Aumento de bicicletas nas ruas impulsiona novos negócios na Capital
Com maior quantidade de pessoas utilizando o modal no Estado, empreendimentos se consolidam no setor, ao passo em que outros surgem para suprir a demanda crescente de um público que se consolida
Quando a discussão sobre o aumento de entregadores ciclistas nas ruas da Capital se aprofunda, debater o contexto desse crescimento repentino torna-se fundamental. Para além do desemprego que atinge esse público, alguns negócios vêm adquirindo público e firmando espaço no mercado cearense, a partir do aquecimento do mercado de peças e bicicletas.
Há 35 anos, Francisco Queiroz Nobre, o 'Amiguinho', saiu da cidade de Redenção (a 68 Km de Fortaleza) para empreender na Capital. Depois de um malogrado negócio voltado a gêneros alimentícios, ele percebeu -observando um ponto que havia alugado para uma oficina de bicicletas - que o número delas no local vinha crescendo.
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Os primeiros 20 itens que o 'Amiguinho' comprou, para iniciar a loja de venda de peças e bicicletas, se multiplicaram para 3 mil. O filho de Queiroz, Gleilson Nobre, atual gerente comercial do negócio, lembra da explosão de bikes dos anos 1990, que arrefeceu nos anos 2000, em razão da popularização das motocicletas. Contudo, desde o início desta década, o mercado vem se modificando.
"Cresceu muito o segmento de bicicleta voltado para lazer, esporte e saúde. Eu venho observando isso e, a partir de 2020, é uma tendência a bike como meio de transporte alternativo, em que a pessoa utiliza para andar distâncias mais curtas para evitar o trânsito", ressalta o administrador.
De acordo com Gleilson, a venda, atualmente, se concentra nas bicicletas mais baratas porém, ele ressalta que, para o mercado continuar crescendo, é importante o incentivo do poder público quanto às políticas de mobilidade urbana. "A gente não tinha a cultura de utilizar tanto a bicicleta. A partir do momento em que começou-se a fazer uma estrutura cicloviária, as pessoas passaram a usar mais. Esses entregadores, sem essas ciclovias, ciclofaixas, acho que iria até dificultar esse pessoal ter começado", acredita.
Clientela
Desde que começou as atividades como entregador, há quase um ano, Fabrício Costa, de 37 anos, vai mais vezes ao 'Amiguinho' comprar peças para resolver problemas que surgem durante o trabalho. Entre uma pedalada e outra, é um freio que parou de funcionar, um pneu que ficou careca ou uma corrente quebrada.
Não seria para menos, uma vez que o ex-consultor de vendas chega a trabalhar cerca de 12 horas por dia pelas ruas de Fortaleza. "A empresa acabou tendo que demitir algumas pessoas, e eu fui junto mediante a crise financeira que se abateu sobre ela. O aplicativo foi a única opção que eu vi para obter algum tipo de renda", conta Fabrício.
O entregador é apenas um dos diversos clientes que fazem a economia da bicicleta girar no Ceará. Embora a demanda tenha supostamente aumentado, após uma série de políticas públicas de incentivo ao uso do modal, o segmento parece continuar andando em marcha lenta.
Os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos ao ano de 2017 - quando relacionados com informações do Ministério da Economia - mostram que a produção e a comercialização no segmento de bicicletas no Estado não são tão significantes, diferentemente do que foi verificado em polos industriais como São Paulo.
Na Zona Franca de Manaus, no primeiro semestre deste ano, houve crescimento de 17,8% na produção de bicicletas ante igual período de 2018. Até o fim deste ano, deverão ser produzidas, no local, 857 mil bicicletas. Conforme o vice-presidente do segmento de bicicletas da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), Cyro Gazola, a indústria tem apresentado dados bastante positivos desde o ano passado.
"A alta foi impulsionada pela maior oferta de produtos de médio e alto valor agregado, preços mais competitivos e expansão da mobilidade urbana, com a ampliação das redes de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas nas cidades brasileiras", justifica.
De acordo com o vice-presidente da Abraciclo, o brasileiro tem preferido adquirir sua bike no mercado nacional. A categoria Mountain Bike é a mais vendida (53%), seguida da Urbana (33,8%), a Infanto-juvenil (11,9%), Estrada (1%) e Elétrica (0,3%). "O aumento da venda de bicicletas se deve ao fato de as fabricantes investirem em tecnologias de ponta. Estas melhorias contínuas nos produtos fazem com que naturalmente ocorra uma preferência crescente pelas bicicletas nacionais", assinala.
Novos negócios
Em decorrência do crescente número de ciclistas que vêm tomando as ruas da Capital, cicloativistas e atletas começam a buscar, na relação íntima que possuem com as magrelas, alguns modelos de negócio capazes de atrair esse público e, ao mesmo tempo, garantir um bom empreendimento.
O atleta Maurício Leão deixou um pouco de lado as atividades físicas que desempenha para se dedicar ao primeiro bike-café do Norte-Nordeste. Com referências europeias e paulistanas, o empreendedor resolveu inaugurar, em dezembro do ano passado, o Clássica Bike &Café. O diferencial da proposta é a junção dos serviços de conserto de bicicletas e venda de peças com a comercialização de gêneros alimentícios.
"Eu vejo isso aqui como um promotor de saúde", simplifica Maurício. De acordo com ele, o empreendimento começou a partir da venda de cafés e produtos correlatos, além do almoço que surge agora como uma aposta. "Bicicleta não sai de moda. Todo ano, bicicleta tem crescimento, mais venda. A tendência aqui é crescer, fazer um trabalho benfeito. Quando se presta um serviço diferenciado, a tendência é crescer e, geralmente, a gente se consolida com dois anos".
Há quase três anos, em dezembro de 2016, o publicitário Elih Alcântara, 30, resolveu, da mesma forma, usar a bicicleta como modelo para o negócio que pretendia criar. Naquela época, ele nem conseguiria imaginar que o Beer.After.Ride - popularmente conhecido como BAR - cresceria entre o público ciclista e passaria a atingir outros ciclos.
"Hoje é muito misturado. A maioria das pessoas percebe a proposta, mas não se sentem mais como se fosse um bar só de ciclista. A ideia não é excluir quem não pedala, a ideia é trazer a temática, e quem pedala bebe também", pontua Elih, ao acrescentar que, atualmente, o BAR tem o quádruplo das mesas que dispunha no início.
Para o sócio do Beer, Lucas Bayde, o negócio nasceu já com a ideia de não ser exclusivamente para o público ciclista. "É como se a mobilidade da cidade tivesse mudando e, não só o bar, mas outras casas estivessem atentos a isso. Eu vejo a bicicleta como a decoração do bar, ele nasce na nova perspectiva de mobilidade daqui, como se estivesse inserido já nessa realidade".
No antigo espaço, que funcionava no Dionísio Torres, os empresários atendiam entre 50 e 60 pessoas "com as mãos na cabeça desesperados", como eles mesmo dizem. Hoje em dia, em uma sexta-feira com muita gente, chegam a circular no espaço cerca de 600 pessoas. "O que eu penso pra breve é expandir o negócio. E a gente tá tendo algumas ideias bem legais. Meu objetivo com esse bar é me tornar uma referência na cidade de Fortaleza, mas o caminho é longo, né?", pensa Lucas.