Bienal do Livro: um olhar sobre questões da produção editorial independente debatidas no evento

Representantes do setor do livro discutem cenário de publicação autoral, levantando perspectivas e reflexões

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@verdesmares.com.br
Legenda: O estande Quadra na XIII Bienal do Livro do Ceará
Foto: Foto: Felipe Abud

A cada edição, a Bienal Internacional do Livro do Ceará assume caráter mais abrangente, indo muito além somente do espaço dedicado à comercialização de livros. O evento – o maior voltado à leitura e literatura do Estado – confere enfoque cada vez maior às discussões e diálogos presentes em mesas, bate-papos, vivências e colóquios. O movimento é necessário para abertura de novas formas de pensar as obras – da logística para que cheguem às estantes suas peculiaridades e ressonâncias.

Nesse sentido, a mesa “Economia Colaborativa, a sustentabilidade de pequenas e médias editoras e livrarias”, realizada no segundo dia de evento, tratou de dar o start para que o público refletisse sobre a seara independente de publicação, estendendo os tentáculos para além do evento. 

O momento contou com mediação de Talles Azigon, da Editora Substânsia; os editores Anna Dantes (Dantes Editora/RJ), Rosel Soares (Casarão do Verbo/BA) e Simone Paulino (Editora Nós/SP); e o livreiro cearense Guarany Oliveira, gestor da Livraria Lamarca.

No centro do debate – integrando o eixo “O Livro e seus mercados: Uma reflexão” – um olhar plural sobre o cenário das empreitadas capitaneadas por pequenos projetos e equipes, a exemplo dos nomes citados. Instigados por Talles, primeiramente os editores analisaram: tendo uma editora nas mãos, qual o sentimento que fica ao pensar no dinheiro?

Simone Paulino sublinhou que processos colaborativos entre casas editoriais, tão almejados e bem-vindos, ainda não acontecem completamente ou sofrem de precariedade, o que impacta diretamente no faturamento de maneira igualitária

“Tenho a ideia de que, se você quiser ganhar muito dinheiro, não é sendo livreiro ou editor. A Editora Nós, que vai fazer cinco anos, é basicamente eu e acho que há muita coisa injusta no processo do livro”, avalia.

“As grandes editoras se apropriam de uma forma voraz das ideias que os pequenos foram encontrando para sobreviver. Não acho isso nada colaborativo. É muito predatório”, completa, sublinhando que, para ela, a venda assume instância secundária na grande equação do trabalho que assume.

Semente

Por sua vez, Anna Dantes menciona que compreende a logística dos pequenos empreendimentos do livro: o último valor a ser calculado, de fato, é o retorno financeiro. Contudo, a conta no mercado é muito difícil de se fazer, posto que as livrarias ficam com um grande percentual da venda, necessário para que existam, quando a editora é a cabeça de chave de todo o cenário.

“É uma semeadura que você faz com o livro. Imagina que ele vai para o mercado, mas sabendo que a volta vai vir de forma muito lenta. Esse investimento feito pelas editoras independentes tem se refletido em tiragens muito pequenas e em ações que, por vezes, podem transformar o livro em exposições e encontros, a exemplo do que fazemos com a Dantes Editora”, explica.

Não à toa, a profissional enxerga a crise que assola o mercado editorial com otimismo. “Ela veio para baixar a bola de um mercado que está totalmente desenfreado, com títulos que não fazem o menor sentido. Não temos que ter medo disso; pelo contrário: é ter mais coragem, mais animação, porque estamos aqui para transformar a situação. Senão, não havíamos virado editores”.

O mesmo espírito reside no pensamento de Rosel Soares, da baiana Casarão do Verbo. Para ele, a casa se firmou com o desejo de intervir na realidade local, driblando a logística do mercado maior. “Nossa intenção é, com o tempo, criar até uma espécie de circuito, instalando bibliotecas. Nosso comprometimento é com a melhoria dos índices de leitura e a formação intelectual de leitores”, situa.

Legenda: O estande Quadra na XIII Bienal do Livro do Ceará
Foto: Foto: Felipe Abud

Possibilidades

No posto de livreiro, Guarany Oliveira, um dos responsáveis pela Livraria Lamarca, há três anos no mercado local, elenca ações que têm feito o pequeno empreendimento dobrar o faturamento nos últimos meses, na contramão do que tem se observado nacionalmente.

“O mercado editorial é um prestador de serviços de dois polos, pois ele só existe porque tem gente que quer escrever e gente que quer publicar. Enquanto livreiros, nosso papel é fazer com que as duas instâncias se encontrem junto ao leitor”, afirma, mencionando ações como oficinas, saraus, lançamentos e um bar-café funcionando na livraria como forma de otimizar o contato.

A projeção do trabalho veio logo. A própria organização da Bienal enxergou o potencial do projeto e apostou nele. Nesta edição do evento, além de manter um estande da Lamarca, a casa esteve com outro: a Quadra, voltado para autores e publicações independentes. “Fundamental no convencimento sobre a qualidade dessas obras que não estão na mídia”, afirma Taline Procópio, livreira da Lamarca e expositora responsável pelo estande.

Serviço
XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará
Até o dia 25 de agosto, de 10h às 22h, no Centro de Eventos do Ceará (Av. Washington Soares, 999, Edson Queiroz). Programação gratuita.

> LEIA MAIS: O CASO DA FOLHA CURIÓ

Projeto independente, a Folha Curió também integra o rol de ações da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará marcadas pela conquista do espaço por parte dos pequenos empreendimentos. O jornal comunitário nasceu como extensão do mesmo espírito da Biblioteca Livro Livre Curió: democratizar o acesso à informação por meio de um suporte que falasse sobre e para a comunidade, com assuntos pertinentes a ela. A 6ª edição transbordou as fronteiras do bairro e foi lançada na Bienal, patrocinada por editoras e com 1.500 exemplares, feito inédito para a equipe. De acordo com Talles Azigon, um dos integrantes do coletivo à frente da Folha, "o jornal tem um crescente muito grande de qualidade. Na Bienal, além do lançamento, a equipe do projeto está trabalhando como imprensa, após solicitação da galera junto à organização do evento". Para ele, o mais importante nisso tudo é saber o grau de satisfação e instigamento da turma.

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