'Ela é perfeita como ela é', diz mãe sobre a jornada de aceitação de filha com síndrome rara

A experiência com a maternidade levou Marcela a publicar um livro de contos falando sobre a relação com a filha.

Escrito por Redação ,
Marcela sorri enquanto segura a filha Melina nos braços na frente do bolo de aniversário da bebê
Legenda: "Não ela que tem que aprender a enxergar o mundo da forma como eu enxergo. A mudança tem que ser minha", diz Marcela
Foto: Arquivo Pessoal

A inclusão não era uma luta que Marcela Bastos (37) vivia no dia a dia, mas tudo mudou com o nascimento de Melina, sua primeira filha. Foi aprendendo a lidar com a síndrome rara da bebê, que nasceu com malformação nos olhos, na boca e no ouvido direito, que a mãe percebeu de perto as dificuldades, adversidades e preconceitos vividos por pessoas com deficiência.

A aceitação veio aos poucos, movida pelo amor sentido pela filha, e transformou a visão de toda a família. 

“A luta da inclusão é uma luta de convivência. É uma luta de alguém que você ama que tem alguma questão e você quer melhorar a vida daquela pessoa e, por conta disso, você quer melhorar a vida de todo mundo”, diz Marcela.

Procurar livros, páginas na internet e apoio de outros pais nas redes sociais foi fundamental para entender como superar os próprios preconceitos relacionados à deficiência da filha. 

Nos primeiros meses de vida de Melina, a servidora pública não conseguia chamar a filha de cega. Para ela, a condição era carregada de estigmas negativos. Marcela chegou a fazer cursos sobre capacitismo, que é o preconceito direcionado às pessoas com deficiência.

Ainda me vejo me podando em determinados termos, mas hoje aceito a minha filha. Eu não rezo mais a Deus para ela ser curada, porque eu vejo ela como uma criança que não precisa de cura. Ela já é perfeita como ela é”
Marcela Bastos
Mãe da Melina

Síndrome do Olho de Gato

Mel, como é chamada pela família, nasceu com a Síndrome do Olho de Gato, causada por alterações no cromossomo 22. Apesar disso, não é hereditária, ou seja, não é passada de pais para filhos. Por causa da síndrome, os olhos da bebê nasceram menores do que o esperado.

Nos primeiros meses de vida, Melina não conseguia abrir as pálpebras e não era possível saber se ela tinha nascido com um globo ocular e se um dia enxergaria. Após diversos exames, foi descoberto que ela tinha possibilidade de visão, apesar de baixa.

Além disso, Mel nasceu com uma fenda no palato, conhecido popularmente como céu da boca. Uma cirurgia feita em outubro de 2020 foi necessária para corrigir essa malformação e melhorar a qualidade de vida da criança, que acabava se engasgando frequentemente devido à fenda.

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A orelha direita de Melina também foi afetada pela síndrome, fazendo com que nascesse com ela tapada e tivesse certo grau de perda da audição. 

Ainda no início da gravidez, os médicos perceberam alterações nos exames de rotina de pré-natal, mas descartaram a possibilidade de Melina nascer com alguma síndrome. Eles acreditavam que o tamanho pequeno dos olhos poderia ser alguma característica física familiar. Mesmo assim, todos os dias quando Marcela chegava do trabalho, deitava-se no sofá, cantava para a barriga e rezava pela saúde da neném.

Fabrício, marido de Marcela, segura e beija a cabeça de Melina enquanto a mãe conversa com a bebê. A família aparece ao lado de um bolo de aniversário e balões decorativos
Legenda: Marcela e Fabrício, seu marido, foram em inúmeros médicos para entender como melhorar o desenvolvimento de Melina
Foto: Arquivo Pessoal

Maternidade atípica

Assim que Melina nasceu e foram constatadas as malformações, Marcela recebeu uma lista de 11 médicos que deveria procurar. Três dias após a cirurgia cesariana, mãe e bebê estavam rodando os quatro cantos da cidade em buscas de respostas, diagnósticos e tratamentos.

Com 17 dias de vida, Mel já fazia fisioterapia visual. A certeza da síndrome só veio após seis meses e incontáveis visitas a especialistas, tanto no Ceará quanto em São Paulo.

No meio de todo o tratamento e busca por respostas, Marcela se tornava mãe de um jeito que nunca esperou.

“Eu recém-mãe, vivendo ali tudo que eu nunca imaginei. Durante a gestação existiam as dúvidas, mas não era o que a gente queria e o que sonhou a vida inteira. Toda mulher tem aquela vontade de ser mãe, é como se a vida toda eu esperasse por aquele momento e eu tava vivendo tudo muito diferente”, relata.

A vontade de ver a filha feliz, brincando em paz e quieta no berço era contrastada com a necessidade de levar Mel para a fisioterapia, fonoaudiologia e coletas de inúmeros exames para garantir o melhor desenvolvimento possível. Marcela conta que, devido ao convívio próximo, as profissionais da saúde que cuidam de Melina já viraram parte da família.

Não é fácil, não dá pra romantizar a maternidade atípica. São dúvidas constantes, mas parece que Deus dá compensações, dando pessoas que ajudam a passar por isso”
Marcela Bastos
Mãe da Melina

Marcela mantém uma conta no Instagram para compartilhar todo o processo da maternidade e do desenvolvimento de Melina. É lá que ela posta vídeos mostrando como Mel brinca, convive com outros e se diverte, agora com 1 ano e 9 meses. É por meio da conta também que ela documenta a própria desconstrução. 

“Hoje em dia eu não peço mais para Deus curar os olhos da Mel, peço pra Deus curar os meus olhos. Porque eu que tenho que aprender a enxergar ela com beleza, e não ela que tem que aprender a enxergar o mundo da forma como eu enxergo. A mudança tem que ser minha”, afirma.

Contos de Mel

Como uma forma de informar familiares ávidos por notícias sobre Melina, Marcela também passou a publicar textos que escrevia sobre as experiências com a filha na página do Instagram. “Eu escrevia muito, porque todo sentimento que eu tinha, minhas angústias, tristezas, meus choros de madrugada, eu estava escrevendo. Porque era como se eu desabafasse”. 

Os textos e a história de Mel viraram livro. “Contos de Mel - Aprendizados e Contos de uma Maternidade Atípica” foi publicado pela editora Cene e o lançamento está previsto para abril. O livro compila os contos de Marcela falando sobre a gestação, o parto e o diagnóstico e, em ordem cronológica, leva o leitor pela jornada de aceitação e empatia da autora. Também ajudam a contar a história cartas que Marcela escreveu da perspectiva da bebê para a avó. 

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