por cada pedaço da "Ilha da Fantasia", ambientando o olhar do espectador àquela realidade.
Foto: Divulgação

O drama testemunhado por refugiados na América Latina é uma das primeiras reflexões possíveis do filme "Los Silencios", em cartaz a partir de hoje (11), no Cinema do Dragão. Segundo filme na carreira da cineasta Beatriz Seigner ("Bollywood Dream - O Sonho Bollywoodiano"), a coprodução entre Brasil, Colômbia e França apresenta o dilema de uma família massacrada pela violência e exclusão.

Amparo (Marleyda Soto) e os filhos Nuria e Fábio abandonam a Colômbia natal em decorrência dos conflitos entre as Farc e o governo daquele País. Sem notícias do marido Adão (Enrique Diaz), brasileiro dado como morto após envolvimento direto no confronto armado. Resta ao trio lutar pela sobrevivência e ao mesmo tempo recuperar um pouco da dignidade em terras estrangeiras.

A família recomeça do zero na ilha situada entre a tríplice-fronteira Brasil-Colômbia-Peru, conhecida como "Ilha da Fantasia". Ali, inexiste qualquer tipo de política pública, afinal, nenhuma das nações reclama para si a responsabilidade da região. Trata de uma espécie de "não lugar", território cuja gerência é garantida por criaturas advindas das mais diferentes nacionalidades.

Legenda: Enrique Diaz (Adão) e a irretocável Marleyda Soto são os únicos atores profissionais do elenco
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Unindo os cacos, a Amparo, construída de maneira irretocável pela atriz colombiana Marleyda Soto, enfrenta cada pequena dificuldade do cotidiano com altivez. Naquele lugar esquecido pelas autoridades, arrumar algum tipo de sustento é um processo árduo. Outra dificuldade ainda maior é educar o irrequieto Fábio (Adolfo Savilvino), criança marcada por acontecimentos nefastos dos quais foi obrigado a presenciar.

A câmera de Seigner trafega por cada pedaço da Ilha, ambientando o olhar do espectador àquela realidade. A escolha contemplativa da diretora respeita e realça as características visuais do lugar. Porém, a beleza geográfica é emoldurada pela miséria contínua daqueles moradores.

Legenda: Outras discussões sócio-políticas contemporâneas são encontradas ao longo da obra, como especulação imobiliária, intolerância, relações trabalhistas no campo e políticas para refugiados
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No tocante à sobrevivência, cada dia prossegue mais severo que o outro. A filha Nuria (María Paula Tabares Peña) carrega no semblante a perspectiva de alguém deslocado do próprio tempo, de quem teve as vivências destroçadas pelo caminho. A partir dela, somos agarrados pela mão para a temática sobrenatural presente no roteiro.

Mergulho

As dificuldades dos estrangeiros expropriados reverberam o debate político assumido por "Los Silencios". Na atual esfera das relações internacionais, construir muros nas fronteiras para afastar os vizinhos tem sido um tema discutido e até, infelizmente, aceito. Afastar o diferente tem sido bandeira cada vez mais comum e a obra de Seigner se embrenha na discussão.

Legenda: A família recomeça do zero na ilha situada entre a tríplice-fronteira Brasil-Colômbia-Peru
Foto: Divulgação

Ao narrar a história de uma mulher latina, da mãe dilacerada por dentro, a brasileira nos aproxima da necessidade de abrigo e amparo aos que sofrem barbáries em locais de conflito. Para tanto, conseguir tal nível de desprendimento e empatia requer um olhar profundo para a história do próximo. Simboliza desaprender velhos e perigosos dogmas.

Os bastidores de produção do filme já evidenciam essa escolha. Foram sete anos de cuidado com o roteiro. Some as seis semanas de ensaio e preparação às seis semanas de filmagem, além dos nove meses de montagem e edição de som. O resultado em tela demonstra a imersão da realizadora. Para se ter uma ideia, de todo o elenco, apenas Enrique Diaz e Marleyda Soto são atores profissionais.

O núcleo das crianças e dos outros personagens presentes na trama é formado por reais moradores da Ilha. Falado em espanhol e em línguas indígenas, "Los Silencios" exigiu de Seigner o máximo. Nada mais coerente para uma realizadora compromissada a contar uma narrativa de resistência.

Legenda: O pequeno mundo de descobertas de Fábio (Adolfo Savilvino)
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Outras discussões sócio-políticas contemporâneas são encontradas ao longo da obra, como especulação imobiliária, intolerância, relações trabalhistas no campo e políticas para refugiados. Tratam de denúncias essenciais para atiçar o olhar sobre a história latino-americana. Ao citar outros povos, Seigner fala de nós brasileiros. Vendidos erroneamente como uma civilização hospitaleira e feliz, desconhecemos ainda muito das vivências presentes em nações tão próximas. É algo aterrador, perceber o quanto conseguimos ser excludentes. É necessário despertar, explica o depoimento da cineasta.

"É muito triste ver que não aprendemos espanhol nas escolas, não aprendemos sobre Bolívar, os povos pré- colombianos, as sociedades indígenas e toda uma cultura latino -americana. Estamos todos passando por um processo de descolonização, por isso tanta necessidade de reforma agrária, de reparação, de justiça, de discussão de gênero e raça. São debates muito vivos em torno destes territórios e é muito rico poder andar neles e poder se encontrar no outro. Espero que o filme passe aquilo que eu senti, que descubramos nosso lado latino-americano", provoca.

Legenda: Beatriz Seigner imersa na realidade da Ilha da Fantasia
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